quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Um pouco menos de pressa...


A vida às vezes nos sabota.

Ou somos nós que a sabotamos?

Acreditamo-nos sempre jovens, e tal qual Peter Pan, construímos ao nosso redor uma linda Terra do Nunca, local aconchegante onde sentimo-nos protegidos e alheios ao risco, ao perigo, invulneráveis.

E aceleramos.

E, de fato, escolhendo-se o referencial que melhor nos servir, haverá sempre um ponto de vista sob o qual estaremos sempre jovens. Uns há mais tempo, outros há menos tempo, mas todos jovens, sempre jovens.

E aceleramos.

E fingimos que a estrada estreita de chão batido que é a vida de cada um de nós, é na verdade uma avenida asfaltada, duplicada, quadruplicada, com espaço suficiente para as irresponsabilidades nossas de cada dia.

E aceleramos.

Temos tanta pressa de correr na estreita estrada de chão batido, que ao colar o ponteiro do velocímetro no seu limite, vez ou outra magoamos uns, não damos atenção a outros, por achar que a estrada não acaba, sempre terá um bocadinho a mais de chão para corrermos, e no percurso, sempre haverá um semáforo que nos alertará com a luz amarela, às vezes vermelha, para que paremos e nos demos o direito de voltar um pouquinho e pedir desculpas, reconhecer algum exagerinho aqui, outro ali. Retratamos-nos, e quando não o fazemos, imaginamos que mais uns metros a frente teremos outra oportunidade de fazê-lo.

E aceleramos.

E mesmo correndo na estrada de chão batido da nossa Terra do Nunca, também encontramos algum tempo para mostrarmos que sabemos ser bons, generosos, e nos permitirmos amar e sermos amados. E sorrimos para o carro ao lado, acenamos, damos bons dias, boas tardes, boas noites.

E aceleramos.

Mesmo correndo, notamos que a paisagem lá fora é bonita, e nos instantes que nos permitimos diminuir a velocidade, descobrimos que o ar que se respira tem perfume, que a luz que vem de fora é colorida, e que os detalhes e a delicadeza das coisas sutis, são o que realmente marcam, não as grandes manobras.

E aceleramos.

No início dessa semana, enviei um email para toda a imensa lista que habita minha caixa do gmail, solicitando que se um deles, ou algum dos seus conhecidos fosse portador do sangue “O” negativo, fosse até o Hemosc e doasse para uma pessoa próxima a mim, que estava precisando muito.

Muito obrigado aos que tiraram o pé do acelerador por uns instantes, e foram oferecer um pouquinho da sua vida, como se dissessem, “toma, amigo, este tantinho aqui de vida é meu, mas faço questão que agora seja teu. Você não me conhece, mas aceite meu presente.”

Aos 26 anos, não se percorreu muito do tanto que a vida pode mostrar-nos de paisagens que há do lado de fora da janela do nosso carro, mas percorreu-se o bastante para tornar-se paisagem no peito dos outros.

Não acredito em deus, mas me conforta saber que agora já não há mais dor.

A ela, que tão generosamente me acolheu quando eu chorei a dor de ter magoado um amor verdadeiro, e que agora chora uma dor de proporções que eu não compreendo, ofereço meu abraço mais sincero, embora saiba que ele não tenha propriedades analgésicas.

A nós, que diminuamos um pouco a velocidade. A vida tem muitos sabores para que seja consumida com pressa.

E que não esqueçamos nunca de usarmos sempre o cinto de segurança.

4 comentários:

Daca disse...

só pensa quem desacelera. quem acelera quer o risco corrido, o inalcansável, o medo, o perigo de ter a vida e o couro em jogo. não dá para culpar os ousados de estarem errados ou mesmo certos. mas é sempre quem fica em casa e recebe o telefonema, no caso, foi quem já desacelerou e que agora sofre. a quem ficou resta a sorte ou a covardia. e é duro e dolorido achar que pode fazer algo que se sabe, não pode. "aceita e confia" disse-me uma amiga. é um conselho vago, amplo, mas que mostra como medir a ousadia de quem acelera.

Daca disse...

Retificando: inalcançável (é horrível de se ver, mas é o correto).

Shuzy disse...

Bonito.

Parar, passar devagar, permitir-se um pouco de tempo, de sossego, de sensibilidade e gentilezas.

Me fez lembrar do que disse Cazuza:
O tempo não para e a gente ainda passa correndo
[...]
Sorte é se abandonar e aceitar essa vaga ideia de paraiso que nos persegue, bonita e breve, como borboletas que só vivem 24 horas. Morrer não doi.

Bruna Rafaella disse...

Oi...
linda mensagem, eu parei para pensar sobre isso, lembrei de mim, como eu vivo pensando em acelerar meu tempo, é foda agente pensar assim e não pensar nos que estão
no fim, admito minha ignorância, mais vou começar a pisar no freio.
Tava sentindo falta de uma mensagem, uma puta mensagem na verdade!


*** Eu queria dizer muitas coisas, queria te elogiar mais uma vez, e queria dizer que ficarei um pouco distante porque tiraram a internet lá no meu trabalho, mais assim que eu puder, passo aqui, já virou um vício.

Beijo.