sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Letícia Palmeira



Priscilla, minha noiva, futura mãe dos quatro filhos que eu hei de ter, disse: “Puta que o pariu! Até comentando ela é foda!” Disse isso depois do comentário que Letícia fez num dos meus textos. Priscilla é exigente, criteriosa, requintada, dificilmente gosta de qualquer coisa que não tenha verdadeira qualidade, gosta somente do que é realmente bom, tanto que vai casar comigo. É que eu sou foda, dig-din-dig-din-dig-din. E ela, assim como eu, se encantou por Letícia.

É que Letícia Palmeira (Letícia Palmeira pra você, que não sabe lá muita coisa sobre ela ou não tem tanta intimidade. Para mim, que tenho o privilégio da proximidade que a internet confere às pessoas distanciadas pelos quilômetros que separam Florianópolis de João Pessoa, é a Mendiga), é uma pessoa de um talento raro, raríssimo, singular, tão singular que chega a ser plural apenas nela mesma.

Letícia é escritora e muita coisa mais, mas, provavelmente, a única coisa que ela seja tão boa quanto é escritora, é ser mãe do Pedro. Pedro Palmeira, como gosta de ser chamado. Um menino novo e já alto e que em breve desfilará por ruas nordestinas com a camisa do Figueira trazendo nas costas o número 10 do Fernandes – o maior jogador de todos os tempos de todos os mundos – mas nas costas o nome do jovem menino alto.

Quando comecei a escrever, algo involuntário aconteceu. Não tenho Orkut, não tenho Twitter, não tenho Facebook e não quero ter nenhuma destas coisas. Talvez um dia tenha um ou outro, mas não pretendo tê-los, nenhum deles, para desespero de Jean Mafra. Aconteceu que, por não divulgar o que faço, pessoas que não conheço se aproximaram de mim. Aproximaram-se com a distância segura que a internet dá, mas se aproximaram o tanto que lhes era possível.

E, do mesmo modo, me aproximei de Letícia e hoje me sinto quase íntimo dela. Sorte minha, azar o seu que não teve concedido pela vida o mesmo privilégio que ela me deu.

Nessa de conhecer muita gente, boa parte das pessoas que vieram involuntariamente a mim também escreve. Contudo, embora a maior parte destas pessoas escreva bem, na sua maioria não escrevem nada demais. Desculpe, se o chapéu serviu. É que escrever bem se aprende, escrever como escritor, não. Qualquer um pode cozinhar uma boa comida, nutritiva e bem temperada, mas poucos se tornam gourmet. Letícia é Gourmet de letras e frases e textos e livros. Não me sinto um escritor-gourmet, mas trabalho para chegar lá. Não sei se um dia chegarei, mas morrerei tentando. Ela nasceu com isso de um modo tão natural quanto eu soube desde o primeiro instante pós-placenta, que para viver deveria respirar. Ela não respira, ela escreve.

É um desses casos nos quais se fica admirado em como a indústria da literatura é mal informada. Tem tanta coisa ruim e sem propósito sendo publicada e divulgada, que chega a ser inconcebível um talento raro como o que Letícia traz nas veias estar restrito à internet e umas poucas pessoas bem informadas que já adquiriram algum dos seus dois livros.

Enfim, me apossei de um dos recentes textos desta brilhante escritora, e segue no final deste post a transcrição literal do que ela postou em seu blogue. Não pedi sua autorização, mas acho que ela não vai se importar.

Em breve, publicarei um texto que iniciei e ela terminou. Espero que termine, mandei pra ela nesta expectativa. Em seguida, publicarei um texto que ela escreveu e eu dei sequência.

Agora, segue o texto que ela escreveu e eu fiquei com raiva por não tê-lo escrito.

Beijo, Mendiga, e seja lá o que for!



decora o roteiro


Acontece que aconteceu. E agora Inês é morta. E nós estamos vivos. E eu me encolho toda ao lembrar que não passaria de mais um dia comum se você não tivesse se metido a vir, com sua cara de perdido, amigo, soldado ferido, me visitar. Foi engraçado aquele dia. Conversamos muito até vir a noite e bater vontade de catar o mundo. Você me convidou para sair e disse que a noite seria só de nós dois. Saímos com vontade de beber. Beber e conversar. E veio riso, conversa, vinho que tirava roupa da alma e fomos para outro bar. Você, sempre com seu ar de produto fora de alcance, prateleira mais alta da estante, me olhava surpreso. Ria muito. E eu também. Lembro que nos sentamos de cara, um pro outro. Mesa perto da saída de emergência. Você disse que achava lindo algo em mim. Não retribui elogio. Escapei. Havia placas no lugar. Plaquinhas do tipo conselho avant-garde. Decidi anotar cada frase. Compartilhamos cigarro pelo estreito vão entre as vigas de madeira que cercavam o lugar. Sempre achei que aquele ato, fumar do mesmo trago, foi o início do estrago causado. Era como beijar. E veio mais riso e gente chamando para sentar à mesa e puxar conversar cheia de folga. Eu estava alta de azul e tequila. Você era homem mais que imaginava. Vamos para outro lugar que não quero cara passando a mão em você. E partimos sem companhia. Só nós dois: rindo de medo, frio na barriga, curiosidade em saber o que havia do outro lado do muro que era você, que era eu. Vai me beijar? Minha bravata caiu como luva. E veio beijo longo, completo, boca a boca para nos salvar da solidão. Minha fome era de alguém. A sua era a mesma. Mas já estávamos salvos. Beija outra vez. Agora em público. Duvido que você faça. Fez. Outro beijo. Meio inglês, tímido e educado ao demonstrar afeto. Ri ao ver você com medo de mim. Sou tão indefesa. Mais bebida porque a noite já seguia nos engolindo e a fome aumentava a cada minuto. No carro, o velho amasso desesperado de quem não come há dias. Você me escala, eu engulo você, tira o cinto com pressa, tiro tudo, a luz é forte, vamos para outro lugar. Você dirigia enquanto eu fazia o que não se diz a tantos. Chegamos. Tontos de loucura nós caímos na cama. Corpo meu no corpo seu, algumas ordens para coordenar movimentos, o clima, a fome, à beira do abismo. Mãos na cintura, eu obedeço, mãos no cabelo, eu faço por merecer o que recebo (de você). Mais e sempre a força dentro de mim. Medo e força e olhos fechados para não me ver porque era realmente uma mulher que você comia, que você invadia, que você amava. E chegamos juntos ao extremo. Tombamos na cama. Lembro do cigarro, do trago, da conversa, do silêncio no quarto, da música, um poema dito, mais beijo, tudo caindo no mesmo ritmo, tudo saindo do trilho. E veio dor de cabeça, um adeus esquisito, chá de sumiço e não se fala mais nisso. Sou boa em me calar. A história nem precisava mesmo continuar. Mas eu vou de cara, sem medo, largo na rua meu receio e digo que o seu azar começou faz tempo. Lembra de quando nos conhecemos?

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Quando os pedidos se realizam



COMO VOCÊ TEVE CORAGEM???? – ela gritou.

Eu posso te perdoar. - ela pensou.

SEU FILHO DA PUTA!!!! – ela gritou.

Nem por isso você deixa de ser o homem da minha vida. – ela pensou.

SAI DA MINHA FRENTE, SOME DA MINHA VIDA!!!! – ela gritou.

Ele nunca mais voltou.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Melhor assim



Quando Tatiana descobriu que Leonardo era casado, quis morrer.

Não, não, quis matar!

Não, não, quis acabar com a felicidade do casamento de Leonardo, Desgraçado! Pensou Tatiana.

Soube que não era a trabalho a viagem que faria naquela semana, mas uma segunda lua de mel. 

Desgraçado! Pensou Tatiana.

No intuito de acabar com aquela felicidade nojenta que deveria pertencer à ela, e não à outra, que não chegava a ser a outra, Tatiana descobriu o roteiro da viagem e resolveu embarcar também. Precisava mesmo de umas férias, oras.

Preciso ir ao banheiro, disse a esposa após o último gole que dera no vinho que dividia com Leonardo no restaurante de cozinha internacional, levantou-se e rumou ao toillet.

Tatiana tocou no ombro de Leonardo que, assustado, ficou sem ação. Abaixou-se, beijou-lhe levemente os lábios e disse, Preciso retocar a maquiagem, quem sabe tua esposa não tem um batom para me emprestar, e seguiu também para o banheiro.

Leonardo ficou atônito, estático.

Até que um tremor que parecia vindo de dentro dele, fez com que tudo ao redor viesse ao chão, incluindo ele próprio. Deve ser desmaio, isso, pensou Leonardo, mas estranhava manter-se consciente. O mundo, além daquele seu, já desmoronado desde o toque dos lábios de Tatiana nos seus, parecia-lhe com espantosa realidade desmoronar também.

Horas mais tarde, depois de socorrido e envolto num cobertor, ouviu alguém comentar que o comandante do navio havia bebido mais do que devia na companhia de uma loira maravilhosa e que, para impressionar a pequena, tentou uma manobra arriscada aproximando o gigantesco transatlântico da costa, mais do que a prudência e as tantas cartas náuticas sugeriam-lhe aproximar.

Um militar de nome italiano, imbuído da infeliz tarefa de portar e transmitir más notícias, reuniu aqueles que já estavam em terra firme para, solenemente, divulgar o nome das seis infelizes almas cujo óbito já havia sido confirmado.

Ao ouvir o nome da esposa, os olhos de Leonardo inundaram-se tal qual o casco rompido do transatlântico. Ao ouvir o nome da amante, desabou sobre ele o pranto, com força superior à de todos os oceanos represados por décadas e libertos de uma só vez.

Quando uma senhora afagou-lhe os cabelos dizendo que entendia a dor que lhe aplacava, pois perdera o marido há alguns anos e ainda não havia encontrado modo de esquecê-lo, Leonardo olhou para a mulher de cabelos brancos, sorriu, e disse:

_Que nada, melhor assim!

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Desejo


Primeiro, minha mão esquerda espalmada te acariciou o ventre.

Depois a direita, em seguida ambas, ritmadas, constantes. E tu fechaste teus olhos de tanto prazer.

E deixei meu corpo se deitar sobre teu corpo, pois assim permitiste, e tu, ainda de olhos fechados, sorriste de tanto prazer.

E sentiste o jeito esguio, quase cafajeste, com que me fiz escorregar sobre ti, para que pudesses sentir o calor que emana de mim e sentir-te, ainda de olhos fechados e sorrindo, suspirar de tanto prazer.

E me ergui esbelto, para que sentisses n’alma o desejo de me tocar, tanto quanto já ardia em mim o desejo de ver tua mão deslizando sobre meu corpo inteiro.

E, talvez receosa, te permitiste acariciar-me a cabeça, sentir entre os dedos teus, meus cabelos curtos, ainda que macios, para em seguida fazê-los deslizar e emaranharem-se entre os vastos pelos do meu peito.

Até que olhaste o relógio, percebeste que já era avançada a hora, e me expulsaste fria e insensivelmente de tua alcova, onde instantes atrás dividias comigo teus lençóis.

VAGABUNDA!

Tudo isto, abandonado sozinho num canto do sofá da sala, rancorosamente pensou o gato.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Possessão


Não me manda sair do teu corpo que eu me excito!

Não me diz que teu corpo não me pertence que eu me descontrolo!

Não adianta rezar para teus santos padroeiros que eu te contamino!

Já te contaminei...

Tua alma é meu beco preferido, teu peito a lama onde gosto de contrair os dedos dos meus pés pra te fazer sufocada, tentada a fazer tudo errado.

Deus não dá asas às cobras, por isso me rastejo por cada centímetro do teu corpo até te deixar possuída, retraída, diminuída a uma fração que, de frente para o espelho, não reconheces como sendo tua. Tu não farias o que andas fazendo se eu não houvesse.

Não adianta chamar o pastor pra me exorcizar que eu não saio de dentro de ti.

Pastores só têm alguma eficácia contra demônios.

Eu não sou o diabo, eu sou o amor.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Desencontro




59 minutos depois de você ter ido embora, eu cheguei.

57 minutos completam-se agora, acho que já deu, né?

Apressadinho você, não?

Precisa estar sempre atrasada?

Mulher se atrasa, sabia não?

Não sei se isso cabe a todos os homens, mas eu, particularmente, sou pontual.

A gente tem que fazer maquiagem, escolher sapato, bolsa que combine com sapato que combine com o esmalte que esteja de acordo com o corte que fizemos ontem e não ficou lá essas coisas. Pensa que é fácil achar que a roupa escolhida logo cedo ficou uma porcaria, vestir outras dezenove, combiná-las de trinta e duas maneiras diferentes, para no fim escolher aquela primeira que havíamos escolhido logo cedo? Isso é muito difícil, sabia não?

E tive que inventar um compromisso para escapar da reunião que meu chefe quis fazer na última hora de trabalho, e abastecer o carro, e ir voando pra casa, e explicar para os vizinhos amontoados na garagem que não sou proprietário, portanto, não tenho obrigação de ficar na reunião de condomínio, e subir as escadas voando, e tomar um banho instantâneo, sem tempo para escolher uma roupa a sua altura, mas sabendo com qual não faria feio.

Foi o garçom que me disse que você havia saído não fazia uma hora. Cinquenta e nove minutos, para ele ser exato. Disse que sabia o tempo exato pois foi na hora que ele teve que tirar a moto da farmácia da frente, antes que fechassem o estacionamento e ele ficasse com a condução trancada até amanhã.

O garçom riu da minha cara depois da terceira garrafa, dizendo “acho que tu perdeu, mermão, hoje ela esqueceu de tu, já trago tua conta, só deixa tirar minha moto ali da frente da farmácia, ou só volto pra baia amanhã, mermão”.

Azar o seu, se pela manhã você me disse que sou linda, precisava me ver agora, estou um arraso!

E ainda me dei ao trabalho de comprar e usar aquele perfume que você disse gostar. Estou com ele, pra ninguém cheirar...

Aí eu vou embora e você vai me dizer que não pode me ligar por causa do interurbano.

E você vai voltar pra casa dos seus pais, e vou ser obrigado a dizer que não te ligarei por causa do interurbano, só para não ter que passar pelo constrangimento de ter que dizer para sua mãe que quero falar com você, como fosse um adolescente do colegial.

Pobre!

Faça-me o favor!

Se você não é capaz de pagar um interurbano pra falar comigo, imagine para me impressionar pagando o uísque que eu gosto de beber.

O problema não é o interurbano, mas morar com os pais depois dos trinta...

Pobre!

Faça-me o favor!

Pobre de grana, paupérrimo de espírito, miserável de paciência!

Faça-me o favor, você já está bem grandinha!

Demorei um pouquinho por que estava me arrumando pra você. Demorei por que enquanto me arrumava parei pra ver a lua linda que apareceu na minha janela depois de tanta chuva.

Eu podia ter me arrumado melhor, ter ido ao shopping comprar uma roupa nova, mas não queria te deixar esperando, ainda mais com a lua linda lá fora implorando para que eu perdesse tempo olhando pra ela, ainda mais depois de tanta chuva.

Apressadinho!

Não sei por que ainda me surpreendo, sempre atrasada...

Se você não fosse tão apressadinho e tivesse esperado um bocadinho mais uns anos atrás, seria teu o filho meu. E, de verdade, teria aceitado batizá-lo com o nome de apóstolo que você sempre disse querer batizar um filho seu. Só de raiva, dei a ele o teu nome. Mas ele não é teu, sorry.

Se você fosse um pouco mais ligeira, entenderia meus sentimentos e, talvez, até teríamos tido um filho. E não me importaria de batizá-lo com o nome que você escolhesse, mesmo que não fosse cristão, mesmo que nem passasse perto daquele que sempre quis dar a um filho meu! Depois de tanta demora, batizar um filho teu com o nome meu, não me serve de consolo. O segundo colocado é o primeiro perdedor, mas não precisa se desculpar pela minha derrota, ela é minha, não sua.

Sorry o caramba, bem feito, apressadinho.

Se bem que a derrota é sua. Ainda que já não estivéssemos juntos, pai melhor do que aquele merda, certamente eu teria sido. Mas você demorou para perceber isso. Talvez ainda não tenha percebido.

E o meu filho, aquele que não é teu, gosta de rock, a despeito do teu samba. É divertido ver teu nome gostando de rock, a despeito do teu samba. Orgulho da mamãe!

E agora, pela maldição hereditária que teu rebento traz no sangue, ele deve preferir três pobres notas do que os acordes dissonantes que meus genomas fariam que ele apreciasse. Três acordes, desgosto para um pai...

E amanhã você vai me mandar um email dizendo que falou para eu escolher o horário, de tal modo que chegaria na hora que eu escolhesse e não tivesse desculpas para me atrasar, pois você tolera muita coisa, sua paciência só não absorve falta de pontualidade. Azar o seu, estou um arraso! Você gostaria da roupa que eu escolhi, embora tenha demorado um pouquinho para me decidir por ela. Você a teria escolhido de imediato, talvez por isso tenha vindo com ela.

E amanhã você vai me mandar um email dizendo que demorou por que estava se preparando para mim. Azar o seu, teria adorado mesmo que você estivesse vestindo o pior dos trapos, te ver já me seria o suficiente.

É que eu já fui muito dura, um pouco seca, mas estou gostando da minha fase mais mulherzinha sensível. Estou entendendo o prazer que há na escolha de uma nova cor para os cabelos, coisa que sempre julguei superficial, quase fútil.

É que eu sempre fui muito dócil, muito passivo, mas começo a gostar dessa minha fase mais centrado nos meus interesses do que no dos outros. Estou gostando da minha fase mais macho alfa. Estou entendendo o prazer que há em valorizar meus atos ao invés de baixar a cabeça para tudo que me fazem.

Um pouquinho de futilidade é sempre bom. Estou mais leve, mesmo com uns quilinhos a mais do que quando você me conheceu.

Um pouquinho de aspereza sempre cai bem. Estou mais seguro, mesmo com uns fios de cabelo a menos do que os que tinha quando você me conheceu.

Fiquei pensando sobre o que conversaríamos, em algum momento você teorizaria sobre a superficialidade do BBB, a busca da fama pela exposição ao invés do reconhecimento pelo mérito, parafrasearia Mutarelli, “A arte de causar efeito sem causa”, e eu te diria que pelo menos tem uns caras bem gostosinhos, e você responderia em tom indignado que eu não sou mais a mesma, eu daria risada, depois me entediaria. É que às vezes você é legal, um charme só, outras um tédio de dar pena.

Fiquei pensando sobre o que conversaríamos, em algum momento você faria aquela cara de quem espera uma frase de impacto, mas já passei dessa fase, minha idade já não dá tanta bola para aquela baboseira toda que antes me incomodava. É que às vezes, além de linda, você é interessantíssima, outras, uma previsibilidade de dar sono.

Contudo, mesmo entediada, seria legal se você tivesse ficado para acender o meu cigarro, ao menos isso. Sei que você não viria pra mim com um daqueles discursos chatos de ex-fumantes que falam da vitória sobre o vício como se fosse uma regeneração do caráter.

Contudo, mesmo previsível, teria sido legal gastar umas horas do meu dia do teu lado, talvez acender o seu cigarro, quem sabe até fumar unzinho com você, pelos velhos tempos.

Se você tivesse esperado 59 minutos, talvez eu ficasse por aqui mais umas 59 semanas, talvez não suportasse sua companhia por 59 segundos, talvez você me desse uns 59 orgasmos, mesmo eu já não tendo idade para te dar 59 filhos. 59 mais 10 e poderíamos estar nos satisfazendo reciprocamente no quarto do hotel onde estou hospedada, mas não te direi qual é nem que você implore 59 vezes.

Se você tivesse chego em 58 minutos, talvez eu ficasse do teu lado por mais umas 58 semanas, talvez não suportasse sua companhia por 58 segundos, talvez te desse uns 58 orgasmos, mesmo eu já não tendo idade para 58 ereções. 58 mais nove mais nós dois, e estaríamos na minha casa nos satisfazendo reciprocamente, você não precisaria ter voltado para a frieza de um quarto de hotel, mas já não te aceito, por mais que você me dê 58 justificativas para o seu atraso.

Não entenda essas palavras como desilusão, você não chega a me fazer sofrer, antes fizesse. Eu prefiro o inferno da solidão que o purgatório da sua pressa.

Não entenda essas palavras como desilusão, você não chega a me fazer sofrer, antes fizesse.
Eu prefiro o inferno da solidão que o purgatório da sua demora.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O Travesseiro



Eu me molhava inteira olhando aqueles homenzinhos lindos, fortinhos, fardadinhos, seus uniformes cáqui, verdes, camuflados, querendo ser o país inimigo a ser invadido por toda a tropa, querendo ser a prisioneira de guerra a ser judiada, usada, abusada, que enfiassem em meus buracos todos tudo aquilo que gostariam de enfiar no cu do presidente do país inimigo se tivessem a oportunidade de capturá-lo. Mas os homenzinhos eram de plástico, abandonados no chão por meu irmão descuidado. Como eu queria que fossem reais os homenzinhos, todos eles, uma infantaria inteira, que chamassem as tropas aliadas para lhes ajudar a me vilipendiar, ah, como eu queria...

E me desfazia em suores noturnos, quase fazendo sangrar os lábios de tanto mordê-los, comprimindo o pobre travesseiro entre as pernas com tanta força que quase doía, sentindo ainda mais prazer nas vezes em que de fato doía. Descobri a duras penas que os travesseiros são broxas e que embora seja até divertido brincar com meninas, assim como os travesseiros, elas não me satisfazem. O pastel que sou, precisa de recheio. Recheio de carne.

No quarto ao lado ouvia meus pais gemendo abafado, com medo tanto de se fazerem ouvir, quanto de crescerem e se multiplicarem uma terceira vez. Eu gemia ainda mais abafado que eles, lembrando das minhas amigas que diziam ter nojo de imaginar seus pais transando, enquanto eu grudava o ouvido na parede para tentar descobrir se meu pai xingava minha mãe na hora do sexo, se despida da vestimenta carola e dos temores da fúria do seu deus, minha mãe se transformava numa dominadora insaciável, de algum deles eu haveria de ter herdado essa chama que desde pequena me assa sem jamais consumir. No dia seguinte discutiriam no café novamente, minha mãe querendo que meu irmão fosse à catequese e meu pai dizendo que não sujeitaria seu filho homem à ameaça de algum padre pedófilo comedor de meninos inocentes. Por que será que os padres só comem menininhos? Eu pensava cheia de ciúmes e inveja.

Olhava meu pequeno irmão dormindo como um anjinho na cama ao meu lado, torcendo para que ele se tornasse adolescente antes da noite terminar e que eu o flagrasse se masturbando escondido sob o lençol. Quando ele me olhasse assustado pelo flagra indisfarçável, eu sorriria com cara de safada, colocaria meu indicador sobre os seus lábios emoldurados pela penugem fina que os meninos relutam em tirar para parecerem barbados precocemente, e com minha outra mão o ajudaria a terminar o que havia começado. Ajudaria com a boca, se ele assim quisesse. Admirava-o com o velho travesseiro sufocado entre minhas pernas nuas e lisas, determinada a ensiná-lo eu mesma a arte da punheta, caso ele fosse um desses adolescentes abobados que demoram a perceber que é melhor ser amiguinho das meninas do que ficar ao lado de outros adolescentes abobados falando mal daquelas que lhe dariam as melhores lembranças que teriam pelo resto da vida.

E me revirava nos lençóis encharcados pelo meu suor e minha umidade, pensando num modo de chegar ao colégio no dia seguinte e carregar algum menino da minha turma, qualquer um deles, para trás do ginásio só para que eu pudesse lhes massagear os pequenos pauzinhos mesmo que por cima das calças do uniforme. Eu adorava aquelas calças de tecido molinho, soltinho, que delatava mesmo quando os meninos eram ainda muito novos, quais tinham um bom potencial. Com um pouco de sorte, ele deixaria até eu colocar a mão por dentro das suas calças, e só tiraria de lá quando ela estivesse totalmente melada, lambuzada. Eu sorriria e sairia em seguida, sem dizer nada, como se estivesse desesperada por uma pia para lavar as mãos o quanto antes, mas assim que ele já não pudesse me ver, lamberia o melado que trazia nas mãos, degustaria o sabor, sentiria devagar o cheiro forte, e depois de chupar meus dedos, lamber a palma da minha mão, não a lavaria para que, durante as aulas, eu pudesse cheirá-las e sentir novamente o gosto amargo nas papilas da minha língua adolescente. Não me importaria se ele contasse para todos os seus amigos da escola. Que todos os meninos soubessem, tão melhor assim. Chamar-me-iam de vagabunda, ficaria taxada na escola, mas não me importaria. Outros mais tentariam o mesmo, não negaria a nenhum. Que viessem todos, já sabia desde muito cedo para o que fui feita. Fui feita pra eles, todos eles e tantos outros mais.

E o travesseiro entre minhas pernas, o gemido abafado dos meus pais no quarto vizinho, o ciúme dos padres que preferem os menininhos, o ronco inocente do meu irmão na cama ao lado da minha, a lembrança dos meninos da escola vestindo suas calças de tecido molinho, seus shorts de educação física, aquela febre que me consumia em orgasmos curtos e incessantes...

Acabou.

O quê?

Sua sessão, já deu o horário. Na quinta-feira continuamos.

Nossa, passou rápido.

Hoje você conseguiu se abrir, conseguiu externar muita coisa da sua adolescência que provavelmente jamais tenha conseguido pensar sequer consigo mesma.

É verdade.

Até quinta-feira, então?

Até quinta-feira.

Naquele dia, quando a psicóloga chegou a sua casa mais tarde do que de costume, seus filhos já dormiam. 

Seu marido tomava banho na suíte do casal.

Foi ao quarto do pequeno, beijou-lhe a testa sem acordá-lo.

Quando entrou no quarto da filha, seis anos mais velha que o menino, a viu dormindo com o travesseiro entre as pernas.

Voltou à suíte do casal, pegou a arma que o marido guardava na gaveta do criado mudo, retornou ao quarto da filha, sacudiu-a para que acordasse. Quando ela abriu os olhos sonolentos, ainda tentando identificar quem e por que a acordara, reconheceu a voz materna sussurrando com os dentes semicerrados: “Vagabunda!”, em seguida, e isso a menina já sequer ouviu, disparou seis vezes contra a filha. 

Na quinta-feira não houve sessão.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Coitados...

Não, ele não sabe. Pensa que sabe tudo, mas de mulher não sabe nada, coitado. Talvez eu seja mulher demais pra ele, ou ele homem de menos pra mim, mas de mulher, coitado, não sabe nada. E me sorri seus dentes feios, amarelos da nicotina, me obriga a sentir o cheiro do cigarro cada vez que passa atrás de mim, ou perto da minha mesa, ou quando vai no banheiro e eu estou saindo, ou quando se abaixa com aquele sorriso safado pra me pedir um favor qualquer. Talvez me ache bobinha demais, ingênua demais, criança demais, coitado... Pensa que sabe tudo, coitado... Deve pensar que perco minhas horas de sono pensando como deve ser o sabor amargo da sua língua fedida de nicotina e café. Coitado... Deve pensar que eu fico sonhando com aquelas mãos peludas de dedos curtos subindo pelas minhas coxas sem me pedir licença. Coitado... Deve pensar que quando fecho a cara no meio da tarde, assim, do nada, é por tê-lo ouvido falar ao celular todo melosinho com aquela esposinha certinha, perfeitinha, bonitinha, com carinha de santa. Coitado... Deve pensar que eu acordo cedo, demoro no banho pensando nele, escolho a lingerie pensando nele, deve imaginar que eu escolho uma lingerie bem safada na espera de que um dia ele me pergunte o que estou usando por baixo da minha roupa comportada, que eu finja timidez e responda baixinho toda cheia de uma vergonha simulada. Coitado... Deve pensar que eu escrevo poemas pensando nele, que eu choro ouvindo músicas românticas pensando nele, que ensaio receitas especiais que comerei sozinha na expectativa de um dia poder servi-lo. Coitado... Deve pensar que desabotôo o último botão da minha blusa só para que ele perceba o meu decote e se de conta que meus seios são maiores e mais bonitos do que os mirradinhos peitos da esposinha toda certinha, com carinha de santa. Coitado... Deve pensar que eu só fico até mais tarde quando ele resolve fazer hora extra, na esperança de que ele tome coragem de me jogar em cima da sua mesa quando todos os outros tiverem ido embora. Coitado... Deve pensar que sou amarga por ser mal comida, e que bem comida só seria por ele. Coitado... Deve pensar que minha boca grande de lábios finos sonham em ver meus joelhos encostando o chão diante dele, ele com aquela calça social sempre irritantemente bem passada pela esposinha com carinha de santa, toda certinha, arriada até os tornozelos para provar que ainda que sejam carnudos os lábios dela, minha boca grande pode mais. Coitado... Deve pensar que sempre que aceito os convites para o happy hour do escritório, sento propositalmente do lado dele e fico cruzando e descruzando as minhas pernas grossas para que minha saia comportada cada vez se descomporte mais, e ele perceba as coxas lindas que tenho. Coitado... Deve pensar que mudei o horário da academia só para fazer junto dele, só para que ele veja através da marca que fica na minha calça branca de ginástica como é pequena a minha calcinha. Coitado... Deve pensar que depois de ter me pedido para comprar o perfume que daria à esposinha certinha com cara de santa no aniversário de casamento, comprei um igual pra mim só para que ele confundisse o pescoço que deveria cheirar, lamber, morder. Coitado... Deve pensar que na viagem marcada pelo nosso chefe para a semana que vem, depois dos treinamentos todos, lá pelo terceiro ou quarto dia me chamará para tomar um drink no bar do hotel, que vou rir das suas piadas, que em algum momento vai tocar de leve as minhas mãos e elas vão estar geladas, suadas, vai me olhar fundo nos olhos e eu vou me tremer inteira de medo e tesão, que quando me disser o número do seu quarto e que a porta estará aberta, eu irei fazer charme, irei para o meu quarto, ficarei andando de um lado para o outro olhando para o relógio a cada cinco segundos, e quinze minutos depois irei até ele, tirarei a minha roupa e farei com ele tudo o que ele quiser que eu faça, sem negar, sem contestar, bastará ele mandar que prontamente eu atenderei. Coitado... Semana que vem eu não viajo. E ele uma semana longe de casa. Ele não sabe, e jamais pensaria que convidei, assim como quem não quer nada, a esposinha para uma cervejinha só entre mulheres. Ele não sabe do convite, ela não sabe que serão apenas duas as mulheres presentes. É que eu tenho um fraco por mulheres com carinha de santa. Comigo ele não tem chance, coitado... De mim ela não escapa, coitada...