Ontem, num momento de
descontração no trabalho, comentei que estava ansioso, pois faltava apenas nove
dias para o nosso primeiro ultrassom. Um colega de trabalho que também está
grávido, cuja filha nascerá provavelmente já em janeiro, ficou assustado quando
soube que apenas ao completar 3 meses é que faríamos o primeiro ultrassom,
quando na maior parte dos casos ele já é feito assim que se confirma a
gravidez, ainda que não seja possível enxergar muita coisa.
Escolhemos fazer apenas agora,
pois, só neste período, é possível sabermos o sexo do bebê. Com a orientação do
nosso obstetra, e leitura de alguns artigos, descobrimos que uma série de
estudos realizados em diferentes gestações aponta um indicativo de relação
entre a quantidade de ultrassons realizados e a presença de autismo nos bebês.
Os estudos não são conclusivos, mas as tendências são grandes. Ainda que não
tenha o impacto de um raio X, é importante levar em consideração que o exame
envia uma série de ondas para um serzinho em formação, o que realmente pode
acarretar em alguma interferência no seu desenvolvimento. Em função disto,
optamos por fazermos no máximo 3 ultrassons ao longo da gestação.
Ao explicar estes motivos para o
meu colega que em breve terá sua filhinha nos braços, ele me perguntou: “Tá, e
se tiver Down?”.
Primeiro, a resposta óbvia: “Bom,
se tiver Down, o ultrassom não terá o poder de alterar este fato, apenas me
dirá se o bebê tem ou não a síndrome. E sabermos disso no segundo ou terceiro
mês, não fará absolutamente nenhuma diferença.”.
Respondi com tanta naturalidade e
pouca preocupação com a possibilidade, que ele perguntou meio assustado: “Mas
tu não ficas preocupado com a chance de ter?”. E, passadas as linhas iniciais,
é aqui que o texto realmente começa.
Não, meus amigos, eu não me
importo nem um pouco se eventualmente tiver um filho ou filha com Síndrome de Down.
E não digo isso por um eventual
medo e justificativa antecipada pela possibilidade que todos os que concebem
crianças têm. Digo com a mais absoluta sinceridade do mundo, adoraria ter um
filho Down. Tanto quanto adoraria ter um que não tivesse. Não faz absolutamente
nenhuma diferença no amor que tanto eu ou a mamãe sentiremos, muda algumas
coisinhas práticas, evidentemente, mas não impacta no nosso sentimento em
relação a criança.
E essa minha certeza, convicção
de que uma eventual Síndrome de Down que pudesse acompanhar um filho meu não
afetaria no meu amor por ele, não veio agora com a nossa gestação, ela tem
aproximadamente 9 anos.
Em 2003 trabalhei numa
instituição chamada Associação Horizontes. Trabalhei lá até 2007, mas o momento
mais marcante da minha passagem foi ainda no primeiro ano. Comecei como
estagiário, fui recepcionista, auxiliar administrativo, instrutor, coordenador
regional, coordenador nacional, enfim, fiz de tudo um pouco, mas o fato mais
marcante se deu na primeira turma para a qual fui escolhido para lecionar os
cursos de preparação para o para o mercado de trabalho que a instituição
oferecia. Fui escolhido para ministrar duas semanas de aulas na Fundação
Catarinense de Educação Especial, para uma turma com 20 pessoas portadoras de
deficiência mental leve, diferentes deficiências, síndromes, mas todas que
afetavam o normal desenvolvimento cognitivo daquelas pessoas. Foi ali, com 24
anos, que tive contato pela primeira vez com alguém com síndrome de down.
Fiquei encantado com eles. Fiquei
encantado com a alegria, com a pureza, com a vontade de ser e fazer os outros
felizes que eles têm. Ali, depois de ter conhecido um rapaz que se chamava
Cláudio e imitava com perfeição o Romário. Mais do que isso, ele ainda dizia: “Professor,
agora eu vou imitar o Eri Jhonson imitando o Romário” e, sim, ele conseguia
imitar o ator imitando o jogador, e se percebia claramente a diferença entre um
e outro. Ele imitava o Xande do Harmonia do Samba, era um sarro. As meninas da
FCEE eram loucas por ele, pelo seu bom humor, pelo seu sorriso fácil. Cláudio
foi, sem sombra de dúvidas, um dos mais marcantes alunos que tive ao longo de
quatro anos lecionando, e olha que não foram poucos os alunos que me
emocionaram com suas histórias de vida, mas Cláudio me marcou não por vir de
uma história triste – e ele de fato vinha – mas por estar sempre feliz, apesar
de tudo.
Aquele menino que sempre sorria e
gostava de brincar de ator, vinha de uma família pobre, pobre mesmo. Ele é o
terceiro de cinco irmãos, e durante praticamente toda a sua infância, viveu
separado dos irmãos, num quartinho no fundo do quintal, pois sua mãe tinha
vergonha do filho “mongoloide”. Era uma espécie de bicho que vivia dos restos
dos filhos ditos normais. A FCEE chegou até ele através de uma denúncia feita
por um vizinho da família. A psicóloga demorou um bom tempo a convencer a
família de que ele era uma criança normal, mas com uma deficiência, e merecia
uma escola adaptada às necessidades dele, mas que poderia crescer e se desenvolver
como qualquer um de nós.
Por toda sua capacidade e
competência, a psicóloga convenceu a família e Cláudio passou a frequentar as
atividades da FCEE. Mas boa parte do convencimento se deu a partir do fato de
que o Cláudio poderia, quando atingisse idade profissional, ser aposentado por
invalidez e a família passaria a receber um valor do governo federal todos os
meses. Foi o que encantou a família. E não, não a condeno, eles não tiveram instrução,
não tiveram informação, e nenhum de nós sabe das necessidades que aquela mulher
solteira com cinco filhos, um down, enfrentou para chegar até aquele momento. O
segundo trabalho de convencimento, foi mostrar para a mãe que o rapaz tinha
totais condições de trabalhar, e esse é um momento muito delicado, pois a
família tem que ser convencida do quão bem fará ao parente ser inserido no
convívio profissional, ao mesmo tempo que para isso, terá que abrir mão da
aposentadoria e se enquadrar no regime CLT que a maior parte de nós faz parte.
As famílias acham lindo o que falam os professores e psicólogos das instituições
desta natureza, mas não acreditam que seus filhos, irmãos, tios sejam realmente
capazes de produzir. E, quando aceitam, são os que mais se surpreendem com a
evolução que estas pessoas tem, e com o quanto são capazes. Foi neste momento,
que conheci Cláudio. Ele veio até mim para se preparar para trabalhar num
grande frigorífico de Santa Catarina.
Foi depois de conhecer Cláudio,
que concluí que seria lindo ter um filho Down. Até por que, dado o tanto que
ele me ensinou, eu com certeza terei mais e melhores condições de dar suporte a
uma criança com esta deficiência, do que teve a mãe de Cláudio. Ela não fez o
que fez por mal, disso eu tenho convicção. Fez por ignorância, por
desinformação.
Quando me casei com Maittê, minha
primeira esposa, certa vez conversávamos sobre possíveis filhos e o assunto
Down veio nos fazer companhia na mesa de jantar. Ela me contou que tinha um tio
que era Down e o quanto o amava, embora fosse pequeno o contato que tinham.
Ambos concordamos que se tivéssemos o poder de escolha, que nascesse conosco
uma criança Down, pois ambos saberíamos bem o quanto são especiais e capazes.
A mesma conversa, tive com
Priscilla antes mesmo de começarmos a tentar engravidar, e a reação dela foi
exatamente a mesma. Em nada afetaria, afeta ou afetará o que sentiremos, se o
bebê que nascer em junho de 2013 tiver Síndrome de Down. Não só Down, qualquer
outra espécie de limitação, não será para nós um obstáculo entre o bebê e o que
estamos dispostos a fazer por ele. Não projetamos um modelo de criança,
projetamos os pais que queremos ser para o bebê que está por vir.
Se for Down, não mudará o nosso
amor.
Se for Down, o que mudará é o
tipo de escola.
Se for Down, o que mudará é que
dependendo do grau, talvez ele nunca venha a se alfabetizar, o que só significa
que passarei mais tempo contando estorinhas para ele ou ela. Que pai não adora contar
estorinhas para seus filhos?
Se for Down, o que mudará é que
ele não poderá ser camisa 10 do Figueira, mas não por um erro dele, e sim do
Figueira que não investe no esporte para-olímpico. Mas, azar do Figueira, ele
poderá ser o 10 da seleção brasileira para-olímpica!
Se for Down, não mudará o que
ensinarei para meu filho, mas certamente ele me ensinará coisas muito
especiais.
Se for Down, não mudará o amor
que eu sentiremos por ele, pois isso, seja menino ou menina, Down, X Frágil ou
nenhuma síndrome qualquer, o nosso bebê já nos ensinou, e não há força no mundo
que seja capaz de alterar o que já sentimos pelo nosso filhote.