Sabe a Clara, aquela menina linda
que virá ao mundo no meio do ano que vem?
Então, ela tem pais ateus!
Oooohhhh, que coisa horrorosa!!!
Coitada dessa criança, que espécie de lar será este em que ela vai crescer, sem
a presença do nosso senhor Jesus Cristo, sem o batismo?????
Pois é, pais ateus, veja só você.
E por mais incrível que pareça, ateus, mas até que são boas pessoas. Pelo menos
eram até agora, né?
Antes de falar sobre o que isso
influi na nossa maternidade/paternidade, vamos colocar alguns i’s embaixo de
determinados pingos soltos.
1 – Ateus não são adoradores do
diabo. Tanto quanto não acreditamos em deus, o mesmo vale para o capeta.
2 – Não, não somos ignorantes que
não tiveram uma experiência mística que nos fizesse ver a luz. Simplesmente
estudamos a respeito, lemos bastante sobre o assunto, sobre as diferentes
religiões que nos rodeiam, analisamos com um indispensável distanciamento de
toda a ladainha que nos foi repetida desde pequenos e, por conseguinte,
concluímos que não havia muito sentido naquilo que nos era propagado.
3 – Não somos pessoas sem valores
morais, acreditamos sim em fazer o bem, mas não o fazemos esperando receber em
troca um paraíso como prêmio ou por medo de um eventual castigo eterno num
lugar quente repleto de dor, enxofre e ranger de dentes.
Eu costumo evitar este assunto,
pois quando digo que sou ateu, depois dos olhares reprovadores iniciais, se me
perguntam por que sou ateu, meus motivos costumam soar ofensivos, como se eu estivesse
debochando da pessoa que me interpelou, e não é esse o objetivo. Não quero
converter ninguém ao ateísmo, se são felizes acreditando em Deus, Jesus, Alá,
que fiquem assim. Gostaria apenas que as pessoas tivessem atitudes reflexivas,
críticas acerca das suas crenças, e não simplesmente as repetisse por que desde
pequenos alguém lhes disse que é assim por que é assim e pronto. Nada é assim
por que é assim e pronto. Tudo deve ter uma razão, uma lógica, um porquê. Para
algumas perguntas simplesmente não teremos respostas, mas isso não precisa ser
respondido sob a alegação de que é assim por que uma entidade mágica invisível
quis que fosse assim. Eu não sei limpar um carburador, fazer neurocirurgia e
nem a raiz quadrada de 1789, mas não por que estas são questões que cabem
apenas à compreensão divina, e sim por que eu não me instruí a respeito. Por
falta de interesse, acesso ou seja lá o que for.
Fui criado numa família cristã,
num lar católico, fui batizado, fiz catequese, primeira comunhão tudo conforme manda
a cartilha e, sim, boa parte dos valores que pautam minha conduta até hoje, vêm
dos valores cristãos que me foram ensinados. Assim como os motivos que
começaram a me fazer desconfiar daquela história, vieram também dos mesmos
ensinamentos. Tanto quanto o soro antiofídico é feito a partir do veneno da
cobra, o David ateu foi feito a partir das incoerências percebidas nos
ensinamentos cristãos. Incoerências que talvez você nunca tenha percebido, ou
talvez não lhe pareçam incoerências, mas a mim não só pareceram, como de fato
são incoerências.
Meu raciocínio nunca conseguiu
conceber por que o Deus que me disseram que existia, deu de presente para os
homens o livre arbítrio, mas caso os homens decidissem agir diferente do que
Ele mandava, seriam castigados. Então, sendo assim, o tal do arbítrio não é tão
livre assim, não é mesmo?
Também nunca me pareceu muito
lógico o tal Deus mandar para o mundo o seu filho, ter feito com que ele
morresse de uma maneira cruel alegando que era para pagar o pecado dos outros,
e mesmo com a morte dele os outros permanecessem obrigados a se confessar e
pedir perdão.
Nunca me pareceu muito
inteligente criar Adão e Eva, colocá-los num paraíso para que desfrutassem
dele, e criar uma árvore com uma fruta proibida. O cara não é Deus? Por que
criou uma árvore proibida? Não seria mais fácil simplesmente não criar a tal
árvore? Ele não é onisciente, atemporal, onipresente? Então ele sabia que Adão
e Eva comeriam a tal fruta, por que castigá-los? Sadismo? Me parece algo
parecido com amarrar rojão em rabo de gato, é óbvio que o bichinho vai se
machucar, então pra que fazer? Que espécie de diversão torta é essa?
Poderia escrever um livro inteiro
só relatando as passagens bíblicas que me parecem absurdas pela incoerência, e
como as pessoas não se dão conta delas. Mas não é esse o caso.
Quando comecei a refletir a
respeito das histórias bíblicas sem medo da danação eterna, a única coisa que
me pareceu lógica foi o fato de os homens terem sido criados à imagem e
semelhança daquele Deus. Os homens são cruéis, vingativos, ciumentos,
narcisistas. Aquele Deus da Bíblia, também. Ou as coisas são do Seu jeito, ou a
Sua ira divina vai ferrar com a vida deles! O Deus da Bíblia é a exata imagem e
semelhança dos homens, ou da maior parte deles, cheio de falhas e fissuras no
caráter. Não me pareceu inteligente crer e defender um Deus daquele.
Se você analisar a nossa história
política recente, ela já será extremamente dúbia, pois é sempre contada a
partir de um determinado ponto de vista. Dependendo de quem conta, o mocinho
vira vilão, e vice-versa. Se isso pode ser feito agora, nos tempos atuais, se
hoje em dia os fatos são dúbios, imagine uma história contada há mais de dois
mil anos. Detalhe, contada num livro que foi escrito 300 anos depois dos
supostos fatos terem acontecido. Imagine hoje, sem fotos, livros, sem o google,
sem a internet se seríamos capazes de escrever um livro fidedigno sobre o que
aconteceu em 1.700, apenas através dos relatos contados de boca a boca. Nosso
passado é sempre mais glorioso do que de fato foi, quando o contamos para algum
conhecido. Nos nossos relatos, somos sempre mais safos, espertos, pegadores,
talentosos do que de fato éramos. Imagine isso lá, 300 anos depois do tal Deus
ter enviado seu filho para ser crucificado na terra.
Quando engravidamos, no início o
que eu mais ouvia dos próximos a mim, era: “agora quero ver tu dizeres que não
acreditas em deus, agora tu vais entender o milagre que é a vida”.
No começo eu não dizia nada, só
dava um sorriso amarelo e deixava por isso mesmo. Depois começou a me
incomodar, ficava com a sensação de estar sendo chamado de burro, estúpido,
ignorante, coisas essas que não sou.
Milagre é um conceito
questionável. Há quem chame de milagre uma coisa que é absurdamente bonita,
como se milagre fosse superlativo de beleza, neste caso, sim, o nascimento de
uma criança é um milagre, pois é lindo!
Agora, se milagre diz respeito a
alguma reação mágica, sobrenatural, neste caso não, o nascimento não é um
milagre, pois no frigir dos ovos tudo não passa de um espermatozoide que
encontrou um óvulo, é uma reação química, física, biológica, não uma mágica.
Minha filha não será batizada em nenhuma
igreja, não até que ela possa decidir se quer ou não receber o batismo.
Minha filha não nasceu marcada
pelo pecado original. Ela nasceu do amor que eu sinto pela Priscilla e que ela
sente por mim. E amor, não é pecado.
As pessoas batizam por convenção
social, mas não levam o batismo a sério. Eu, que sou ateu, respeito muito mais
o batismo do que a maior parte dos fiéis. Eu não vou jurar numa cerimônia que
criarei minha filha sob os preceitos de determinada religião, que a levarei à
igreja, sendo que já sei de antemão que não o farei. Como a maior parte das
pessoas que estão lendo e têm filhos batizados, não faz/fez. Batizou, mas não
cumpriu o juramento.
Quando escolho não fazer o
juramento, estou respeitando àqueles que realmente creem e o fazem de coração,
certos de que seguirão o que estão jurando.
Se jurasse, começaria a relação
com a minha filha mentindo para ela, e isso eu me recuso a fazer.
Jamais iniciaria a minha filha
numa religião cujos preceitos determinam que pai e mãe devem ser respeitados,
mas não diz nada sobre os pais respeitarem os filhos. Sim, honrar pai e mãe é
preciso e minha filha será ensinada sobre isso, tanto quanto será ensinada que
ela também é merecedora de igual respeito e consideração.
Jamais iniciaria a minha filha
numa religião cuja entidade divina máxima, ordenou que um pai sacrificasse seu
filho como prova de lealdade. E não me venha dizer que depois ele mandou um
anjo segurar a mão de Abraão, impedindo que seu filho Isaac morresse pelas mãos
do próprio pai. Isso não é bondade, é tortura psicológica. Qualquer espécie de
ameaça que é feita a uma criança, é também uma violência. Você pode não
concretizar a ameaça, mas tê-la feito já é uma agressão à criança.
Minha filha não vai ser iniciada
numa religião que diga que ser gay é pecado ou feio, pois talvez ela seja e
faço questão que ela se sinta segura para assumir aquilo que a fizer feliz.
Minha filha não vai ser iniciada
numa religião que diga que aqueles que creem diferente do que prega, estão
errados. Ela aprenderá apenas que um mesmo fato pode ter diferentes pontos de
vista, assim como o meu irmão prefere a cor azul, e eu a preta. Nenhum de nós
está certo, nenhum de nós está errado. Minha filha aprenderá que amar e
respeitar o próximo é importante, mas não do jeito cristão, pois se o próximo
for diferente de mim,
mesmo assim, ele é merecedor do meu
respeito.
Nenhuma criança nasce cristã. Talvez
seja dolorido admitir, mas ninguém, nem você, nem seu filho, nenhum de vocês
nasceram cristãos. Vocês foram ensinados a serem cristãos, foram doutrinados
assim. Do mesmo modo que se tivessem nascido numa cultura diferente, talvez
hoje fossem islâmicos, judeus, ou seja lá o que for.
Se você tivesse nascido no meio
do mato e passado toda a sua vida lá, jamais sentiria falta de Cristo, e não
seria infeliz por isso, pois não faria parte do seu mundo, da sua realidade.
Do mesmo modo que eu, você, o seu
vizinho, a Clara também não nascerá cristã. A diferença é que ela não será
doutrinada a ser cristã. Ela terá toda a informação que precisar, e será
ensinada desde pequena a pensar a respeito das coisas, a refletir, a criticar –
e quando digo criticar, não estou dizendo falar mal, mas pensar sobre – para
que ela mesma possa concluir se o que lhe for passado de informação é ou não
válido para ela. Ela saberá os motivos pelos quais os seus pais são ateus, vou
pedir para que ela converse com o vovô Abelardo para que ele lhe explique por
quais motivos é católico, com o vovô Adriano para aprender por que ele se
identificou com uma religião africana, a Nação, e hoje faz parte dela, com a
tia Mary para saber o que é o espiritismo e, a partir das suas próprias
conclusões e experiências, tome suas decisões, faça suas escolhas e seja feliz
com elas, segura de que optou por aquilo que lhe faz bem. E, mais do que isso,
ela saberá que caso escolha alguma religião para seguir, será respeitada e
apoiada tanto pelo seu pai quanto pela sua mãe, pois na casa em que ela vai crescer,
os valores que receberá lhe dirão que ser ou crer diferente não faz de ninguém
pior nem melhor, faz simplesmente diferente.
É a diferença que nos torna
interessantes, ela é bonita, nos ensina, acrescenta, soma, merece e deve ser
respeitada.