
A vida às vezes nos sabota.
Ou somos nós que a sabotamos?
Acreditamo-nos sempre jovens, e tal qual Peter Pan, construímos ao nosso redor uma linda Terra do Nunca, local aconchegante onde sentimo-nos protegidos e alheios ao risco, ao perigo, invulneráveis.
E aceleramos.
E, de fato, escolhendo-se o referencial que melhor nos servir, haverá sempre um ponto de vista sob o qual estaremos sempre jovens. Uns há mais tempo, outros há menos tempo, mas todos jovens, sempre jovens.
E aceleramos.
E fingimos que a estrada estreita de chão batido que é a vida de cada um de nós, é na verdade uma avenida asfaltada, duplicada, quadruplicada, com espaço suficiente para as irresponsabilidades nossas de cada dia.
E aceleramos.
Temos tanta pressa de correr na estreita estrada de chão batido, que ao colar o ponteiro do velocímetro no seu limite, vez ou outra magoamos uns, não damos atenção a outros, por achar que a estrada não acaba, sempre terá um bocadinho a mais de chão para corrermos, e no percurso, sempre haverá um semáforo que nos alertará com a luz amarela, às vezes vermelha, para que paremos e nos demos o direito de voltar um pouquinho e pedir desculpas, reconhecer algum exagerinho aqui, outro ali. Retratamos-nos, e quando não o fazemos, imaginamos que mais uns metros a frente teremos outra oportunidade de fazê-lo.
E aceleramos.
E mesmo correndo na estrada de chão batido da nossa Terra do Nunca, também encontramos algum tempo para mostrarmos que sabemos ser bons, generosos, e nos permitirmos amar e sermos amados. E sorrimos para o carro ao lado, acenamos, damos bons dias, boas tardes, boas noites.
E aceleramos.
Mesmo correndo, notamos que a paisagem lá fora é bonita, e nos instantes que nos permitimos diminuir a velocidade, descobrimos que o ar que se respira tem perfume, que a luz que vem de fora é colorida, e que os detalhes e a delicadeza das coisas sutis, são o que realmente marcam, não as grandes manobras.
E aceleramos.
No início dessa semana, enviei um email para toda a imensa lista que habita minha caixa do gmail, solicitando que se um deles, ou algum dos seus conhecidos fosse portador do sangue “O” negativo, fosse até o Hemosc e doasse para uma pessoa próxima a mim, que estava precisando muito.
Muito obrigado aos que tiraram o pé do acelerador por uns instantes, e foram oferecer um pouquinho da sua vida, como se dissessem, “toma, amigo, este tantinho aqui de vida é meu, mas faço questão que agora seja teu. Você não me conhece, mas aceite meu presente.”
Aos 26 anos, não se percorreu muito do tanto que a vida pode mostrar-nos de paisagens que há do lado de fora da janela do nosso carro, mas percorreu-se o bastante para tornar-se paisagem no peito dos outros.
Não acredito em deus, mas me conforta saber que agora já não há mais dor.
A ela, que tão generosamente me acolheu quando eu chorei a dor de ter magoado um amor verdadeiro, e que agora chora uma dor de proporções que eu não compreendo, ofereço meu abraço mais sincero, embora saiba que ele não tenha propriedades analgésicas.
A nós, que diminuamos um pouco a velocidade. A vida tem muitos sabores para que seja consumida com pressa.
E que não esqueçamos nunca de usarmos sempre o cinto de segurança.
4 comentários:
só pensa quem desacelera. quem acelera quer o risco corrido, o inalcansável, o medo, o perigo de ter a vida e o couro em jogo. não dá para culpar os ousados de estarem errados ou mesmo certos. mas é sempre quem fica em casa e recebe o telefonema, no caso, foi quem já desacelerou e que agora sofre. a quem ficou resta a sorte ou a covardia. e é duro e dolorido achar que pode fazer algo que se sabe, não pode. "aceita e confia" disse-me uma amiga. é um conselho vago, amplo, mas que mostra como medir a ousadia de quem acelera.
Retificando: inalcançável (é horrível de se ver, mas é o correto).
Bonito.
Parar, passar devagar, permitir-se um pouco de tempo, de sossego, de sensibilidade e gentilezas.
Me fez lembrar do que disse Cazuza:
O tempo não para e a gente ainda passa correndo
[...]
Sorte é se abandonar e aceitar essa vaga ideia de paraiso que nos persegue, bonita e breve, como borboletas que só vivem 24 horas. Morrer não doi.
Oi...
linda mensagem, eu parei para pensar sobre isso, lembrei de mim, como eu vivo pensando em acelerar meu tempo, é foda agente pensar assim e não pensar nos que estão
no fim, admito minha ignorância, mais vou começar a pisar no freio.
Tava sentindo falta de uma mensagem, uma puta mensagem na verdade!
*** Eu queria dizer muitas coisas, queria te elogiar mais uma vez, e queria dizer que ficarei um pouco distante porque tiraram a internet lá no meu trabalho, mais assim que eu puder, passo aqui, já virou um vício.
Beijo.
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