terça-feira, 31 de agosto de 2010

A Crente e o Garotão


Ei, presta atenção!

Presta atenção, eu tô falando. Só escuta, presta atenção!

Quero te ver morta, tanto quanto te quero minha.

Alimento esse amor involuntário e doente que sinto à sombra do ódio, da raiva. Sua velha desgraçada!

Sou novo, mas não sou criança. Sou homem, embora não me acredites. Sou bem homem, sou bastante homem, inclusive. Sou muito mais homem do que aquele velho barrigudo que te encheu de filhos, te deixou toda pelancuda e caída, gasta mais por ele do que pelos anos, que nem chegam a ser muitos, mas és tão relaxada que pareces ter dois séculos.

Foda-se o maldito do pastor evangélico que te disse que sexo é pecado! De verdade em verdade lhe digo, sua evangélica desgraçada, foi deus quem fez o sexo, e viu que era bom pra caralho! Ele viu que era tão bom, mas tão bom, que entulhou o mundo de filhos que diz serem seus. Sexo é bom, comigo seria melhor, sua velha desgraçada!

Eu sou rico, poderia te dar tanta coisa... Poderia te dar uma vida de verdade! Tu não obedecerias mais as ordens da minha mãe, e eu sei que ela é uma tirana. Especialmente contigo, ela é uma tirana.

Fico louco quando vejo a pele flácida do teu braço balançando, cada vez que te despedes da tua filha.

A propósito, comi a tua filha. Só de raiva, de picuinha, por vingança.

Pergunte pra ela, se não sou bem homem.

Tu deves saber, embora finjas que não, que de pura tua filha não tem nada. Só mais uma crente do cu quente. E como é quentinho...

Presta atenção...

Fico louco com essa tua saia até os tornozelos, deixando só uma frestinha das tuas canelas cabeludas à mostra.

Fico louco com esse teu cabelo seboso até a cintura, sempre preso num rabo de cavalo muito do mal feito.

Fico louco com essa tua pele cheia de rugas, sem maquiagens, ressecada pelo medo do inferno.

Inferno é a vida que levas, não percebes, sua velha burra?

Tu bem que podias fumar, fumar muito, fumar até ter um enfarto ou um câncer e morrer, assim sumirias da minha vida.

Já pensei em enfiar alguma coisa naquela sacola de supermercado em que trazes teus trapos de faxina, te acusar de roubo e forçar minha mãe a te mandar embora pra nunca mais ter que olhar pra essa tua cara velha, que eu tanto amo e odeio.

Eu sou muito inteligente, caso tu não saibas. Sou muito culto. Poderia te ensinar a ler e escrever. Assinar o nome não é saber escrever. Eu te mostraria livros ótimos, histórias lindas, cheias de amor, com desfechos cheios de esperança, sem que pra isso alguém precisasse ser crucificado.

Presta atenção...

Eu me converteria, se te fizesse feliz.

Eu doaria dez, quinze, trinta, noventa por cento de tudo o que a minha família tem, e não é pouco, para a tua igreja, só pra te fazer feliz.

Eu viraria pastor, pra te fazer feliz.

Compraria uma igreja inteira, mandava construir uma catedral, se isso fosse te fazer feliz.

Odiaria católicos, protestantes, macumbeiros, ateus, praguejaria contra todos que não fossem da nossa igreja. Só pra te fazer feliz.

E se não fosses tão velha, te faria uma carrada de filhos, nos multiplicaríamos feito coelhos, do jeitinho que determina a bíblia surrada que trazes embaixo do sovaco.

Presta atenção...

Eu poderia matar o teu marido, para sermos felizes juntos. É só tu me pedires, é só tu fazeres que sim com a cabeça, que eu darei um jeitinho nele. Garanto que ele não sofrerá, assim tu não te sentirás tão culpada. Farei tudo muito rápido e indolor.


Ah, menino...

Ah, se isso fosse verdade...

Pena que amanhã a bebedeira passa e tu não vais lembrar de nada.

Tu precisas é de um bom banho frio, meu filho, antes que teus pais cheguem e percebam que andasse enchendo a cara de novo.

Tu já sabes o que te acontece quando tua mãe sente esse teu cheiro de bebedeira.

Eles ainda demoram um pouco.

Vamos lá, deixa que eu te dou um bom banho. Deixa que eu te dou o banho que estás precisando. Deixa que eu te lavo, deixa que eu te ensaboo. Vou te lavar bem direitinho.

Amanhã tu não vais lembrar de nada mesmo.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Extrema-Unção


Descanse, meu amor. Fica quietinho que vai ser melhor pra você. Você precisa descansar.

Descansar é só o que eu tenho feito.

Você está fraco, amanhã a gente conversa.

Amanhã pode não dar tempo. Para mim, pelo menos.

Deixa disso, claro que dá tempo, vamos ter muito tempo ainda para conversar.

Você sabe que não, mas enfim, isso não importa agora. Lembra quando você me disse que estava grávida?

Claro! Uma cara de assustado daquelas não se esquece nunca.

Eu ia deixar você aquele dia.

O quê?

Eu ia deixar você. Não te amava mais. Estava cansado de tanta briga e reconciliação. Estava cansado de planejar coisas que não acreditava que aconteceriam, que não queria que acontecessem.

É arrependimento de leito de morte?

Nossa! É a primeira vez nesses meses todos que você admite que estou com o pé na cova. Na verdade é desabafo de leito de morte.

Isso não é necessário.

Não para você, mas é para mim. A iminência da morte nos confere esse tipo sádico de direito ao desabafo. Qualquer coisa que eu diga agora merece ser ouvido e, mais do que isso, merece ser perdoado. É minha extrema-unção.

Uma última briga?

Não, faz tempo, faz anos que a gente não briga.

Por isso não vejo necessidade disso agora.

Escute. Só escute. Já me é difícil falar, ficar argumentando razões a essa altura do campeonato é pior ainda. Só escute.

Diga.

Eu ia deixar você.

Essa parte eu já ouvi.

Tudo na minha vida estava indo bem, menos meus sentimentos em relação a você.

Mas por que você resolveu falar isso só agora.

Sei lá. Esse tempo todo em que estou aqui, refém dessa cama, me fez ficar imaginando como seria a minha vida se você não tivesse ficado grávida.

Arrependimento...

Desabafo.

Eu nunca contei pra você, mas naquele mesmo dia, eu recebi a notícia de que tinha passado para o vestibular de medicina.

E por que você não cursou?

Era em outra cidade, não podia deixar você grávida de um filho meu e ir embora tocar minha vida como se não tivesse responsabilidade nenhuma com aquela criança, com você.

Nossa, que altruísta. Quer que eu agradeça agora ou no final do seu desabafo.

Quero só que você me escute, quietinha, só escutando.

Diga.

Fiquei pensando que poderia ter sido um grande médico. Você sabe que eu levava jeito. Sempre fui um ótimo aluno. Mas com a gravidez, e tudo o que ela exige, a maturidade prematura, isso tudo impediu minha faculdade. No fim das contas, nunca mais cursei merda nenhuma. Fiquei me imaginando de branco, no meu consultório. Acho que seria tão bom médico, que teria dado jeito até em alguém no estado que estou agora. Eu arriscaria a cirurgia que ele não quis fazer em mim. Eu não diria para o meu paciente que operar seria antecipar o inevitável. Eu operaria.

Mas o seu filho roubou o seu sonho...

Eu poderia ter ficado rico, se fosse médico. Poderia ter tido um carro importado. Poderia ter tido uma casa grande, na praia. Poderia ter tido duas casas. Poderia ter transado com duas mulheres ao mesmo tempo. Deve ser ótima esta experiência.

Quem me garante que você não a teve.

Eu. Não tenho por que mentir agora. Posso até não ter sido um bom marido, mas fui fiel.

Caso sirva de conforto, você foi sim um bom marido. Pelo menos até agora.

Ao invés de virar médico fui trabalhar na oficina do seu pai. Sonhava com assepsias, e terminei sujo de graxa.

Desculpe por mais essa desilusão. Não era minha intenção implodir os seus sonhos.

Escute. Quem fala sou eu, você só escuta.

Diga.

Não estou reclamando da oportunidade que o seu pai me deu, mesmo sem eu entender nada de mecânica. Precisávamos do dinheiro, seu pai foi generoso no salário que me ofereceu. Os outros mecânicos, melhores e mais experientes do que eu, não ganhavam o que eu ganhava.

Mas você aprendeu tudo rápido.

Eu sei, mas eu acreditava que aquilo seria temporário. Ainda alimentava o sonho de ser médico.

Mas meu pai morreu.

Pois é... Acabei herdando a oficina. E a comodidade de um bom negócio estabelecido demoveu de vez meus sonhos juvenis. Pelo menos não precisei mais me sujar de graxa e, convenhamos, me saí muito bem gerindo a oficina.

Sim, e sempre elogiei você por isso. Meu pai adorava aquela oficina, mas nunca imaginou que ela pudesse virar um negócio tão grande. Nunca imaginou que um dia teria três filiais.

Eu sei. O negócio prosperou, meu sonho não.

Mas nossa vida não teve desconforto, apesar do aperto inicial, quando tínhamos que aprender a ser casal. Casal com filho.

Sim, não nos faltou nada, nem ao nosso filho. Mas ser dono não é tão fácil como pressupõem os filiados aos partidos comunistas. O empregado tem direito a férias, descanso remunerado, licença paternidade, patrão não. Se fosse médico poderia ter conhecido a Europa. Sempre quis ir à Espanha, mas o trabalho era tanto, que nunca foi possível.

Desculpe por termos viajado pouco.

Não se desculpe, apenas escute.

Diga.

Se fosse médico talvez tivesse comprado um barco. Sempre me imaginei espairecendo no final de semana em um veleiro, no meio do mar, tomando um drink qualquer, essas coisas de novela das oito.

Chega. Eu já estou emocionalmente bastante abalada com todo esse sofrimento. Não é só você que está de cama, toda a nossa família adoeceu junto. Não existe mais ânimo pra nada. Eu não preciso nem mereço ficar, além de abalada, magoada. Não quis estragar seus sonhos, não engravidei de propósito. Aconteceu.

Escute.

Diga.

Você não imagina como eu fiquei eufórico quando vi meu nome na lista dos aprovados para medicina, era como se toda a felicidade do mundo naquele momento estivesse concentrada dentro de mim. Não chore, por favor.

Desculpe.

Não se desculpe, apenas escute.

Diga.

Nas primeiras semanas, imaginava que nunca mais sentiria algo parecido com aquela felicidade. Mas um dia, no segundo ou terceiro pré-natal, eu fui com você.

Você chorou quando ouviu o coraçãozinho acelerado do nosso bebê.

Naquela hora, quando eu vi aquele grãozinho de arroz na tela do aparelho de ultrassom, quando eu ouvi o coraçãozinho do nosso bebê, você não imagina o que eu senti. A felicidade pela aprovação no vestibular se tornou tão pequena, tão insignificante, tão minúscula. Nada podia ser maior do que aquele grãozinho de arroz. Foi depois daquele dia que eu resolvi que seria um bom mecânico. Foi a partir daquele dia que eu passei a aprender tudo rápido. Grudei nos mecânicos mais velhos, fazia anotações, perguntava, perguntava, perguntava, fiquei realmente bom. Talvez tenha me tornado até o melhor deles. Não chore, por favor.

Desculpe.

A partir daquele coraçãozinho disparado, foi como se eu finalmente tivesse nascido. Nem se eu tivesse duas, três casas, quatro carros importados, um barco, um iate, um navio, nada seria comparável aquele coraçãozinho. Exceto o dia em que ele nasceu, umas semanas depois da morte do seu pai. Quando sua família decidiu que eu tocaria a oficina, enfiei na cabeça que faria daquela a melhor oficina da cidade, eu trabalharia noite e dia, final de semana, não teria férias, faria o que fosse preciso, mas nunca faltaria nada para o nosso filho. Nem para ele, nem para você. Eu fiz de tudo para que o nosso filho tivesse orgulho do pai dele, da família dele. Não chore, por favor.

Desculpe.

Nosso filho não roubou o meu sonho, ele o realizou. Eu não teria sido médico tão bom quanto ele é. Eu teria operado o meu paciente. Eu teria matado o meu paciente e roubado dele a chance de agradecer a sua família por tudo. Nosso filho me deu essa oportunidade. Não chore, por favor.

Desculpe.

Aquele dia em que você me disse que estava grávida, eu ia te deixar. Ia te deixar para me tornar um médico rico. Eu não te amava, naquele dia. Mas te amei em todos os outros. Que bom que você engravidou. Que generosa a vida foi comigo com toda essa fortuna que você me deu a cada dia em que pude acordar do seu lado.

Eu também te amo.

Muito obrigado. Agora eu sigo para a parte do “descanse em paz”. A partir de amanhã, você também descansa. Descanse e fique bem.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Politicando: O circo eleitoral!


Eu não sei definir ao certo o meu sentimento em relação as eleições que se aproximam, estou num misto de desesperança e estupefação com o que se apresenta. Embora no meio de tudo o que tenha visto até agora, consiga enxergar algumas boas pessoas, não há um processo eleitoral sério.

Tenho acompanhado o horário político na televisão, e estou chocado com a ausência de propostas. O que existe é uma fórmula muito pasteurizada de tentar causar comoção popular. Mais do que um embate de propostas de governo, as campanhas eleitorais se transformaram numa guerra de marqueteiros. Os programas são coreografados, encenados, é tudo muito superficial e parecido.

Todos os candidatos vêm de famílias humildes, todos são ótimos pais e mães de família, todos foram militantes anti-ditadura, todos tiveram seus probleminhas com a polícia na sua juventude revolucionária e transformadora.

Além do apego sentimentalóide à família, a palavra do momento é: “carinho”. Todos querem se eleger por que se preocupam com as pessoas, por que governam e/ou vão governar com carinho.

EU NÃO QUERO CAFUNÉ, EU QUERO ALGUÉM QUE RESOLVA O QUE PRECISA SER RESOLVIDO!

Ninguém tem coragem de atacar o Lula, sua popularidade é altíssima. Mas em função disso, fica um joguinho morno, um tentando provar que é mais querido do que o outro. Querem ser eleitos pela sua simpatia, não pela sua capacidade de gestão.

O Serra é lindo! Deixou de ser José e virou o Zé Serra, tirou a gravata para tomar café com pessoas pobres que supostamente ajudou a operar as cataratas. Sempre que almoça ele come um pão, para passar no molho que ficar no prato ao fim da refeição, tudo muito simples e cativante. Virou um homem do povo, “quando Lula da Silva sair, é o Zé que eu quero lá”, diz o jingle.

A Marina é bem intencionada e talvez seja a única com um mote principal que orienta a campanha: o meio ambiente. Mas quase fico com pena dela na possibilidade de ser eleita, pois não terá apoio nenhum nem do congresso nem do senado. E a justa causa que ela defende não interessa aos demais partidos políticos e seus patrocinadores.

A Dilma teve a transformação mais radical de todas, mas acho inconcebível a possibilidade de votar nela. Ela foi fabricada há um ano para a presidência, basta pegar uma foto dela há doze meses e uma de agora. Ensinaram-na a se vestir, a se pentear, a falar, a parecer querida e simpática. Ela não é simpática, mas está simpática. Ela está linda com seu botox e seu penteado Hebe Camargo. Mas é pouco para assumir a presidência. Se ela não tiver um texto nas mãos, não consegue sustentar seus pretensos argumentos por poucos minutos que seja.

A clínica estética do PT atende também em Santa Catarina. A senadora Ideli Salvatti está uma gata! Ela que era uma mulata de cabelos crespos, tá praticamente a Beyonce da ilha da magia, com seus cabelos lisos de mexas louras.

Falando nela, eu me sinto agredido com a campanha desta senhora e do seu partido. Eles confiam tanto na popularidade do Lula, que não se deram ao trabalho de propor nada, de apresentar o que quer que seja, apenas usam bordões do tipo: “para continuar o trabalho de Lula no nosso estado, vote Ideli.”

Sra. Ideli, fale a verdade, a senhora está debochando da minha cara. Fazer um programa eleitoral na televisão imitando o programa da Ana Maria Braga, com direito a Louro José e tudo, é tripudiar da minha inteligência, da seriedade que se deveria ter num evento importante como são as eleições. Eu não sou fantoche, não mande um falar comigo. E pior, um fantoche para falar o que o Lula já fez. Eu sei o que ele fez, e admiro boa parte das suas ações enquanto presidente, mas não vejo nos possíveis sucessores pessoas capazes de dar continuidade a esse processo de desenvolvimento social e econômico pelo qual o Brasil vem passando aos trancos e barrancos, nos últimos dezesseis anos.

O nosso governador Luís Henrique da Silveira e seu fiel escudeiro Paulo Bauer, têm a indecência de divulgar um indicativo que aponta a educação do estado de Santa Catarina como a melhor do Brasil.

Vou lhes contar um fato, sem revelar nomes, pois trata-se de um menor que não tem por que ser exposto. Mas afirmo, isso realmente aconteceu, não foi algo que eu ouvi dizer, isso eu presenciei, foi com alguém muito próximo a mim.

Um menino de treze anos não quer nada com nada na vida, vagabundo como são boa parte dos meninos na sua idade. Mata aulas para jogar bola, não estuda, não presta atenção em sala, resultado: recuperação no fim do ano. Eis que, além de não ter ido às aulas quando deveria, não foi também às provas de recuperação. Aí você me diz: “então ele repetiu de ano, certo?”

ERRADO!

A professora chamou a mãe do menino, fez um discurso muito vazio dizendo que ele tinha potencial, que poderia considerar as notas das provas em que ele foi bem para substituir a nota da prova que ele não fez e uma balela do caramba. A mãe QUERIA que o filho reprovasse, a professora não deixou. A escola tinha metas de aprovação de alunos a serem cumpridas, a que custo, pouco importa. Detalhe, isso não aconteceu num coleginho pequeno de um bairro afastado, isso aconteceu no Instituto Estadual de Educação, maior colégio estadual de Santa Catarina.

Que educação é essa, Sr. Ex-governador? Será que ele não poderia reprovar por que isso afetaria os índices de desempenho da sua educação modelo?

Educação de qualidade vai muito além da doação de uniformes padronizados no início do ano letivo. Não sei se o senhor sabe, mas tem alguma relação com o processo de ensino-aprendizagem também.

O Brasil não precisa de alunos aprovados, precisa de alunos que tenham aprendido o que lhes foi ensinado. Mas talvez, se essas pessoas saírem da escola tendo aprendido algo, eles não venham a ser seus eleitores, não é mesmo?

Não sei se a educação dos outros estados é tão ruim, a ponto de a de Santa Catarina ser considerada a melhor, mas com certeza, boa, a nossa não é.

Não aceito votar nulo, tampouco em branco, mas estou realmente preocupado. É a primeira vez que tenho tanta dificuldade para escolher alguém que ache digno de me representar no poder legislativo e executivo.

Por que quando voto, penso sim de modo muito sério que aquela pessoa é quem vai me representar, logo, deverá defender os meus interesses, as coisas nas quais acredito serem as melhores para o local onde vivo, e para as pessoas deste local, assim como quando passo uma procuração à um advogado para que ele me defenda.

Mas é aí que começa a palhaçada toda. Um advogado que venha a me representar, estudou para isso, está interado das leis, dos trâmites, dos caminhos mais adequados, dentro dos parâmetros éticos e legais, para fazer com que as coisas aconteçam.

Um candidato não.

Recebi por email uma relação de alguns candidatos, suas fichas de inscrição no TSE, contendo nome, profissão, filiação partidária, orçamento a ser destinado para a campanha e escolaridade.

Eis alguns dos candidatos:

Popó, Marcelinho Carioca, Vampeta, Maguila, Romário, Danrlei, Gaúcho da Fronteira, Kiko (KLB), Leandro (KLB), Netinho, Sérgio Reis, Tati Quebra-barraco,Ronaldo Ésper, Dedé, Sérgio Reis, Tiririca, Batoré, Mulher Pêra, Mulher Melão.

Preparo, estudo, experiência nada disso é necessário. Não é necessário sequer interesse na causa pública.

O único pré-requisito é que se tenha um orçamento razoável para financiar a própria campanha, e ajudar a financiar as demais campanhas do partido a que se filiar.

E tem uma vantagem, diferente do meu trabalho, e provavelmente do seu, onde eu entro as 07:30 e saio as 18:00 de segunda a sexta, faça chuva ou faça sol, e caso não vá trabalhar terei o meu salário merecidamente descontado, lá em Brasília ninguém é obrigado a comparecer ao trabalho para ter a garantia do recebimento de todas as suas verbas remuneratórias, suas e do seu gabinete apinhado de encostados.

Administração não é brincadeira. Eu sou administrador, e por viver isso diariamente, por trabalhar com gestão, sei que não é brincadeira. É coisa muito séria, requer preparo, conhecimento, estudo, dedicação, capacidade de liderança, mais do que resolver problemas, é necessário saber reconhecê-los para poder antecipar-se a eles e, mais do que tudo, comprometimento.

Quando vejo um palhaço dizendo: “Vote Tiririca, pior que tá não fica”, tenho vontade de comprar uma passagem para a Noruega e nunca mais voltar.

Dos artistas-esportistas-candidatos que citei acima, a maior parte deles tinha ensino fundamental incompleto. Maguila e Mulher Pêra preencheram na sua escolaridade que apenas leem e escrevem, sequer cursaram a escola.

Agora, por favor, me expliquem como uma pessoa que apenas lê e escreve vai ter capacidade de elaborar uma lei, de redigir uma lei, de analisar a proposta de lei de algum outro deputado? Lei é coisa muito séria, não pode ser tratada com tamanha leviandade!

Na minha faculdade, uma faculdade muito bem conceituada cheia de pessoas ricas e influentes (eu não sou uma delas, infelizmente), eu percebia a imensa dificuldade de boa parte dos alunos em interpretar textos simples. Agora imagine uma pessoa que tem apenas o ensino fundamental incompleto.

Quando que o Vampeta teve alguma preocupação com a causa social? Foi, durante alguns anos, um excelente volante, mas até então jamais tinha percebido nele algum interesse social genuíno além de cerveja, carros importados, festas e loiras gostosas.

Para qualquer concurso público, independente da complexidade do cargo, exige-se uma escolaridade mínima, para ser deputado federal não.

Não acredito que muita coisa vá mudar, enquanto forem permitidas candidaturas como estas. Isso devia ser proibido por lei! Deveria haver uma prova de avaliação do candidato para saber se ele realmente tem capacidade para tornar-se um legislador. Se eu, você, qualquer um de nós, formos concorrer a uma vaga de emprego, seja ela qual for, passaremos por uma grande triagem. Entrevistas, dinâmicas de grupo, testes psicológicos e práticos, enfim, toda uma gama de avaliação que eu acho justa e extremamente coerente. Contratar a pessoa errada é caro, perde-se o bem mais valioso de todos, o tempo. Por isso estes processos são tão importantes.

Estou cansado de perder o meu tempo com os maus candidatos que são eleitos, mas isso inicia num processo de triagem muito esdrúxulo, que não requer nada dos candidatos à vaga oferecida, apenas dinheiro e alguma popularidade.

Brasil, por favor, me respeite.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Antes só


Afinidade nenhuma havia, disso sabiam os dois, mas ela era linda, charmosa como nenhuma outra mulher parecera a ele até então. Inteligente, senso de humor impecável, sensível, delicada, chamava atenção sem ter nisso um objetivo, cativava aos outros com a naturalidade com que se respira, e tudo isso era tão forte que ele a quis para si. Talvez não por ter sido tocado pelo dedo intrometido do amor, mas por que ela seria um troféu lindo para exibir em sua estante empoeirada.

Afinidade nenhuma havia, disso sabiam os dois, mas ele oferecia uma ruptura tão grande na vida que até então vivera, uma quebra de página naquela história que vinha numa inequívoca simetria, com cada peça no seu devido lugar, enredo sem vilões, sem dores, céu de brigadeiro, mar de cruzeiro, tudo meticulosamente organizado, em ordem, que entre garrafas de smirnoff ice e um lenço umedecido em lança-perfume, deixou-se convencer de que aquela seria uma aventura necessária.

Ele baixinho, ela não gostava de homens baixinhos.

Ele um tanto grosseiro, ela primava pela cortesia.

Ele sem a menor preocupação em disfarçar a violência da sua índole, ela tão sensível, tão delicada.

Mas deixou-se convencer de que aquela seria uma aventura necessária.

Tudo por que seu amor anterior, de tão cartesianamente adequado, dizia que aquela hora, não era a hora certa de terem um filho.

Ela queria um filho.

O outro, o baixinho grosseiro e violento, também queria um filho.

E para romper a previsibilidade do amor anterior, já desgastado, deixou-se envolver.

E assim os meses escorreram pelos vãos da vida de ambos, agora juntas. Alguma diversão, incontáveis desentendimentos, e a agressividade dele, que em determinadas circunstâncias até era capaz de oferecer algum prazer, na maior parte das vezes fazia-se de oleiro, transformando o barro do afeto num vaso de medo.

O amor não gosta disso, ele sabe que nas inúmeras cores das quais é composto, nenhuma delas têm o acinzentado do medo. Pode ter uma tarde nublada, chuvosa, mas apenas para que se veja filmes entre abraços embaixo da coberta, mas não o cinza sujo do medo. Mas foi essa tonalidade de cinza que estampou o papel de parede da casa edificada para a morada da aventura de ambos, que agora tentava fingir ser vida a dois.

A aventura virou beijo, o beijo virou sexo, o sexo virou cinza, o cinza virou medo, o medo fez um filho.


O menino nasceu tão lindo, que parecia ter sido um milagre da auto-fecundação. Tudo nele lembrava exclusivamente a beleza pura e delicada da qual ela era feita.

O filho tornara-se para ela a razão pela qual até então vivera. Ele era feito de um verde sutil, o verde da esperança, e dessa cor o amor tem muita. E embora fosse tão sutil o verde, tinha relevância suficiente para encobrir o cinza do medo que empesteava o ar que respiravam naquela relação danosa à ela.

Se ela era o troféu dele, o filho tornara-se a medalha. A prova indubitável de que ela era dele. Um bem do qual tinha a posse intransferível.

Por crer que para o bem da criança o ideal seria uma vida com pai e mãe juntos, ainda que a relação de ambos fosse tão doente, aceitou a condição de posse e submeteu-se ao desamor.

Em diversas circunstâncias cansou, estava esgotada de tamanho desrespeito, sabia que se não recebia carinho, pelo menos respeito merecia. Mas não o tinha.

Ela, que sempre fora tão segura e independente, passou a fazer vista grossa para as traições e toda sorte de baixezas que ele oferecia em troca da sua compreensão submissa.

Em uma ou duas oportunidades ela superou o medo das ameaças diárias que sofria, e desabafou com sua família que desta vez daria um basta, agora se separaria em definitivo. Mas a família, bastante religiosa e temente do castigo que ela poderia sofrer caso descumprisse o juramento feito diante do altar de deus, aconselhavam-na a deixar isso pra lá. A família que ela agora tinha constituído com aquele homem de caráter abalroado, valia o preço caro da frustração pessoal. Lembravam-na que Abraão, homem admirável, aceitou sacrificar o próprio filho para atender aos caprichos daquele deus egoísta que adoravam. Resignar-se à uma vida diminuta, sob ameaças constantes, para manter firme o juramento que fizera e manter erigida aquilo que os conceitos deturpados dos seus parentes acreditavam ser família, era sacrifício pouco, mediante o que fizera Abraão, homem admirável.

E, assim, voltou para a masmorra daquele casamento tirano, confortando seu infortúnio na beleza inigualável do sorriso amoroso de seu filho.

Um dia, no carnaval, se não me falha a memória, ele a deixou em casa com o pequeno e, vestido de mulher, saiu com seus amigos de valor igual ou menor que o dele, para esbaldarem-se num mar de indignidade promíscua.

A lua já mostrava-se cansada da sua labuta, e dava sinais de que preparava-se para finalizar seu turno e entregar o trabalho de vigia do mundo para o sol, e ele, o marido cinza, ainda não voltara para ter o privilégio de ver seu filho lindo dormindo, beijar-lhe a testa e desejar que seus sonhos fossem tão doces quanto suas mãozinhas encolhidas no berço.

Ela ficou sinceramente preocupada com o bem estar do marido cinza. Pegou o carro e foi buscá-lo entre as ruas, ver se algo de ruim havia lhe acontecido, se precisava de ajuda. E no trânsito arrastado das folias de fevereiro, ela o viu. Ele não percebeu que aquele era o carro dela, mas ela o viu. Por não perceber, ele agarrou-se com uma qualquer, empurrou-a contra o carro da esposa preocupada e, na frente do seu troféu, tentava a força o beijo de uma boca que não valia muito mais do que ele.

Ela saiu do carro e disse, Chega, vamos embora, teu filho te espera. Ele revoltou-se, quem ela pensava que era para lhe dar ordens. Mandou-a voltar para casa imediatamente, ela não mandava nele. Ele sim, mandava nela. Ela era o troféu, ele o atleta vencedor.

Ela foi.

Quando ele enfim chegou em casa, fedendo menos das orgias do que do odor da putrefação da sua conduta diária, deixou de ameaças e partiu para a agressão de fato, física.

Quem nunca passou, não sabe, mas esse tipo de agressão é superficial na carne, mas dilacerante na alma, faz sangrar o amor próprio.

Desta vez não houve consulta à família, apenas aquilo que sabia que seria melhor para o seu filho lindo. Pegou o menino nos braços e partiu.

Nunca mais voltou.

E depois das incertezas iniciais que aquela nova realidade apresentava a ela, percebeu que, por incrível que pareça, havia sim beleza no mundo. E nada mais ao seu redor lembrava o cinza frio do medo. As cores ainda eram discretas, mas eram ternas, frescas e apaziguadoras. Ofereciam uma paz tão plena que ela perguntava-se se alguma vez já havia sentido algo parecido.

Com seu filho junto de si, ela não sentia falta de alguém ao seu lado, apaixonar-se não era pré-requisito para sentir-se feliz.

Sabia que se um dia voltasse a querer a paixão e o amor, talvez até soubesse onde procurar, mas não por enquanto. Não por um bom tempo.

E assim, ela e seu filho, os dois apenas e ninguém mais, viveram felizes para sempre.

E ele?

O marido cinza?

Bem, ele que se foda!

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Virgem


Onde você tá indo?

Embora.

Como assim, “embora”?

Como assim, “como assim”? Tô indo embora. Já consegui o que queria, agora me visto, pego minhas coisas, relógio, carteira, saio por aquela porta lá da sala e vou embora, entendeu? Embora, entendeu? Tchau, entendeu?

Mas você disse que ia dormir aqui...

Tá maluca? Eu tenho rinite, se ficar mais um segundo aqui vou começar a espirrar, e pela quantidade de pelos que esse teu gato solta, só paro quando expelir meu pulmão pelas narinas. Sem chance, tô indo embora.

Você disse que gostava de gato...

Minha querida, não acredite em tudo o que falam pra você. Tenho a seguinte filosofia, cachorro bom é cachorro quente, gato bom é aquele que vendem na porta dos estádios, no espetinho.

Mas você disse que quando me conheceu foi seu dia de sorte, por causa das afinidades.

Afinidade nenhuma, mas valeu a pena. Preste atenção, minha querida, de fato quando te conheci foi o meu dia de sorte, mas não necessariamente tenha sido o seu. Olhe para o seu gato. Gato preto dá azar, sabia não?

Não, você só pode estar brincando, é esse seu senso de humor afiado, fala a verdade.

Minha querida, adoraria continuar essa nossa conversa, mas ela não vai levar a lugar nenhum, agora eu tenho que ir se não minha esposa tira o jantar da mesa.

O quê? Esposa?

Sim, sim, sim, esposa! Sou casado há doze anos, tenho duas filhas lindas que devem estar me esperando para ajudá-las a fazer a lição de casa. Se você soubesse como sou bom pai ia até querer ter um filho comigo.

Por alguns minutos eu até pensei nisso!

Eu imagino.

Fala sério, você não pode estar falando sério... Desde o primeiro dia foi tudo tão perfeito, não pode ser mentira.

Ah, minha querida, já dizia aquele vídeo engraçadinho da internet, “a vida, essa sim é uma caixinha de surpresas”.

Você acertou o meu signo!

Chute. Você disse setembro, eu chutei virgem, chutei certo. Sou bom no chute, é uma habilidade inata, fazer o quê?

Mas você sabia tudo do meu signo!

Preste atenção, aprenda enquanto eu estou vivo, pois qualquer hora um marido corno ainda me enfia uma bala na testa. A cantada mais velha do mundo é a do signo. Você pergunta o signo, a menina te diz, não importa o signo, você vai dizer assim, “Não! Você é de virgem? Não acredito! Peraí, vou dizer algumas coisas sobre você, você me diz se eu estou errado. Você é muito sensível. O que você mais preza numa pessoa é a sinceridade. Você confia demais nas pessoas, e por isso às vezes quebra a cara. As pessoas abusam da sua boa vontade, você está sempre pronta para ajudar os seus amigos, mas quando você precisa, eles nem sempre estão a sua disposição. Você é muito sensível, você chorou quando o Sam, depois de morto, encontrou a Molly em Ghost, levantando a moedinha pela porta. Você se doa completamente àquilo que acredita que seja o certo a ser feito. Você é verdadeira, se entrega completamente quando está apaixonada, e por isso vez ou outra quebra a cara, acertei?”

Acertou...

CLARO QUE EU ACERTEI! Não importa o signo, essa cantada é velha! Pode dizer isso para qualquer signo, é 100% de acerto!

Mas você me encontrou tantas vezes antes de virmos pra cá...

Minha querida, se olhe no espelho, você vale a pena. Você vale muito a pena! Você é linda, gostosa, meu Deus, como você é gostosa!

Mas foi tudo tão bom, a nossa química, o jeito como você fez as coisas, carinhoso na hora certa, agressivo na hora certa.

Experiência, minha querida, experiência. É a vantagem de se ter alguns cabelos grisalhos. O tempo nos ensina determinados atalhos que os rapazes da sua idade não conhecem.

Eu comprei vinho por sua causa...

Não, minha querida, você comprou vinho por SUA causa. Eu nem gosto tanto assim de vinho, eu gosto é de cerveja.

Mas você disse que gostava de vinho.

Claro que eu disse. Mulheres adoram homens que gostam de vinho. Mas eu gosto é de cerveja. Vinho é um negócio meio afrescalhado demais. Até gosto, mas porra, você me compra um Carmenere de R$16,90. Porra, vinha fraco, vinho de menina, vinho sem gosto. Se é para compra vinho barato que pelo menos fosse um Cabernet Souvignon, que mesmo barato vai ter algum sabor. Mas um Carmenere de R$16,90, francamente...

Não acredito que foi tudo mentira...

Vou te ensinar outra coisa, minha querida, mas prometa que não vá contar pra ninguém. Eu te disse, eu sou de libra. Nunca confie num libriano. Olhe o desenhinho do meu signo, uma balança, hora pende pra cá, hora pende pra lá, nunca confie num homem de libra. Nós sabemos ser encantadores, só não sabemos escolher, e na dúvida, ficamos com o certo. Exatamente por isso estou indo embora, tenho que voltar para a minha casa agora.

Mas foi tudo tão perfeito, tão lindo, tão romântico.

Eu sei, eu sei. Minha querida, é como diz aquela bela canção-poema, “Tudo o que eu fiz foi lindo, mas foi só pra te comer!”

Eu não tô acreditando...

Eu sei que não, mas é verdade. Fica assim não, minha querida, fica assim não. Olha só, foi ótimo, adorei, gostei mesmo. Gostei tanto que se você quiser a gente pode até repetir. Vou adorar. Só não crie muita expectativa. Garanto que posso te dar muita diversão, alguns orgasmos bem legais, mas só isso.

Seu filho da puta!

Você fica linda chorando. Sexy, até. Tô quase ficando mais um pouquinho.

SAI DAQUI, SEU FILHO DA PUTA.

Tudo bem, já tá mesmo na minha hora. Mas se você quiser repetir, quarta que vem vou estar lá, naquele mesmo café.

SAI DAQUI AGORA! SAI, SEU FILHO DA PUTA!

Até semana que vem, meu bem.

FILHO DA PUTA, FILHO DA PUTA, FILHO DA PUTA!

Também adorei.

SAI! SOME DA MINHA FRENTE!

Beijo, minha virginiana linda.

SAI, FILHO DA PUTA!

Beijo, minha querida, beijo bem gostoso.

FILHO DA PUTA!

Beijo, tchau, até semana que vem.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Macha X Fêmeo


Há que se respeitar as finalidades para as quais as coisas foram feitas. Homem é homem, mulher é mulher.

Homem pode até gostar de homem, assim como mulher pode gostar de mulher, mas isso não os transmuta no sexo oposto.

Mas este texto não objetiva falar de homossexuais, e sim de heterossexuais travestidos no sexo oposto sob a máscara da modernidade, do cool.

De uns tempos pra cá, aconteceu uma obsessão doentia pelo corpo sem gorduras, sem aquela barriguinha, a luta pelo fim das celulites e estrias, mulheres saradas, homens sarados, uma obstinação pelo corpo perfeito que acabou por afastar das mulheres, aquilo que de mais bonito elas sempre tiveram: a feminilidade.

Fico assustado com boa parte das mulheres que hoje são tidas como símbolos sexuais, ou modelos de beleza. Não consigo compreender como um homem pode se sentir atraído por qualquer das mulheres frutas. Peito, bunda, coxa, tudo isso é muito bom, mas com moderação.

Há uns anos atrás a ex-Feiticeira, atual evangélica mulher comportada mãe de família, deu origem à um novo padrão de beleza, onde as mulheres passam mais tempo na academia do que em casa, escola, praia, cinema, trabalho, enfim, a academia é o seu objetivo de vida. Consequentemente, cada vez mais o corpo feminino começou a parecer com o de um homem. Muitas das coxas femininas que hoje tornaram-se objeto de desejo, são mais largas que o meu tronco. Isso dá medo!

Pescoços largos, bíceps talhados, barriga absurdamente definida, até a voz está engrossando, isso não está certo!

Que mal pode haver em uma celulitezinha aqui, uma gordurinha a mais ali? Isso tem seu charme, o seu valor. Que revolucionem os padrões de beleza, mas dificilmente acharei algo mais atraente do que inteligência, bom humor e um pouquinho de sacanagem.

Do mesmo modo, está acontecendo entre os homens uma revolução abichalhada sem precedentes. Uma coisa é você se cuidar, outra é um camarada gastar quarenta minutos para arrumar o cabelo, isso depois de ter passado a tarde na depilação.

Dia desses, no meu intervalo para o almoço, assisti uma reportagem do Jornal do Almoço feita no colégio Elisa Andreoli, colégio que tive o prazer de estudar e conhecer uns três amores eternos que acabaram em questão de meses, que tratava exatamente da vaidade precoce dos meninos. Garotos de quatorze, quinze anos, dizendo no jornal de maior audiência em Santa Catarina, que gastam quarenta minutos para lavar o cabelo, secar, fazer chapinha, passar cera para, enfim, despenteá-lo dentro de uma simetria deformada que só as meninas do Donde Estás Corazon são capazes de explicar.

ISSO TÁ ERRADO! TÁ MUITO ERRADO!

Quem perde tempo com isso, é menina!

HOMEM NÃO USA CHAPINHA, MEU CHAPA! (trocadilhozinho infame, mas tá valendo.)

Se um moleque dissesse isso no tempo em que eu estudei lá, um pouco antes da invenção da luz elétrica, o camarada tava fodido! Seria chacoteado até o último dia da sua infeliz encarnação!

Nessa idade, o mais comum é o moleque raspar a cabeça para não precisar se estressar em ter que lavar o cabelo. Caso não raspe a cabeça, o que menos vai tomar tempo na vida do pivete vai ser o cuidado com suas madeixas. Vai lavar o cabelo com o shampoo que tiver no banheiro, e se não tiver shampoo, foda-se, lava com sabonete, com sabão de côco, o que estiver à mão. Depois, quando o moleque crescer e virar um homem, e se preocupar em impressionar as meninas e, por ventura, o shampoo de sua casa tiver acabado, foda-se também, vai no sabonete do mesmo jeito, e vida que segue!

A lamentação mais comum que eu escuto das mulheres com quem convivo, é: “Tá faltando homem no mundo.” E pior que o cenário é realmente preocupante! (para elas, claro.)

1 – Nascem muito mais meninas do que meninos. (isso é dado estatístico);

2 – Ser gay tá na moda. (tem muito cara que até gosta de mulher, mas anda dando a bunda para não se sentir deslocado da turma);

3 – Aqueles que deveriam ser os homens que honrariam a raça masculina, estão ocupados demais fazendo hidratação e/ou atrás de algum mago das tesouras que consiga dar um fim às suas pontas duplas.

E é neste ponto que eu retorno ao início do texto, as mulheres estão se masculinizando com seus corpos deformados pelos pesos das academias, e os homens estão se feminilizando ao passar horas em salões de beleza, hair stylist, manicure e o caralho a quatro.

E não me venham com essa de metrossexual!

Não existe homem metrossexual!

Metrossexual é bicha, e não se fala mais nisso!

(vide Ricky Martin. E você, prezada leitora querida, não crie muitas expectativas a respeito do Cristiano Ronaldo, essa aposta é barbada!)

Consigo visualizar o dia em que duas amigas se encontrarão, e terão um diálogo muito parecido com o que segue:

_Ai, amiga, conheci um cara que você não vai acreditar!

_Sério? Onde você o conheceu?

_Ah, eu fui levar o carro para trocar o óleo – o Paulinho disse que não podia ir, pois teria uma sessão de drenagem linfática – e o cara estava no posto. Logo que o vi achei que fosse uma miragem, de tão maravilhoso!

_Me conta, me conta!

_Ele estava lá, apoiado no balcão da loja de conveniências, camisa aberta, peito cabeludo...

_JURA??? CABELUDO, CABELUDO MESMO???

_Cabeludo e suado! Nossa, não sei nem explicar, mas era lindo!

_E a barriguinha?

_Perfeita! Dessas que só tem quem toma cerveja umas quatro ou cinco vezes por semana! Bem redondinha, linda, linda!

_Ai, amiga, que delícia! E aí?

_ Aí ele me viu, veio caminhando devagar, palito de dentes no canto da boca, garrafa de Caracu em uma das mãos, parou do meu lado, coçou o saco, e falou me dando uma olhada de cima abaixo: “A princesa tá precisando de uma ajudinha para dar uma calibrada nos pneus?”

_Ai, guria, tô toda arrepiada só de imaginar, conta mais, conta mais!

_Eu sorri meio sem jeito, ele deu uma cusparada para o outro lado, e se apresentou: “Adalberto Romoaldo, seu criado”. Menina, eu quase desmaiei...

_Ai, e tu?

_Eu pensei na hora, “vou fugir com esse cara para onde ele quiser, vou ser a escrava dele, tomara que ele me bata, tomara que ele assista futebol enquanto me obriga a ficar limpando a casa, tomara que ele não me deixe trabalhar fora, tomara que ele não me deixe usar mini-saias, tomara que ele me deixe presa em casa, saia pra gandaia e só volte de manhã cedo, com marcas de batom e fedendo a perfume barato, PRECISO DESSE HOMEM PRA MIM!”

_E AÍ? E AÍ? ME CONTA, NÃO AGUENTO MAIS, O QUE ACONTECEU???

_Aí o Paulinho começou a gritar desesperado por que não estava encontrando o seu sabonete de pétalas de rosa, raspas de pêssego e iogurte desidratado para esfoliação facial, e eu acordei do meu sonho...

_Ai, amiga, quase acreditei que era verdade, ô vida desgraçada essa das mulheres...

_Nem me fale, nem me fale...

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Narciso


Eu queria tanto encontrar uma pessoa como eu.

Pare de chorar, por favor. Isso te deprime.

Não, você entendeu errado. Você sempre entende tudo errado. Burra!

Isso não ME deprime, isso TE deprime.

Não acho que exista algo de tristeza suficientemente relevante a ponto de me deprimir. Mas deve ser duro para você, para todos, na verdade, terem que se relacionar com esse mundo que expõe o tempo inteiro as insuficiências recíprocas das quais vocês são feitos.

Eu queria tanto encontrar uma pessoa como eu.

Mas, como dizem, um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Um raio da minha qualidade, então...

Vou tentar te explicar, embora já saiba de antemão que você não terá capacidade para entender.

Lembro perfeitamente, lembro como se fosse hoje, o dia em que minha mãe, mulher imperfeita cujo provável único acerto na vida tenha sido me parir, me explicou a história do meu nome, Narciso. Justa a auto-veneração que o Narciso histórico tinha por si, mas com um desfecho indigno da sua grandeza. Mas com certeza, com a minha certeza – que convenhamos, é a única certa – só teve aquele desfecho, pois a história foi escrita por um dos seus, um ser-humaninho qualquer que vai nascer, crescer, morrer e, ainda que componha uma música bonita, descubra a cura para o câncer ou aids, desvende os mistérios do DNA, tenha um Nobel pendurado no pescoço, vá para o Big Brother, morra crucificado numa cruz, pise em marte, pise na puta que lhe pariu, ainda assim, continuará a ser um ser-humaninho qualquer.

Eu não, eu estou acima disso. Mas não vou pedir para você entender, sua compreensão não alcança tão longe.

Foi no meu aniversário de quatro anos, quando ela me contou o significado do meu nome, Narciso, que eu tive a mais plena consciência de que era o nome mais apropriado para ser batizado. Tudo bem, dois acertos para a conta da minha mãe, me parir e escolher meu nome. Esses dois feitos já são motivos mais do que suficientes para que ela mereça apodrecer sua alma no reino dos céus, com anjinhos e arcanjos tocando harpa para sempre nos seus ouvidos, uma eternidade atrás da outra.

Ela me pariu, ela merece.

Não digo que ela tenha me feito, obviamente não somos feitos do mesmo tipo de carne, de inteligência, de alma. Sou melhor do que ela, ela não tem culpa disso, é apenas um fato irrefutável. Mas ela me pariu, que tenha a porra do reino dos céus que sempre sonhou.

Quando me catequizaram e me sabatinaram com a tediosa história cristã, por um minuto pensei se não seria eu o novo Cristo, o segundo filho direto da linhagem divina. Aquele que veio ao mundo para redimir as debilidades terrenas com a minha supremacia inequívoca. Mas logo percebi que não era o novo Cristo.

Eu não seria idiota a ponto de me deixar matar por uma espécie que não vale nada. E também não nasci para ser o segundo. Algumas pessoas nascem para serem vices, segundos colocados.

Eu não.

Sou o primeiro e provavelmente o último. Sou único.

Pensei então que talvez fosse o próprio Deus encarnado, mas também logo vi que não. Fosse eu o criador, teria criado coisa bem melhor do que esse mundinho desconexo, cheio de falhas no sistema, erupções, maremotos, terremotos, nevascas, dilúvios, isso tudo são imperfeições no sistema. Eu teria acertado de primeira. E caso não acertasse, o que não aconteceria, não iria colocar no mercado algo tão mal acabado.
Não é a toa que os homens são a Sua imagem e semelhança. Imperfeitos, todos eles, Deus e os homens. Feitos da mais abobalhada imperfeição, o que não se aplica a mim.

E você sabe disso, se não soubesse, não estaria chorando tanto agora.

Isso não é um pé na bunda. Embora sua bunda seja bonita e bem gostosinha, não enfiaria o meu pé nela. Ele merece coisa melhor.

Você sabe, eu sou muito bom. Na cama, então...

Não, não, você está errada de novo.

Eu nunca broxei. Você que não estava a minha altura, não soube me apetecer.

Pensei até em te ensinar, te dar uma dicas de como me saciar, mas não quis me dar o trabalho, você nunca foi merecedora de tanta atenção. E você é burra, talvez não entendesse minhas orientações, por mais claras que fossem. Gostosinha, mas burra como uma britadeira.

Eu lhe dei a oportunidade de me provar bastante intimamente, mas você insistiu em não levar o sexo oral até o fim. Como você é burra, eu oferecendo o meu sabor, o provável melhor sabor que você experimentaria em toda a sua existência, e você recusou. Como você é burra...

Quisera eu ter elasticidade suficiente para eu mesmo me deliciar com meu sabor. Mas, mesmo sendo tão acima deste mundinho de merda, não tenho essa elasticidade toda. Seria bom por dois motivos básicos, poderia me provar no momento exato do meu jorro, e também por que ninguém melhor do que eu saberia fazer tão bem o que você faz tão mais ou menos.

Não, eu não sou bicha. Homossexuais são narcisistas que não deram certo. Adorariam se comer, mas como não podem, saem comendo pessoas do mesmo sexo para tentar chegar perto do que seria a auto-felação. Narcisitas que não deram certo, e se não deram certo, não servem para Narciso.

Eu sirvo.

Não, eu não gostaria de me comer. Come-se miojo, você e seus pares alimentam-se de miojo, fast-foods e lasanhas congeladas. Eu sou prato sofisticado, não sirvo para ser comido, eu devo ser saboreado. Seu paladar não alcançaria as nuances dos meus tantos sabores. Sou um desses pratos que para se ter todas as delícias de cada um dos sabores devidamente realçados, seria necessário o vinho exato para harmonizar com meu gosto raro. Mas não existe um vinho tão bom, a ponto de harmonizar com meu sabor fino. Vinho nenhum me alcançaria. Seu paladar nunca me alcançaria.

Entende por que você deve ir agora? E se você tiver alguma dignidade, coisa que eu não acredito, não me procure mais, não me ligue, esqueça meu email, não fique na esquina da minha casa me espionando para saber com quem eu estarei saindo, enfim, reserve-se à sua insignificância.

Você não está a minha altura.

Ninguém está.

Eu queria tanto encontrar uma pessoa como eu.

Agora que já te expliquei tudo, ou pelo menos o que me interessou te explicar, vista a sua roupa e vá embora.

E não se demore!

O que é isso?

Desde quando você anda armada?

Você vai me matar?

AI...

Sua burra, o coração é do lado esquerdo, se vai me matar, faça pelo menos isso direito.

Veja só...

Veja como é lindo o meu sangue...

Nunca tinha visto um vermelho tão intenso...

Até minha voz...

Ficando fraca...

É linda...

Obrigado...

Minha mãe acertou duas vezes...

Você, pelo menos uma...

Não vou mais precisar viver com pessoas iguais a você...

Quem sabe agora encontre uma pessoa como eu...

Mas eu duvido...

Queria tanto uma pessoa...

Como eu...

Duvido...

Eu...

...

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

As Ruas - Antonio Rossa


Há uns meses fiz um post falando sobre o EP “Nuvem”, então recém lançado, do meu querido amigo Antonio Rossa. Um texto enorme, tão grande que acredito que só ele e a menina que cantou em uma das faixas, e que na época eu disse que parecia cantora de jingle de loja de automóveis, devem ter lido inteiro.

Tentarei ser mais sucinto, o que pelo tamanho dos meus textos, você que lê com alguma freqüência estes meus rabiscos virtuais, já deve ter percebido que é uma grande dificuldade para mim.

Há pouco mais de uma semana este mesmo Antonio me mandou com alguma exclusividade sua nova canção. Mas relapso e preguiçoso que sou, fui adiando a audição do disco. Hoje, resolvi ligar o computador e ouvir “As ruas”, o tal novo single.

Para resumir, digo que é sem dúvidas a melhor música dele. Pelo menos das que eu ouvi, incluindo o EP supracitado.

Antonio tem um cuidado de confeiteiro premiado preparando a torta campeã, quando trata a produção das suas músicas. Não há na produção nada de complexo, mas é isso que a torna tão boa. O difícil na hora de manipular a arte, seja ela qual for, é saber cortar os excessos, evitando que um amontoado de efeitos e possibilidades sonoras que hoje os estúdios oferecem aos músicos, não acabe por suprimir das canções a sua essência.

Rossa foi cirúrgico no trato desta música. Poucos instrumentos, sem firulas, deixando que o que se destaque seja a música e só. Ficou bonito, muito bonito.

Jean Mafra disse na resenha que fez deste single, que o vocal de Antonio lembra o jeito de cantar de Humberto Gessinger, mas eu discordo. Acho que a letra sim, lembra bastante o modo como o gaúcho Engenheiro do Hawaii estrutura suas letras. Outra coisa que me lembrou bastante o trio/quinteto/quarteto/trio gaúcho, foi o efeito utilizado à 1:43 de bola rolando, na frase “quantos terabites?”, aquilo é muito “GLM”, disco de 1992, um ótimo disco. Até por que aquele disco tem uma bela milonga, “Pampa no walkman”, faixa 3, lado A; e “As ruas” tem uma melancolia meio milongueira, mas com um swing bem particular acrescido pela batida do violão e pela discreta, ainda que marcante, percussão. O corinho de vozes que tem no meio da música me lembrou alguma coisa de “A guerra dos meninos”, do bom e velho Robertão, apesar de uma estar em tom maior, a outra menor.

O que mais me agrada nas coisas que Antonio produz – ele também faz vídeos, fotos, textos, blogue – é o capricho. Tem muito cuidado na obra do obreiro Antonio. E o divertido nisso, é que talvez seja exatamente isso o que mais incomoda um punhado de pseudo-artistas da ilha.

Conheço muitos músicos, fiz cobertura de shows durante uns dois anos, já tive banda, e nessa jogada toda conheci muita gente. Alguns se tornaram grandes amigos, mas a grande maioria não me tem exatamente no melhor conceito. Isso por que eu não sei ser sutil, e não foram poucas as oportunidades em que eu disse que banda A. B ou C, então famosinhas, tinha feito um show de merda, com estas exatas delicadas palavras. Por causa disso, já fui taxado de músico frustrado, mas não sou. Meu objetivo como músico era aprender a tocar “Mil Perdões” e “Tarde em Itapoã”, logo, sinto-me plenamente realizado, mesmo com o lá do meu violão arrebentado. Quando crescer, não quero ser músico, quero ser escritor.

Acontece que muitos destes grandes artistas mundialmente famosos entre a roda de amigos deles, se consideram realmente excepcionais. Não são. São bons, mas nada de muito original. E pelo fato de Antonio ter se dedicado sempre muito mais a parte visual da arte, desde que ele se enveredou na música, sei que muitos destes caras têm torcido o nariz para a obra de Rossa. Dão tapinha nas costas, e por trás insinuam pequenezas a respeito do Antonio músico.

Mas isso me parece uma grande e dolorida ferida no cotovelo, pois Antonio conseguiu gravar com tal qualidade suas músicas, e elaborou com tanto esmero seus arranjos, que os tais ficaram mordidinhos, pois suas gravações não chegam nem perto dos registros de Antonio.

Não estou dizendo que a música dele seja melhor ou pior do que a de qualquer outro músico de Santa Catarina, cada uma tem sua beleza própria e são boas ou ruins por motivos distintos, mas a qualidade sonora que Antonio conseguiu, a produção das suas músicas, vejo pouca coisa parecida por estas plagas.

Enfim, mais uma vez já falei muito mais do que objetivava falar quando comecei a escrever, é que sou prolixo mesmo, tanto quanto sou destro, faz parte da minha natureza.

A música é boa, a produção é ótima!

Achei desnecessário o falsete final, a música já tinha cumprido sua missão na terra, não precisava daquilo. Isso na minha imodesta opinião, claro está.

No mais, parabéns Antonio, gostei!

Você, leitor amigo, leitora amiga, em breve poderá ouvir esta bela canção aqui!

(OS: Há umas semanas recebi um email de Billy Rezck, outro músico local –este eu não conheço, e fiquei bastante feliz pela lembrança dele em quere saber minha opinião sobre sua obra-, com o link do seu disco recém gravado. Caso você esteja lendo, Billy, saibas que eu ouvi, mas ainda não tenho opinião formada. Ou talvez tenha, mas preciso amadurecê-la melhor. Qualquer dia desses publico alguma coisa a respeito, ou então respondo teu email com minhas considerações sobre.)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Negro Amor


Como sabe ser cruel, o amor.

Tô sofrendo e me sentindo perdido, como um vira-latas que é levado para uma voltinha no porta-malas do carro, depois é atirado num terreno baldio qualquer e fica olhando o carro do dono se afastar sem entender nada direito, sentindo raiva e saudade. Mais saudade do que raiva.

Primeiro sofri por que meus pais foram contra, e apesar de no início eu ter feito tudo só para provocar, depois foi a merda do amor mesmo.

Me juntei com um preto para afrontar minha mãe.

Ela não gosta de pretos. Ela odeia pretos.

Quis dar uma provocada, mas depois virou a merda do amor mesmo.

Me juntei com um preto por que tinha ouvido falar que pretos têm pau grande.

Mentira!

O meu, pelo menos, não tem.

Não é grande e nem sempre levanta. Mas é de bom tamanho, e quando levanta faz o serviço bem feito.

Um dia, no meio daqueles braços pretos e fortes, morrendo de tesão, resolvi dar uma apimentada na brincadeira e o chamei de “meu escravo”. Ele virou e me enfiou uma porrada no meio da cara. Um soco muito do bem dado.

Cegou meu olho direito, deslocamento da retina.

Ele ficou todo culpado, chorou um oceano inteiro de culpa, pediu mil perdões. Mas disse que se eu o chamasse outra vez de “meu escravo”, me cegava também o olho esquerdo.

Eu desculpei.

Me juntei com um preto para afrontar meu pai.

Ele até que gosta de pretos, mas tem repulsa de viados.

Um viado que escancara para todo mundo que o filho dele, que ele até então bravamente tentava convencer os seus amigos que era homem, macho, bastante sensível, é verdade, mas muito macho, um viado desses que chega e escancara tudo, então, ele quis matar.

Não, não. Ele quis morrer!

Seu único filho, viado, e amasiado com um preto bicha.

Ele quis morrer! Eles, meu pai e minha mãe, quiseram morrer!

Não, não. Quiseram me matar!

Quiseram que eu nunca tivesse nascido!

Mas nasci viado e me juntei com um preto bicha.

Bicha, mas bem macho! A mulherzinha era eu.

Fui expulso de casa. Eu e meus pais ficamos quase dois anos sem nos falarmos.

Um dia, me ligaram convidando para o jantar de natal.

Eu fui.

Nós fomos.

Aquela tensão, olhares se evitando, silêncio constrangedor, o som do gole num copo d’água parecia um berro, tamanho o silêncio.

Meu pai olhava para ele com nojo e vergonha.

Minha mãe olhava para mim com nojo e vergonha.

No réveillon ele, o meu preto, trabalharia até as 17:00. Marcamos de nos encontrarmos na praia para fazermos nossas oferendas à Iemanjá, pularmos as sete ondinhas, comermos uvas vestidos de branco com cuecas novas coloridas, aquela palhaçada toda.

Deu 22:30 e nada dele aparecer. Fiquei morrendo de preocupação.

Liguei no celular dele, desligado.

Liguei para o pessoal do trabalho, disseram que ele havia saído no horário certo.

Liguei de novo no celular dele, desligado.

Fui para nossa casa.

Nem girei a porta na chave, e de fora eu já ouvia os berros.

Entrei em casa e vi meu pai de quatro no meio da sala, e ele, o meu preto, currando aquele velho desgraçado.

Velho bicha hipócrita do caralho...

Eles me viram, eu corri.

Sumi durante dois dias.

No dia três de janeiro resolvi ir até a casa dos meus pais e jogar toda a merda no ventilador, contar tudo para a minha mãe, foda-se aquele velho bicha hipócrita do caralho.

Quando cheguei lá, encontrei meu pai chorando convulsivamente.

Tua mãe foi embora, tua mãe foi embora, gritava o velho bicha hipócrita do caralho entre soluços.

Eu não sabia se o abraçava por pena, ou se o socava de raiva.

Deixei a pena me vencer, e disse, Calma, ela vai te perdoar, vocês vão se entender...

Ele respirou fundo, me apontou aqueles olhos vermelhos e inchados de tanto chorar, e disse, Não é por ela que eu estou chorando, é por ele! Ela fugiu com aquele desgraçado daquele preto bicha do caralho!

Como sabe ser cruel, o amor...

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Volta pra mim?


Volta pra mim?

Agora?Já faz tanto tempo...

Eu sei, volta pra mim?

Chega a ser ridícula, essa sua proposta.

Eu sei, volta pra mim?

Tenha dó, eu não sou palhaço. Sofri como o capeta, caí na bebida, comecei a fumar, tudo por causa dessa dor de cotovelo incurável. Você fez gato e sapato de mim, sabia que eu era apaixonado, louco por você, faria qualquer coisa por você, e sabendo disso tudo fez de mim gato e sapato.

Eu sei, volta pra mim?

Eu me sinto quase ofendido com essa sua proposta. Fiquei traumatizado, sabia?

Te pago um psicólogo. Volta pra mim?

Não quero o seu dinheiro. Aliás, essa foi uma das coisas que mais me doeu. Você me traiu, eu te perdoei, traiu de novo, perdoei de novo. Você me fez acreditar que casaríamos! Comprei alianças, financiei um apartamento pra gente, não era grande e espaçoso como o dos seus pais, mas era bem charmoso. Me endividei por nossa causa, por sua causa, por acreditar que éramos uma causa que valia a pena, e não bastasse a humilhação por ter pendurado no meu pescoço o crachá de corno manso, você teve a coragem de me acusar de estar com você apenas por interesse. E pior, você nem era rica! Isso me magoou muito, sabia?

Imagino, mas acho que posso reparar. Volta pra mim?

Por que agora? Por que eu? Por que depois de tanto tempo?

Por que eu tive tempo bastante para experimentar vários outros homens, namorei, noivei e até casei com dois deles. Mas nenhum chegou perto de você.

Mas você, além de me acusar de estar com você só por interesse, riu de mim dizendo que eu era muito “rapidinho”.

É verdade, você é mesmo. Ou era, não sei, vá que nesse tempo em que estivemos longe você tenha aprimorado a sua técnica. Mas, mesmo rapidinho, em todo o resto você era melhor do que os outros.

Ah, legal, então quer dizer que eu volto para você por ter um bom papo, e você vai continuar tendo seus casinhos extra-conjugais...

Não pretendo. Já estou muito velha para isso. Nós dois estamos. Sei lá, talvez pode ser que um dia até venha a acontecer de eu ter um casinho ou outro, mas isso não significa, nem significará que eu vá te deixar de novo. Volta pra mim?

Puta merda, você é muito cara de pau!

Eu sei, se não fosse nós nunca teríamos ficado juntos. Você era muito cagão, tinha medo de chegar nas mulheres.

Não satisfeita em me humilhar no passado, faz questão de ainda ficar me ridicularizando agora.

Não se sinta ridicularizado, eu achava charmosinho o seu jeito tímido, o seu medo do sexo feminino.

Ei, pode ir parando com isso! Eu nunca tive medo de mulheres. Mas se coloque no meu lugar, você sempre foi linda, perfeita, sarada, e eu um cdfzinho de merda, que nunca despertou o interesse nem das feias. Quando você veio com aquele papinho que estava interessada em mim, eu tive uma sensação fortíssima de que você devia ter feito uma aposta com alguém, como nesses filmes americanos para adolescentes, em que o bonitão aposta com os amigos que vai pegar a menina mais feia. No nosso caso, você era o bonitão, eu a menina mais feia.

Não, não. Não foi nada disso. Teria até sido divertido, caso fosse isso mesmo. Mas não, eu realmente achei a sua timidez bem bonitinha e bastante desafiadora, não sei se era a bebida, eu bebia demais naquelas festinhas da faculdade, mas eu realmente fiquei interessada em você.

Legal, ficou comigo por causa da bebida.

Não, não por causa dela. Dela também, mas não só.

Quando terminamos, eu com alianças no bolso, um financiamento de um apartamento de dois quartos nas costas, dois belos pares de chifres na testa, você ainda teve coragem de sair falando para todo mundo que não teria como passar o resto da sua vida com um cara que morava com a avó. EU devia te esculachar para os outros, não o contrário! EU era a vítima!

Você ainda mora com ela?

Não, ela morreu... Já faz quase vinte anos.

Puxa, o tempo voa! Sinto muito...

Olha, entendo que estejas meio carente, e talvez pelo o que vivemos eu pareça para você a segurança que os teus outros relacionamentos não te ofereceram, mas o que tínhamos para viver nós já vivemos.

Não é carência.

Crise de meia idade, sei lá. Admito que até faz bem para meu ego, essa sua recaída, mas eu sofri demais. Sério mesmo, não quero me fazer de vítima, mas você não tem ideia do que eu passei. Minha bolsa de estudo em Oxford não era uma oportunidade de ouro, era uma fuga. Eu consegui um dinheirinho legal vendendo o apartamento, vantagens de se comprar na planta, a valorização é grande, e peguei o dinheiro para subornar o cara que aprovava os projetos de pesquisa para o exterior. O meu projeto era uma merda. Paguei para fazerem o projeto, eu não tinha a menor condição de escrever um projeto decente, que fosse merecedor de uma bolsa de estudos no exterior, mas eu precisava dar um jeito de ficar longe de você. Acreditei que com um oceano de distância conseguiria superar.

Mas pelo visto você ainda não superou.

Estou calejado, digamos assim. Determinadas dores não saram nunca, mas a gente aprende a viver com elas. Como a enxaqueca. Você ainda tem aquelas crises?

Nem me fale...

Então, mas você sobrevive a elas. É mais ou menos esse o meu sentimento em relação a você.

Volta pra mim?

Não.

Por favor!

Não.

Eu posso te fazer muito feliz.

Não!

Sério, tenho certeza que eu posso apagar da tua memória todas as amarguras que te fiz passar.

Não! Não! Não! Mil vezes não! Não quero ouvir mais nada!

Se você ouvir o que eu tenho pra te dizer, como posso te fazer feliz, tenho certeza que você vai mudar de ideia.

Escute aqui, por sua causa, nunca fui merda nenhuma na vida. Nem com um mestrado na Inglaterra consegui mais do que um sub-emprego! Já passei dos quarenta e ando de carro popular e moro de aluguel. Nunca mais tive coragem de visitar apartamentos em construção para comprar algo meu. Mesmo estando aprisionado na fedorenta classe-média, casa própria deixou de ser um sonho.

Volta pra mim?

NÃO! Nem por um milhão de reais, nada nesse mundo vai pagar, apagar ou mesmo disfarçar o meu sofrimento.

Trinta e sete.

O quê?

Milhões. Trinta e sete milhões. Eu ganhei na mega-sena. Volta pra mim?

É sério?

Sim, é sério.

Tá bom, eu volto.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O Melhor Advogado do Mundo


Você pediu uma audiência comigo?

Exatamente.

O que você deseja?

O julgamento final que me foi prometido na catequese.

Você já foi julgado. Julgado e condenado, diga-se de passagem.

Pois é, fiquei surpreso quando me vi no inferno. Não achei justo. E como dizem que o Senhor é justo, requeri esta audiência.

O que você não achou justo no seu julgamento?

Bom, para começar eu não estava presente neste julgamento, me foi negado o direito de defesa. Dizem que a Virgem Maria é a nossa advogada diante do Senhor, mas se eu não estava presente, como posso ter certeza que ela me representou? O Senhor sabe, embora o Senhor alegue onipresença, nós, humanos, não somos dotados deste dom.

Tá bom, admito, ela não esteve presente. Mas é que o seu caso era relativamente fácil, não vejo muita coisa que ela poderia alegar em sua defesa. E olha que ela é bastante condescendente.

Mas eu quero o direito à defesa que me foi negado. Aliás, meu primeiro argumento é exatamente este, como posso ter sido condenado se não pude dizer nada em minha defesa?

O que você quer, o purgatório?

Não, de jeito nenhum! Quero o reino dos céus!

HAHAHAHA!

Senhor, esta risada deverá contar nos altos do processo, além de me ser negado o direito a um julgamento justo e imparcial, esta risada está me ridicularizando.

Tudo bem, me desculpe, só achei engraçado, vamos então a sua vida e você me diz por qual razão eu devo lhe conceder o reino dos céus, vamos lá. Desde pequeno você tem uma conduta reprovável, totalmente em desacordo com os meus ensinamentos.

Meritíssimo, digo, Sua Excelência, Altíssimo, enfim, Senhor, sinto ter que discordar desta Sua afirmação, mas eu segui estritamente a risca cada ensinamento Seu.

Você passou a sua vida inteira na esbórnia, mulherengo, beberrão, mentiu, roubou, traiu, não vejo o que possa haver em sua defesa e o que isso tudo tenha a ver com meus ensinamentos.

Vamos por partes, foram várias acusações, e cada uma delas possui uma argumentação em sua defesa. Sim, fui mulherengo e beberrão, mas Agostinho também foi e virou Santo.

Mas ele se arrependeu.

Só que ele morreu mais velho do que eu, teve mais tempo para tomar consciência. Quem garante que eu não iria me arrepender também antes de morrer e, quem sabe, até virar santo?

Por via de regra, eu mesmo posso assegurar que você não se arrependeria.

Mas segundo as Suas sagradas escrituras, também me estava assegurado um julgamento que eu não tive. Requisito a mim o benefício da dúvida.

Tudo bem, digamos que seja constitucional. Mas você nunca ia à missa.

Livre arbítrio, Senhor. O Senhor nos deu o direito de escolha, se eu escolhi não ir à missa, apenas estava exercendo o direito que o Senhor concedeu a todos os humanos. Não posso ser condenado por gozar de um benefício concedido pelo Senhor

Bom, sigamos então para a próxima acusação. Um dos seus mais importantes casos foi defendendo o seu pai, deputado federal, com provas irrefutáveis de que tinha desviado milhões em verbas públicas que deveriam ser destinadas a educação, saúde, saneamento básico, moradia dos menos favorecidos, enfim, havia um universo inteiro de provas contra ele e você o defendeu e, mais do que isso, o livrou da condenação.

Senhor, esta acusação rebato com dois argumentos que o Senhor, na Sua infinita sabedoria, há de me dar razão.

Diga lá.

Primeiro, o Senhor determinou nas leis pelo Senhor estabelecidas, que devemos amar e honrar pai e mãe.

Sim, é verdade.

Então, Senhor, como poderia deixar meu pai, meu próprio pai sem amparo? Exatamente por amá-lo sobre todas as coisas e por buscar honrá-lo, que usei de todos os argumentos que me estavam ao alcance para livrá-lo daquelas acusações. Fiz o que o Senhor determinou.

Pera lá, eu não determinei amar o seu pai sobre todas as coisas. Os mandamentos são claros, “Amar a Deus sobre todas as coisas”.

Aí entra meu segundo argumento. Qual o Seu nome, Senhor?

São tantos, em cada cultura recebi um nome diferente.

Na cultura em que eu vivia, qual o Seu nome?

Jeová.

Qual o nome do meu pai, Senhor?

Jeová... Mas eu falava de mim, nos mandamentos!

Com o Seu perdão, Senhor, mas isso não está claro nas tábuas dos mandamentos. Há margem para várias interpretações, a redação é dúbia. Meu pai chama-se Jeová, o Senhor também chama-se Jeová, eu coloquei o meu amor por Jeová sobre todas as coisas. Mais uma vez segui a risca o que o Senhor determinou.

Malditos evangélicos...

Isso é blasfêmia, Senhor, blasfêmia é pecado.

Mas você mentiu quando o defendeu, pois você sabia que ele de fato tinha roubado aquela dinheirama toda, e não mentir também estava nos meus mandamentos.

Senhor, quem mentiu foi meu pai. Não fui eu que desviei aquela dinheirama, eu apenas o defendi dentro dos argumentos que a lei me ofereceu.

Mas aquelas eram as leis dos homens.

Mas os homens são a Sua imagem e semelhança, logo, as leis deles são também as Suas.

Seu argumento é válido, mas com ele você complica a situação do seu pai.

Bom, Senhor, neste caso, quando for chegada a hora dele, se o Senhor não se importar, eu gostaria bastante de representá-lo diante do Senhor. Até por que como ficou claro neste meu julgamento, a advogada que nos foi designada nem sempre comparece as audiências.

Ok, ok. Próxima acusação. Quando você assumiu a consultoria jurídica daquela grande empresa, você sabia que os funcionários seriam demitidos, mas fez questão de fazê-los acreditar que nada lhes aconteceria, impedindo que eles pudessem se precaver, procurar um novo emprego antes de serem mandados embora. Você tinha plena consciência disso e ainda assim os enganou.

O Senhor é onisciente, correto. Ou é mentira o que está na bíblia?

Não, essa informação está correta.

Então, quando o Senhor criou o paraíso e nele colocou Adão e Eva, o Senhor sabia que mais cedo ou mais tarde eles comeriam o fruto da árvore proibida, mas não disse nada disso a eles, permitiu que ambos caíssem em tentação e por causa disto foram demitidos do paraíso. Mas o Senhor, onisciente que Era e É, sabia que eles comeriam do fruto.

Ok, ok, eu admito, eu sabia. Mas para você diminuir os custos com verbas indenizatórias das demissões, você deixou uma grande quantia em dinheiro a disposição dos funcionários da empresa, sabendo que se pegassem aquele dinheiro seriam demitidos por justa causa, e você sabia que muitos deles eram pobres e estavam desesperados por um dinheiro extra que aliviasse as agruras por que passavam.

O Senhor deixou o fruto proibido a disposição de Adão e Eva, e o Senhor, por tudo saber, sabe que a curiosidade é ainda mais feroz que a necessidade. Quando o senhor apontou para a árvore e proibiu que do fruto dela eles comessem, o Senhor sabia que os estava instigando. Se o Senhor não quisesse que eles comessem, bastaria que não disponibilizasse a eles o fruto da árvore proibida.

Próxima acusação...

Claro.

Você teve dois filhos, o mais velho um rapaz muito bom e íntegro, desde novo começou a realizar trabalhos em uma ONG, o mais novo desde cedo com uma índole parecida com a sua. No dia dos pais de seis anos atrás, o seu filho mais velho lhe deu um porta retratos com a foto dele abraçado com as crianças que ele ajuda na ONG, o mais novo presenteou-lhe com um rolex, mas enquanto o primeiro fez o porta-retrato com as próprias mãos, utilizando materiais reciclados, o segundo roubou dinheiro da sua carteira para presentear-lhe. No aniversário do primeiro, você deu-lhe um porta-retratos de 1,99, com uma foto do cachorro da família, no aniversário do segundo, você deu-lhe um Peugeot 307 zero quilômetro.

Senhor, Caim era agricultor, Abel pecuarista. O Senhor aceitou a oferenda de Abel e achou insuficiente a oferenda de Caim, por causa deste motivo o Senhor inventou o ciúme, e aconteceu o mais famoso fratricídio de todos os tempos.

Não foi pela oferenda, foi pela fumaça gerada. A oferenda de Abel era do fundo do coração, e a fumaça desta oferenda subiu aos céus. A de Caim não subiu nada, logo dispersou.

Senhor, respeite a inteligência que o Senhor me deu. O Senhor, por tudo saber, sabe que ao se queimar gordura animal, a fumaça é muito maior e duradoura do que se queimarmos legumes.

Você roubou a sua firma de advocacia!

O Senhor deixou bastante claro em uma das suas mais propagadas parábolas, que devemos multiplicar os talentos que recebemos. Que culpa tenho eu se o talento com o qual o senhor me agraciou foi o de enriquecer? Eu multipliquei os meus talentos, Senhor. Basta ver quantos talentos havia no meu banco antes da firma, e com quantos talentos a minha esposa ficou após a minha morte.

Você teve um caso com a mulher do seu melhor amigo!

Amei o próximo, Senhor. Meu melhor amigo sempre disse que só era feliz quando sua mulher estava feliz. E ela era muito infeliz na cama, Senhor. Por amar aquele que era mais próximo de mim, e querer vê-lo feliz, ofereci a mulher dele a assistência sexual que a deixaria plenamente feliz. Foi por amor ao próximo, Senhor. Foi por amor ao próximo...

E a sua esposa?

Naquela época eu não era casado, Senhor.

E por que você nunca a traiu?

Ela também era advogada, e foi ela quem redigiu as cláusulas do nosso contrato pré-nupcial. Ficaria na miséria se fosse infiel.

Apego aos bens da matéria é também pecado.

Pecado maior seria agir em desacordo com aquilo que eu jurei para o padre diante do Seu altar.

Cacete, tá bom, tá bom, chega, pode ir para o reino dos céus. Você deve ter se esforçado demais para traçar essa linha de defesa.

Não, Senhor, foi até bem fácil. O caso do meu pai foi difícil, tive que me virar nas brechas da lei, mas neste meu caso foi até bem simples, o Senhor já havia estabelecido a jurisprudência.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Pra você guardei o amor


Na frente do juiz, soldado Noronha aguardava em meio a uma ansiedade angustiada a decisão que transformaria pra sempre e de maneira definitiva a sua vida. Seria a segunda transformação de tamanha magnitude que viveria ao longo dos seus vinte e oito anos.

A primeira se dera há pouco mais de dois anos, quando conhecera sua amada Etelvina. Etelvina para soldado Noronha, para os outros todos que se interessavam por ela, chamava-se Thuany. Por apenas trinta reais, barganhando-se com jeito até menos, era Thuany. O que importava para ela, Thuany/Etelvina, eram alguns trocados que transformar-se-iam em pedras para confundir a sua fome constante e o frio do desabrigo diário. Como é companheiro e acolhedor o crack, quando ninguém mais nota na existência de alguém.

Foi no fim de uma madrugada muito fria, quando Etelvina já imaginava que pela terceira noite seguida ninguém se interessaria por ela, que a Santana Quantum do delegado Aderbal parou uns poucos metros após a esquina onde ela encolhia-se do frio, mas a cada carro que passava se erguia e rebolava mostrando o corpo semi-nu.

Delegado Aderbal baixou o vidro do carona para que Etelvina pudesse oferecer seus préstimos. Como já estava acostumada, viu o semblante do Delegado Aderbal demonstrar desinteresse tão logo vira seu rosto.

Etelvina era feia, muito feia.

Cabelos oleosos, dentes tortos e cariados, nariz pequeno e achatado, muito magra, pele tingida de um moreno sujo e manchado e olheiras impossíveis de serem disfarçadas, por mais talentosa que fosse a maquiadora.

Como sempre fazia a cada vez que o semblante dos seus raros clientes contraía-se daquele jeito, Etelvina levantou-se, virou de costas e ergueu a curtíssima saia, deixando à vista do delegado Aderbal sua bunda bem feita. Algumas pequenas manchas roxas, sem celulites, mas com estrias bastante visíveis em uma das nádegas, mas, ainda assim, uma bela bunda. Firme e bem desenhada, de fazer inveja a muitas mulheres que, por mais que se dediquem a anos de academia enfatizando exercícios para os glúteos, dificilmente alcançarão firmeza similar. A vida virara as costas à Etelvina de tal maneira, que só de costas a natureza havia tido com ela alguma generosidade.

Quanto?, perguntou o delegado, O que vai ser?, respondeu Etelvina, Um boquetinho, coisa rápida, Trinta com camisinha, quarenta sem, Tá caro, pago vinte sem camisinha, Trinta sem camisinha, Trinta sem camisinha e mais o cuzinho.

Etelvina aceitou.

Etelvina estava com fome, e para qualquer lugar que delegado Aderbal a levasse, seria melhor do que aquela rua suja e fria.

Num motel anexo a um posto decadente, não mais do que o motel, Delegado Aderbal fez em Etelvina toda sorte de baixezas indizíveis. Ela suportava calada aquela imundice toda, confortando a dor que a fazia sentir-se a mais desgraçada das mulheres, na esperança de que em alguns minutos suas pedras companheiras a fariam esquecer de toda aquela podridão à que se sujeitava.

Contudo, antes de terminar suas investidas brutais, delegado Aderbal enfartou fulminantemente, e caiu com o corpo todo rígido, de uma rigidez que buscara a noite inteira, mas seu membro pequeno recusara-se vestir.

Etelvina entrou em desespero, começou a gritar e chorar de tal maneira que o gerente do pulgueiro onde estava arrombou a porta para ver o que havia acontecido. Ao deparar-se com a prostitua encolhida ao lado da cama, gritando desesperada, e o corpo do delegado Aderbal caído no chão, já começando a ficar arroxeado, o gerente ligou de imediato para a polícia que, em poucos minutos, chegava ao local.

Para a família do delegado, os policiais disseram que ele morrera quando voltava para casa após estender o expediente em meio a um caso complicado que tentava desvendar, fazendo a inocente esposa acreditar que seu marido imundo era, na verdade, um bom homem, trabalhador e justo. Ela sabia que seu marido não era grande coisa, mas a mentira desde sempre fora muito mais gentil do que a verdade, ainda mais numa hora daquelas. Deixou-se enganar. Enganou-se por vontade própria.

Etelvina queria a sorte do delegado, que fosse ela a enfartada. Mas a vida não simpatizava muito com aquela mulher, então, infeliz. Os policiais algemaram-na e levaram-na para a delegacia.

Diante dos presos das outras celas, Etelvina foi arremessada com toda a brutalidade que só os homens possuem e, sem que tivesse direito à defesa ou mesmo um julgamento, fora condenada culpada pela morte do delegado Aderbal. Três dos policias de plantão espancaram Etelvina. Mas antes, estupraram-na de maneira ainda mais vil do que o finado delegado. Não bastasse eles mesmos usarem do corpo da pobre de todas as maneiras que lhes parecesse conveniente, introduziram em seus orifícios, todos eles, toda espécie de objeto que lhes estava ao alcance, dilaceraram-na sem piedade. Quando a sordidez fardada parecia ter acabado, veio o primeiro chute de uma botina muito bem lustrada na boca da mulher caída, ela sentiu o gosto de sangue na boca quase afogar-lhe, e viu no chão dois dos seus poucos dentes caídos. Em seguida, uma sucessão de chutes que ela sequer percebia de onde vinham, iam diminuindo-a cada vez mais. Se antes desconfiava, agora tinha certeza, Deus a odiava ainda mais do que odiara seu único filho. Quisera ela ter sido crucificada, ao invés de passar por tudo aquilo.

Quando tiveram sua ignorância selvagem saciada aos olhos dos outros presos assustados, os policias subiram para o escritório da delegacia e ordenaram a soldado Noronha que fosse até o porão, onde ficavam as celas, e desse um jeito naquela sujeira toda.

Quando viu Etelvina caída, sem forças sequer para chorar aquela dor absurda, soldado Noronha comoveu-se.

Aproximou-se de Etelvina e ouviu a voz fraca da mulher caída quase implorar num volume inaudível, Por favor, eu não agüento mais, não me bata mais. Soldado Noronha chorou com discrição, para que nenhum dos outros presos percebesse sua emoção sincera.

Com um pano umedecido em água morna, soldado Noronha passou a limpar cada um dos incontáveis ferimentos que estavam espalhados naquele corpo pequeno. Os olhos inchados e muito roxos de Etelvina não conseguiam focalizar direito a face de quem parecia ter com ela alguma misericórdia.

Soldado Noronha já não preocupava-se em disfarçar sua comoção, limpava com muito cuidado e delicadeza os ferimentos chorando uma dor que sabia, não se comparava a dor que aquela mulher estava sentindo.

Os presos assistiam a tudo em silêncio, emocionados com a nobreza daquele gesto simples.

Quando passou em frente aos demais policiais de plantão, com Etelvina tremendo de frio e dor escorada nos seus ombros, soldado Noronha ouviu de um deles, Onde você pensa que está levando essa vagabunda?

Soldado Noronha acomodou Etelvina em um dos bancos duros de espera da delegacia, sacou sua arma e foi na direção daquele que lhe havia feito a pergunta, Escute aqui, seu filho de uma puta, se você ou qualquer um de vocês tentar chegar perto de mim, ou mesmo se a sombra de algum de vocês chegar perto dessa mulher mais uma vez, não vai ser a corregedoria que será informada do que aconteceu aqui essa noite, vai ser a mulher, vão ser os filhos de cada um de vocês que vão ficar sabendo tudo o que vocês fizeram e fazem todas as noites. Chega perto pra ver o que acontece, mando todos vocês para o quinto dos infernos junto com aquele merda daquele delegado que já foi tarde!

Imóveis e amedrontados, os policiais viram soldado Noronha colocar Etelvina no seu carro, e desaparecer das suas vistas.

Soldado Noronha cuidou de Etelvina. Cuidou de cada um dos ferimentos, pagou-lhe o tratamento odontológico que recuperou os dentes que a botina brilhante lhe havia furtado, e ficou sinceramente feliz quando soube que, apesar de toda a violência a que fora submetida, Etelvina estava grávida. Ainda que o bebê fosse do desprezível delegado Aderbal, soldado Noronha cuidaria da criança como se fosse sua.

Se de início Etelvina ficara assustada e receosa com a estranheza daquele carinho que nunca recebera, não demorou para acostumar-se em ser amada. Diferente da vida, o amor é doce.

A criança nasceu saudável, a despeito do estrago que as drogas costumam fazer.

Soldado Noronha e Etelvina viviam felizes aquela amor improvável, até que a ex-prostituta adoecera.

Embora a criança tenha nascido sadia, e soldado Noronha também mantivesse sua saúde intacta, Etelvina tinha AIDS.

Mesmo que tenha tido força bastante para suportar todas as agressões a que fora sujeitada desde que percebera-se gente, ou algo parecido com isso, quando adoecera, não houve tratamento que fizesse Etelvina convalescer.

Em poucos meses, morreu Etelvina.

Na sordidez da vingança, os outros policiais denunciaram soldado Noronha, alegando que mantinha em sua guarda uma criança que não era sua, tentando fazer que com isso perdesse aquele pequeno menino que, desde que partira a sua Etelvina, era a razão pela qual vivia.

Agora, diante do juiz, aguardava a sentença do magistrado para saber se poderia manter-se como responsável pela guarda e educação do menino.

Para sua feliz surpresa, após terem sido relatados todos os fatos, inclusive as agressões que certamente renderiam punições severas aos demais policiais, soldado Noronha não só teve a alegria de adquirir em definitivo a guarda da criança, como teve também a felicidade da autorização do juiz de acrescentar à certidão de nascimento do menino, também o seu nome.

A decisão chocara a pequena cidade, mas sem se importar com isso, agora soldado Noronha tinha a felicidade de ler na certidão de nascimento que Antônio, o menino, era filho de Etelvina Aparecida da Silva e Maria Fernanda de Souza Noronha.