quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Negro Amor


Como sabe ser cruel, o amor.

Tô sofrendo e me sentindo perdido, como um vira-latas que é levado para uma voltinha no porta-malas do carro, depois é atirado num terreno baldio qualquer e fica olhando o carro do dono se afastar sem entender nada direito, sentindo raiva e saudade. Mais saudade do que raiva.

Primeiro sofri por que meus pais foram contra, e apesar de no início eu ter feito tudo só para provocar, depois foi a merda do amor mesmo.

Me juntei com um preto para afrontar minha mãe.

Ela não gosta de pretos. Ela odeia pretos.

Quis dar uma provocada, mas depois virou a merda do amor mesmo.

Me juntei com um preto por que tinha ouvido falar que pretos têm pau grande.

Mentira!

O meu, pelo menos, não tem.

Não é grande e nem sempre levanta. Mas é de bom tamanho, e quando levanta faz o serviço bem feito.

Um dia, no meio daqueles braços pretos e fortes, morrendo de tesão, resolvi dar uma apimentada na brincadeira e o chamei de “meu escravo”. Ele virou e me enfiou uma porrada no meio da cara. Um soco muito do bem dado.

Cegou meu olho direito, deslocamento da retina.

Ele ficou todo culpado, chorou um oceano inteiro de culpa, pediu mil perdões. Mas disse que se eu o chamasse outra vez de “meu escravo”, me cegava também o olho esquerdo.

Eu desculpei.

Me juntei com um preto para afrontar meu pai.

Ele até que gosta de pretos, mas tem repulsa de viados.

Um viado que escancara para todo mundo que o filho dele, que ele até então bravamente tentava convencer os seus amigos que era homem, macho, bastante sensível, é verdade, mas muito macho, um viado desses que chega e escancara tudo, então, ele quis matar.

Não, não. Ele quis morrer!

Seu único filho, viado, e amasiado com um preto bicha.

Ele quis morrer! Eles, meu pai e minha mãe, quiseram morrer!

Não, não. Quiseram me matar!

Quiseram que eu nunca tivesse nascido!

Mas nasci viado e me juntei com um preto bicha.

Bicha, mas bem macho! A mulherzinha era eu.

Fui expulso de casa. Eu e meus pais ficamos quase dois anos sem nos falarmos.

Um dia, me ligaram convidando para o jantar de natal.

Eu fui.

Nós fomos.

Aquela tensão, olhares se evitando, silêncio constrangedor, o som do gole num copo d’água parecia um berro, tamanho o silêncio.

Meu pai olhava para ele com nojo e vergonha.

Minha mãe olhava para mim com nojo e vergonha.

No réveillon ele, o meu preto, trabalharia até as 17:00. Marcamos de nos encontrarmos na praia para fazermos nossas oferendas à Iemanjá, pularmos as sete ondinhas, comermos uvas vestidos de branco com cuecas novas coloridas, aquela palhaçada toda.

Deu 22:30 e nada dele aparecer. Fiquei morrendo de preocupação.

Liguei no celular dele, desligado.

Liguei para o pessoal do trabalho, disseram que ele havia saído no horário certo.

Liguei de novo no celular dele, desligado.

Fui para nossa casa.

Nem girei a porta na chave, e de fora eu já ouvia os berros.

Entrei em casa e vi meu pai de quatro no meio da sala, e ele, o meu preto, currando aquele velho desgraçado.

Velho bicha hipócrita do caralho...

Eles me viram, eu corri.

Sumi durante dois dias.

No dia três de janeiro resolvi ir até a casa dos meus pais e jogar toda a merda no ventilador, contar tudo para a minha mãe, foda-se aquele velho bicha hipócrita do caralho.

Quando cheguei lá, encontrei meu pai chorando convulsivamente.

Tua mãe foi embora, tua mãe foi embora, gritava o velho bicha hipócrita do caralho entre soluços.

Eu não sabia se o abraçava por pena, ou se o socava de raiva.

Deixei a pena me vencer, e disse, Calma, ela vai te perdoar, vocês vão se entender...

Ele respirou fundo, me apontou aqueles olhos vermelhos e inchados de tanto chorar, e disse, Não é por ela que eu estou chorando, é por ele! Ela fugiu com aquele desgraçado daquele preto bicha do caralho!

Como sabe ser cruel, o amor...

Um comentário:

Shuzy disse...

Surpresa... Como sempre!