E se nós tentássemos de novo?
Oi?
Se nós tentássemos de novo, nós
dois, talvez em outra cidade, longe dessa gente toda ao nosso redor.
Desculpe, você está falando
comigo?
Sim, claro, com você. Não se faça
de desentendida.
Como assim? Eu não te conheço,
nós não temos, nunca tivemos nada um com o outro, do que você está falando?
De amor, do nosso amor. Não se
faça de desentendida, eu vi o jeito que você me olhou na terça-feira passada.
Terça-feira?
Sim, você entrou neste mesmo
ônibus cheia dos seus livros e apostilas, toda atrapalhada, tentando encontrar
um jeito de se segurar sem deixar que algo caísse dos seus braços. Eu me
ofereci para carregar suas coisas, você aceitou, agradeceu e me sorriu. Não foi
um sorriso qualquer, você sabe.
Eu só sorri agradecida, não foi
nada demais.
Não, nada disso, não se faça de
dissimulada. Fosse apenas gratidão, agradecer já bastaria. Mas você sorriu,
você sabe que sorriu.
Olha, não lembro se sorri, só
quis retribuir a sua gentileza.
Aquilo foi mais que gentileza,
você sabe. Ainda mais depois de quarta-feira.
O que teve na quarta-feira?
O meu lugar, eu lhe cedi o meu
lugar.
Eu não pedi nada, você que
ofereceu.
Você poderia ter dito não, mas
ali, naquele momento em que você aceitou sentar no mesmo local onde eu estava
sentado, naquele exato momento você sabe que alguma coisa mais forte aconteceu.
Você deve ser maluco!
Não precisa me agredir, tudo bem
que nosso relacionamento pode estar passando por uma crise, mas não é motivo
para você me agredir.
Relacionamento? Crise?
Claro, mas juntos iremos superar,
sei que é só uma crise passageira, mas que não se repita!
Como é que é? Você está
delirando!
E como você me explica o fato de
na quinta feira, mesmo com um lugar vago ao meu lado, você ir sentar em outro
banco, do lado daquele bombadinho? Olha, fiquei muito magoado, mas estou
disposto a te perdoar, desde que você me prometa que não vai se repetir.
Você deve estar de brincadeira,
né? Isso é armação com o pessoal da faculdade, fala a verdade?!
Brincadeira? Eu aqui tentando
salvar nosso relacionamento e você me falando em brincadeira? Você tá querendo
me tirar do sério, é isso?
Foi o Tavinho, né? Ele que armou
isso tudo, né?
TAVINHO? QUE TAVINHO? QUE
HISTÓRIA É ESSA DE TAVINHO? QUEM É ESSE DESGRAÇADO DESSE TAVINHO?
Olha, você é um ótimo ator, até
que é bem convincente, mas, por favor, fale um pouco mais baixo, o pessoal do
ônibus já tá achando ruim.
FALAR BAIXO COISA NENHUMA! EU NÃO
TENHO QUE FALAR BAIXO COM A MINHA MULHER, EU SOU TEU HOMEM, ENTENDEU? EU, SÓ
EU! VAI DESEMBUCHA, QUEM É ESSE TAVINHO?
Por favor, fale baixo, eu pego
esse ônibus todo dia, não me faça passar mais vergonha do que já estou
passando.
É O BOMBADINHO? É AQUELE MERDA DE
BOMBADINHO ALI DO BANCO DO FUNDO?
Ei, o que é isso rapaz? Abaixe
isso, escute, fique calmo, guarda esse negócio aí que você pode acabar
machucando alguém, sente aqui, vamos conversar.
AGORA VOCÊ QUER CONVERSAR, NÉ?
AGORA FICOU PREOCUPADA COM O QUE EU POSSO FAZER, NÉ? MAS QUANDO EU QUIS
RESOLVER TUDO NUMA BOA, VOCÊ SE FEZ DE DESENTENDIDA E AINDA VEIO COM ESSE TAL
DE FLAVINHO.
Tavinho.
TAVINHO, FLAVINHO, TUDO NOME DE
VIADINHO. FALA, É O PORRA DO BOMBADINHO? EI, VOCÊ AÍ ATRÁS, TIRA ESSA PORRA DE
FONE DE OUVIDO QUE EU TÔ FALANDO COM VOCÊ! É, VOCÊ MESMO, ACHA QUE EU TENHO
MEDO DESSE TEU BRAÇO TALHADO NO ANABOLIZANTE, SEU BROCHA DE MERDA? TÁ COM
MEDINHO, É? TÁ COM MEDINHO? É BOM FICAR MESMO, QUEM MANDOU FICAR MEXENDO COM A
MINHA MULHER?!
Ei, eu não sou sua mulher! Por
favor, abaixe esse negócio, vamos conversar.
ACABOU A CONVERSA, AGORA CHEGA,
VOU ACERTAR AS CONTAS COM O TEU AMANTE TAVINHO.
Esse rapaz não é o Tavinho, pare
com isso, por favor, eu nem conheço ele!
AH, ENTÃO VOCÊ TEM MAIS DE UM
CASINHO, É ISSO?
Eu não tenho nada com ninguém, eu
juro! Senta aqui, vamos conversar, por favor.
AGORA É TARDE, TARDE DEMAIS, EU
TENTEI RESOLVER NA CONVERSA, NUMA BOA, MAS NÃO, VOCÊ FEZ QUESTÃO DE ESFREGAR O
SEU AMANTE NA MINHA CARA, AZAR O DELE, VAGABUNDO NENHUM SE METE COM MULHER
MINHA.
Não, por favor, não faça
isso...NÃO!!!!
Havia cinco balas no revólver,
mas apenas três foram disparadas contra o rapaz que se chamava Robson, e não
Tavinho como ele havia suposto. Mais do que isso, sequer era ele o rapaz ao
lado de quem ela havia sentado na quinta-feira. Após o terceiro tiro e Robson
cair duro no chão, o motorista freou bruscamente, aterrorizado com a cena que
presenciara através do espelho retrovisor, o cobrador de ônibus deitado no
chão, assustado, e ele, numa tranqüilidade psicótica sentou-se novamente ao
lado dela, Agora sim, podemos conversar. Vá, se explique.
Atônita e sem conseguir dizer
palavra, não sabia se chorava ou desmaiava quando a polícia chegou ao ônibus e
prendeu o maluco que a havia interpelado. Ele não ofereceu resistência.
Dias depois, o policial foi até a
cela onde ele estava preso desde o dia do flagrante dizendo que havia uma moça
esperando para falar com ele na sala do interrogatório.
Por que você fez aquilo?
Ah, eu encarnei o presonagem.
Poxa, era só pra fingirmos que
éramos desconhecidos, era só uma brincadeira para fingirmos que iríamos pra
cama com estranhos.
Eu sei, eu sei, passei um pouco
dos limites...
Um pouco?
Ah, tinha que me chamar de
Tavinho? Foi aí que perdi o controle...
Mas é o teu nome, poxa.
Mas eu era um estranho, esqueceu?
Eu não era eu, aí fiquei com ciúme de mim, mas como eu não me conhecia, acabei
improvisando o desfecho.
Agora você está preso...
Decepcionada?
Não é isso, é que, bem, a
intenção era fingir que ia transar com um estranho, agora vou transar com um
presidiário, um criminoso de verdade.
Gostou do upgrade, né?
Gostei! Deu um tesão te ver ali,
todo agressivo, ai, quase te agarrei ali no ônibus mesmo, quase arranquei minha
roupa e me joguei em cima de você, do lado do defunto mesmo.
Segunda-feira é dia da visita
íntima, vou estar aqui te esperando, de regata, palito entre os dentes, já vou
ter feito até uma daquelas tatuagens com ponta de compasso e tinta de caneta.
Jura?
E vou te bater na cara!
Eu vou trazer uma marmita com
comida feita por mim.
Eu vou matar um companheiro de
cela pra ganhar respeito aqui dentro.
Ai, que tesão.
Vou matar o grandão, o que
trafica pra todo mundo.
Ai, não fala assim que eu não me
agüento...
Moça?
Oi?
Moça, você quer que eu carregue
os seus livros?
Ãhn? Ah, sim, desculpe, você
pediu para carregar os meus livros e, por um segundo, veio um monte de coisas
na minha cabeça, desculpe. Quero sim, muito obrigado
Você não prefere sentar?
Não, não, se você carregar para
mim já está ótimo.
Então tá, se mudar de ideia é só
falar.
Você anda armado?
O quê?
Nada não, deixa pra lá.
Um comentário:
Kkkkkkkkkkk caramba que final louco, não esperava por isso!!! Muito bom, ótimo, viajei na história.
Imaginei as cenas, nossa (tava lendo no metrô cheio), que bom que você voltou, como eu senti falta disso!!!!!
Sensacional, sempre.
Parabéns!
Ahhh...
Vou querer um livro seu no natal!
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