quarta-feira, 29 de junho de 2011

Volta pra mim II


Era tão pouco o que você me pedia...

Era tanto o que você me oferecia...

O erro foi termos mantido por tanto tempo nossa história em ponto morto, não seguimos adiante, nem permitimos que morresse. Acho que para economizarmos o combustível. Que besteira a minha, permitir que isso acontecesse. Embora assim tenha parecido, lhe garanto, não me faltava combustível. Não para você que, mesmo sem ter demonstrado da maneira que você merecia, era tão importante para mim. Não seguimos adiante, nem permitimos que morresse. Carro parado no farol vermelho, ponto morto. Até que você desceu do carro.

E, desde então, tudo virou uma desordem só. Esse apartamento, tão pequeno, já não comporta a sujeira que lhe obrigo porta adentro. É que, você sabe, eu faço a comida, mas a louça é com você. Preciso comprar louças novas para ter onde comer, enquanto você não resolve voltar. Preciso de uma pia nova para amontoar a pilha nova de louças novas que estará esperando pelo momento em que você vai resolver voltar.

Esse apartamento aqui, que você sempre achou tão bonitinho, tão charmosinho, apartamento antigo, pequeno, mas de peças amplas, não faz sentido sem você por perto. Admito, embora tenha sido eu que o tenha escolhido, odeio esse apartamento sem você por perto.

O erro foi meu, eu sei, eu admito. Mas você sabia desse meu modo de ser desde o começo, deixei tudo bem claro para evitar frustrações futuras, mas, mesmo você tendo dito no começo que aceitava, depois foi difícil de tolerar meu descuido, mesmo com toda a sua paciência, sei que é difícil ficar muito tempo perto de mim. Mas a vida é assim, fazer o quê?

A vida é dura, como já bem disse o Mutarelli.

A vida tá difícil sem você.

Você não faz ideia do quão difícil está.

E era tão pouco que você me pedia...

E era tanto o que você me oferecia...

Mas, isso, só percebi depois que você foi embora.

Chega a ser engraçado quando nos falamos, quando ligo como quem não quer nada para saber como você está, e você me pergunta se já tenho outra.

Não tenho e dificilmente terei, acredite.

É difícil aceitar outra mulher por aqui depois de ter tido você por perto.

Você me conhece, sabe das minhas manias, dos meus cacoetes, das minhas superstições, sabe que fico puto se algum dos vários livros que leio simultaneamente não estiver na precisa desordem que deixo na cabeceira da cama todas as noites, quando minha vista já vê as letrinhas das páginas se misturando dizendo que tá na hora de dormir, não espere mamãe mandar, um bom sonho pra você e um alegre despertar.

Lembra do comercial?

É antigo, mas sei que você lembra.

É do seu tempo.

Não, não estou te chamando de velha, temos quase a mesma idade, pouquíssima diferença.

Se bem que estou ficando velho, logo, você também está.

Enfim, sei que você se lembra do comercial.

Muito mais fácil você já estar com outro do que eu arranjar outra. Acho até que você já tem outro. Tenho pesadelos noturnos, diurnos, dormindo, acordado, imaginando que você já tem outro. Uma mulher como você não ficaria disponível no mercado muito tempo.

Só um estúpido muito, muito, muito grande para permitir que, por falta de cuidado, por falta de oferecer o mínimo que se pede, o mínimo que é justo numa relação como a nossa, ver uma mulher igual a você partir e não fazer nada para tentar evitar, não se esforçar um bocadinho que fosse.

Como você faz falta.

Era tão pouco o que você me pedia...

Era tanto o que você me oferecia...

Se pudesse voltar no tempo, faria tudo diferente, juro que faria!

Queria ser o Marty MacFly, pegar o Deloren e voltar no tempo, só para fazer tudo diferente.

Lembra do Marty MacFly?

Eu sei que você lembra, é do seu tempo.

Desculpe, do nosso tempo.

Volta pra mim?

Por favor...

Você sabe bem o quanto eu sou orgulhoso, e o quanto está sendo difícil para mim te pedir isso.

Volta pra mim, por favor...

Por favor, dona Judite, volta pra mim.

Eu pago o aumento que a senhora me pediu.

Eu pago o dobro!

O triplo!

Eu fui promovido, dona Judite, eu assino a sua carteira, pago todos os encargos, INSS, décimo terceiro, deposito seu fundo de garantia, pago férias!

A senhora vai poder tirar férias, dona Judite!

Mas sabe o estado em que vai encontrar o meu apartamento quando voltar das férias, mais ou menos como ele está agora.

Por favor, dona Judite, volta pra mim!

Por favor...

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Sobre escrever, ler, criticar e ser criticado


Quem me acompanha, sabe, costumo publicar as segundas, quartas e sextas. Contudo, entretanto, porém e todavia, antecipei a publicação dos posts, pois, estava ansioso para publicar este que agora lês.

Estava publicando uma saga de amor e traição em quatro capítulos, cujo final tive que reescrever em função do inconveniente Jonatan Strange ter descoberto o fim que havia premeditado. Mas, confesso, gostei mais do final que acabou indo para o ar, pois acho que o Jonatan vai gostar menos, já que, de certo modo, tem um final feliz. E, ele, que embora não conheça, sei que é sacana como eu, deve ter sido feito do mesmo barro de procedência duvidosa que eu. Gosta quando as personagens se ferram, principalmente se for na mão de um homem que não vale nada. Eis a minha vingança, Jonatan, um final feliz!

Mas vamos ao assunto que estava ansioso por tratar.

Primeiro foi como um soco no estômago, fiquei sem ar, um tanto assustado, talvez com alguma coisa de tristeza e pitadinhas de frustração.

Depois veio uma euforia meio besta, algo como aquilo que devem sentir os viciados quando, depois de roubarem o castiçal de prata da avó, trocam a relíquia antepassada por uma pedra de crack e confortam-se entorpecidamente das desventuras das suas vidas de merda na anestesia daquilo que, logo, logo, há de lhes matar.

Espero que meus textos um dia me matem.

Ao longo destes uma ano e meio de vida do meu blogue, conheci muita gente legal. Mas, por mais óbvio que seja, estes que me acompanham o fazem por gostarem das tortas frases que escrevo nas linhas retas do Word.

Não seria atitude muito inteligente seguir e acompanhar algo que não se gosta.

Exceção feita e respeitada aos meus pais, que detestam o que eu escrevo, mas acompanham assiduamente meus textos para tentar saber se estou perdido na vida, bebendo demais, se estou fumando ou coisa parecida.

Um beijo mamãe, um beijo papai.

Contudo, entretanto, porém e todavia (de novo), após ter publicado meu primeiro livro e ter conseguido uma vendagem relativamente significante para uma editora virtual, fui convidado a participar de um projeto bem bacana chamado BookTour, onde dez escritores tão famosos quanto eu são convidados a enviar suas obras a um de dez blogueiros metidos a críticos literários, para que estes o leiam, façam suas críticas a respeito da obra recebida e, após terem lido a tal obra, a enviem ao blogueiro metido a crítico literário seguinte e, assim, ao fim da Tour, dez pessoas tenham estabelecido seus juízos de valor a respeito dos dez livros de incipientes escritores.

Gostei da ideia, topei e enviei meu livro para a senhora Mônica Carneiro.

Eis que, na última segunda-feira, dia 20 de junho do ano da graça de 2011, recebi o email que segue da supracitada Mônica Carneiro:

“Olá David,
Venho lhe comunicar que comecei a ler o seu livro este fim de semana, já estou na metade, mas não vou mais ler. Parei. Desisti.
O livro é pura pornografia, a maioria dos contos são maliciosos. Achei muito apelativo. Constrangedor!!!!
Não sei se é do seu conhecimento, mas a maioria dos blogs literários têm suas visitas voltadas para os adolescentes, muitas vezes garotas de 13 a 16 anos. E eu não vou mudar isso. Como que eu vou indicar um livro que em todos os contos se encontra muita, muita pornografia, traição, indução ao sexo . Outra, que não faz parte do meu perfil de leitura um livro com estes moldes. Estou lhe devolvendo ainda hoje o livro para o endereço de remetente que tenho.
Atenciosamente,
Mônica Carneiro”

De fato, meu livro tem sexo, tem amor, tem infidelidade, tem incesto, tem traição, tem violência, tem morte, tem vingança, e mais um monte de coisas desta natureza.

Mas isso tudo a Bíblia também tem e, admitamos, até que ela fez algum sucesso.

Não, não, não é nada disso que você está pensando.

Não fui eu quem escreveu a Bíblia.

Eu juro!

Como disse anteriormente, primeiro fiquei com a sensação de soco na boca do estômago, sem ar, assustado.

Depois, fiquei eufórico.

Algo que causa tanta repulsa em determinados leitores, certamente há de agradar na mesma proporção outro tanto, interessados em um tipo diferente e menos cheio de pudores, de literatura.

Não exatamente os mesmos que lêem a Bíblia.

Que fique claro, este post não é uma dor de cotovelo pela crítica recebida, é um regozijo!

Gosto muito de críticas, elas me ensinam demais!

Um dos meus maiores críticos é também um grande amigo meu. Um dos maiores, se não o maior.Ele se chama Abelardo José da Silva Mattos e, para minha felicidade, além de amigo inestimável, ainda por cima é meu pai.E não é uma destas amizades chavões onde meninas adolescentes que querem parecer modernas e, para tanto, querem fazer uma tatuagem e, na falta do que tatuar, tatuam “Pai e Mãe, amor eterno”, é uma amizade de verdade. Não de cerveja, ele não bebe, mas sem dúvida alguma, uma amizade de verdade. Meu pai é foda! Ele não vai gostar deste elogio, mas é minha maneira indelicada de dizer, “Pai, eu te amo, quando crescer quero ser digno e bom igual a ti!”.

Voltando, meu pai não gosta do que eu escrevo e é um crítico ferrenho das minhas temáticas. Gosta muito da minha forma, mas detesta meu conteúdo. Faz questão de ressaltar, Tu escreves muito bem!, mas não gosta dos enredos que minha mente ímpia desenvolve.

Eu sou ateu, meu pai um cristão exemplar.

Nossas conversas, embora boa parte delas sejam calorosas, cada um defendendo seu ponto de vista, são totalmente pacíficas e desprovidas de picuinhas. Ambos respeitamos o ponto de vista do outro, nenhum tenta convencer o outro que aquela filosofia é errada, que o certo é o que eu – ou ele – acreditamos, apenas nos permitimos ouvir o outro lado, e permanecermos firmes naquilo que acreditamos. Ou não.

As melhores conversas que tive na vida foram com meu pai. Meu livro preferido, “Os Maias”, virou seriado e assistimos juntos nas madrugadas da Rede Globo, escondidos da minha mãe. Acho até que gosto tanto deste livro, pela ligação que ele estabeleceu entre mim e meu pai. No dia dos pais do ano passado, presenteei-o com uma edição pocket book, mas original, portuguesa, deste livro. Sei que ele gostou, embora não saiba se ele chegou a lê-lo.

Enfim, reminiscêcias familiares a parte, meu pai é um grande crítico do que eu escrevo, mas crítico com propriedade, com inteligência. Ele argumenta e embasa cada crítica que faz. Não é nada do tipo, “Não gostei por que não!”. Ele sabe o que está dizendo. Meu pai é muito inteligente, e tem opinião formada sobre o mundo, sobre o transcendental, e sabe como defender seus pontos de vista. Exatamente por isso tenho tanto respeito e admiração por ele.

Acontece que a crítica que recebi da senhora Mônica Carneiro, me fez pensar muito a respeito das coisas que escrevo. E, depois de muito pensar, me dei conta de que estou no caminho certo.

A última coisa que eu pretendo ao escrever é agradar todo mundo.
Isso, nem Jesus conseguiu. Ele não me agrada.

Tudo bem, não tenho nada contra ele, acho mesmo que era ótima pessoa, deus é que me incomoda.

Acredito piamente que todos aqueles que escrevem de verdade, o fazem por uma necessidade visceral, orgânica, algo como o que eu creio que deva sentir a Letícia Palmeira, minha mais nova escritora preferida, cada vez que ela escreve aqueles textos que me matam de inveja, não o faz a espera de aceitação ou de bem querer. Fazemos pela consciência de que é para aquilo que fomos feitos.

Sim, embora possa parecer arrogante, acredito que foi para escrever que fui feito.

Posso ser um bom filho, bom funcionário – isso, acreditem, sou mesmo, caxias até a medula! – mas tenho o sentimento de que é para escrever que fui feito.

Acredito nisso exatamente por não me preocupar em agradar a quem quer que seja quando escrevo. Cada vez que paro em frente ao meu computador, escolho uma música para que sirva de trilha sonora para meus escritos, passo três, quatro horas trabalhando num texto sem pensar se meus leitores hão de gostar, acho que por isso gostam. É uma espécie difícil de explicar de respeito a eles. Sim, como me disse Letícia Palmeira, escrever é trabalho, mas um trabalho que me extasia de tanto prazer que tenho cada vez que termino um texto que acho que ficou bom. Tenho vontade de encontrar o Lobo Antunes uma vez que seja na vida, para poder mandá-lo se foder, embora seja muito, muito fã dele, pois ele trata o escrever como um suplício. Deve ser alguma dorzinha de cotovelo por ter sido o outro português quem ganhou o Nobel, e não ele.

Mas era da senhora Mônica Carneiro que tratávamos, dela e de sua semi-crítica ao livro que compilei embasado nos textos aqui publicados. Não espero que todos gostem das coisas que escrevo, quem quer ser famoso deve mandar uma fita para o BBB vestindo um escandaloso fio-dental. Quem quer ser escritor deve ter a consciência de que, muito provavelmente, terá que passar o resto da vida trabalhando em alguma outra coisa para poder se sustentar. Coisa que faço, e com muito prazer, pois adoro meu trabalho.

O que realmente me instigou, foi a falta de comprometimento com a proposta por ela aceita, de fazer uma crítica dos livros que receberia, gostando ou não, mas uma crítica após a análise feita segundo seus critérios, da obra recebida. Ela não precisa gostar das coisas que escrevo, mas assumiu o compromisso de participar de um projeto com um objetivo específico.

Que descesse a lenha no meu livro, que dissesse que foi a pior merda já escrita na história da literatura mundial, que dissesse que escrevo mal, que dissesse que sou pornográfico, malicioso, apelativo, constrangedor, como de fato disse, mas que lesse até o final e fizesse a tal crítica em seu blogue.

Mas, ao invés disso, ela interrompeu a leitura do meu desbocado livro na metade, e me remeteu de volta o tal livro. Ou seja, não faltou comigo, faltou com o projeto que aceitou participar. Isso, para um funcionário caxias como assumidamente sou, é inaceitável!

Não espero que todos gostem das coisas que escrevo, mas espero que cada linha que eu digite, tire a pessoa do outro lado da tela – ou da página – da sua zona de conforto, que ao menos a faça pensar um pouquinho sobre coisas que, normalmente, seus valores morais a impediriam de pensar. Não se trata de provocação, e sim de reflexão.

Resumindo, para finalizar, citarei um trecho bíblico que gosto muito. Sim, eu já li a Bíblia, duas vezes, inteira! E gosto muito inclusive, os Salmos estão entre as coisas mais lindas já escritas. Isso não é sarcasmo, é verdade! E foi por tê-la lido que descobri que sou ateu. Pretendo começar a lê-la novamente este fim de semana. Está lá, em Apocalipse, capítulo 3, versículos 15 e 16:

“Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente; oxalá foras frio ou quente! Assim, por que és morno, e não és quente nem frio, vomitar-te-ei da minha boca”

Mônica, minha querida, beijo me liga!

terça-feira, 21 de junho de 2011

Noite difícil, dia suave


Já, já isso passa, ela disse.

Esfregou os olhos com as costas das mãos, arregalou-os, sentou-se ainda assustado na cama, Já, já isso passa, ela tornou a dizer, foi só um pesadelo.

Empapado de suor, buscou na cabeceira da cama o copo de água que trazia para o quarto todas as noites, enquanto recebia da esposa um afago nos cabelos amassados de quem passou as últimas horas de sono revirando-se na cama pela angústia do sonho ruim.

Nossa, que sonho esquisito, ele disse, Quer me contar?, ela perguntou, Quero esquecer, ele respondeu, Fique na cama, meu amor, vou na cozinha e preparo um chazinho para você relaxar, foi só um sonho, Eu te amo! Nossa, que você tenha mais pesadelos, há quanto tempo não te ouvia se declarando pra mim no meio da noite?, É sério, eu te amo, muito, mais que tudo, Eu também te amo, meu amor, muito, mais que tudo, Você é a mulher da minha vida, você sabe disso, né? Claro que sei, você também é o homem da minha vida, Eu nunca quero te perder, Você não vai me perder, meu amor, eu não sei viver longe de você, É sério, eu nunca quero te perder, Sonhou que eu morri, né? Não quero falar do meu sonho, Tudo bem, já passou, o sonho ruim já passou, fique aí, meu amor, já volto com o seu chazinho de camomila.

Quando ela voltou com a xícara fumegante, ele colocou-a ao lado do copo de água na cabeceira da cama, pegou a esposa nos braços e amaram-se durante a noite toda com uma paixão tão grande que, desde o nascimento do primeiro filho, havia deixado de ser um hábito.

O sol já dava seus primeiros bocejos de quem acorda ainda sonolento, quando os lábios de ambos enfim desgrudaram-se depois de todo o amor que impingira ao lençol ainda mais suor do que o sonho ruim havia impregnado no pijama dele.

As crianças ainda dormiam quando foram juntos ao chuveiro e, mais uma vez, amaram-se como a muito não se permitiam.

Beijou a esposa quando ainda não havia chego às avenidas o congestionamento pontual de todas as manhãs, despediu-se e entrou no carro para mais um dia. Já estou com saudades, disse antes de ligar o automóvel, Então volta logo, respondeu a esposa encantada com o surto de amor e paixão do marido acometido por temores noturnos.

De dentro do carro, ligou para o escritório e disse que chegaria mais tarde, pois tinha assuntos pessoais inadiáveis a resolver.

Tocou insistentemente a campanhinha do apartamento da outra, que sonolenta abriu a porta enquanto ainda fechava o roupão branco para cobrir o corpo semi-nu, vestido apenas por uma curta e sensual camisola, própria de quem está sempre preparada para a hora em que seu amado necessite dela e dos seus carinhos.

Precisamos conversar, ele disse, A essa hora?, É sério, precisamos conversar, Entra, você sabe que esse apartamento tem sempre as portas abertas pra você, Eu te amo, ele disse, Eu também te amo, você sabe, mas você veio até aqui a essa hora só para se declarar?, Eu não sei viver sem você, meu amor, Eu também não sei viver sem você, É sério, não consigo me imaginar sem te ver, Você não precisa se preocupar com isso, você não vai deixar de me ver, Mas eu não vou me separar da minha esposa, Eu nunca te pedi isso, sempre soube da sua condição, e tanto quanto você nunca me prometeu nada, eu nunca te exigi nada, estamos juntos por amor, não por formalidades.

E pegou a outra nos braços e amaram-se durante a manhã inteira com uma paixão tão grande como, desde que o adultério deixara de ser aventura para tornar-se rotina, já não se amavam. Antes que o sol se posicionasse exibido no alto do céu para deixar claro que era ele quem dividia as metades do dia, foram juntos ao chuveiro e, mais uma vez, se amaram como há muito não o faziam.

Almoçaram juntos no apartamento que já há alguns anos lhes servia de guarita, tocando-se as mãos entre uma garfada e outra para que ficasse claro ao ar que assistia a cena, que havia também carinho naquele amor tão sexual que reciprocamente ofereciam-se.

Despediu-se da outra e foi feliz ao trabalho, com meio período de atraso.

Quando o relógio indicava que em pouco menos de cinco minutos às três horas da tarde haveriam de chegar, a recepcionista da empresa ligou no seu ramal dizendo que havia chego uma encomenda para ele na portaria.

Desceu nervoso e, quando lá chegou, uma cesta enorme com cravos vermelhos, uma garrafa de vinho, duas taças e chocolates, acomodava-se vaidosa nos braços da mocinha da floricultura, vizinha à empresa.

Sorriu sem graça para a recepcionista, pegou a cesta e, sem ler o cartão, tirou-o do arranjo, rasgou-o e pediu que a recepcionista jogasse os restos do papel picotado no cesto do lixo. Mas você não quer saber quem foi que lhe enviou a cesta?, perguntou a mocinha da floricultura, Não, ele respondeu, já sei onde isso vai dar.

No fim do expediente, chamou um motoboy para que ele levasse o vinho, as taças e os chocolates até o apartamento da outra, com um cartão que dizia, Amanhã tomaremos este vinho no nosso café da manhã.

Voltou para casa, onde sua esposa tomara a iniciativa de mandar as crianças irem dormir na casa da avó, e lhe esperava com um vestido longo, justíssimo e com uma abertura atrevida em uma das pernas, deixando a vista muito discretamente a sua coxa bem feita, a mesa posta com alguma sofisticação, um jantar de cardápio especial e velas espalhadas pela casa.

Entregou para a esposa o arranjo enorme de cravos vermelhos, jantaram, amaram-se ainda com mais intensidade do que na madrugada anterior.

E, assim, sem permitir que jamais outro alguém interferisse naquela fidelidade torta que ele oferecia as duas mulheres da sua vida, viveram todos felizes para sempre.

Ele bastante cansado, é verdade, haja vista a dedicação que passara a dar à ambas as camas que quase diariamente visitava e tão bem o tratavam, mas, ainda assim, feliz para sempre.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O Marido


Bota mais uma, disse ao garçom.

Acomodado no vexatório estágio em que as sucessivas doses fazem do comportamento inconveniência, fazia piadinhas grosseiras para as mulheres que passavam por ele, colocando-se sob o constante risco da agressão que algum dos tantos acompanhantes destas mesmas mulheres pareciam dispostos a oferecer-lhe sem receber nada em troca. No máximo, o sangue de um dente quebrado, ou coisa parecida.

Apoiou o seu queixo sob a palma da mão esquerda, enquanto com a direita girava reflexivo o whisky do copo, lembrando dos tempos de namoro, como ela era linda. Lembrou de como ela lhe abraçou emocionada, já há muito tempo, dizendo que era a primeira vez que um homem lhe enviava flores. E lembrou do perfume que ela usava, do jeito que usava uma presilha simples e delicada para prender os cabelos sempre macios, lindos como era ela toda. Lembrou de como ela veio tremendo de medo, temendo ser repreendida pela inadequação do momento, já que passavam por severas restrições orçamentárias no segundo ano de casamento, contar-lhe que estava grávida pela primeira vez. Lembrou de como explodiu de felicidades quando soube que seria pai, e de que fora o filho o gatilho para que mudasse de vida, de trabalho, que fez com que se tornasse um profissional incansável, com coragem em abandonar um serviço de escritório para enveredar-se pelo mundo das vendas, pois sabia que só vendendo, ele mesmo poderia fazer o seu salário, e ganhar o suficiente para que nunca nada viesse faltar à ela e à criança que trazia no ventre. E lembrou de como passou a trabalhar ainda mais no dia em que soube que outra criança estava a caminho, e de como cada vez que chegava em casa, a via conversando com o pequeno primogênito, tentando convencê-lo de que ter um irmãozinho é coisa muito boa, e eles, os pais, não gostariam menos dele por causa do novo membro da família. E virou de uma só vez o copo de wiskhy, na expectativa de que o álcool da bebida amortecesse a saudade que sentia da esposa.

Bota mais uma, disse ao garçom.

Enquanto a bebida âmbar caía sobre o copo já sem gelo, tantas foram as doses, lembrou-se de que, embora a beleza dela fosse indescritível, das feições delicadas do rosto lindo ao corpo apetitoso como uma afronta à civilidade, fora o sorriso que o cativara. Um sorriso largo e branco, dentes de um alinhamento irretocável e uma luminosidade de comercial de pasta de dente. E lembrou-se de como, além de linda, ela trazia como itens de série também todos os aspectos emocionais e comportamentais que os homens sempre sonham em encontrar numa mulher. Lembrou-se de como ela se dedicava com afinco em aperfeiçoar cada vez mais seus dotes culinários para que, cada vez que ele voltasse, tivesse à mesa não um prato de comida, mas uma experiência gastronômica tão prazerosa que lhe fizesse esquecer nem que fosse por alguns poucos minutos, do stress que aquela vida tão corrida lhe enfiava goela abaixo. Companheira para todas as horas, compreensiva, carinhosa, inteligente, culta, ótima conversa, e, quando a urgência dos instintos lhe furtava a racionalidade, lá estava ela disposta a saciá-lo do modo como ele tivesse vontade. Lembrou que ela fazia isso por amor, e não sabia se alguma outra mulher o amaria daquele modo tão intenso, dedicado e verdadeiro. E virou de uma só vez o copo de wiskhy, na expectativa de que o álcool da bebida amortecesse a saudade que sentia da outra.

Bota mais uma, disse ao garçom.

No momento em que o garçom virava a garrafa para servir-lhe mais uma dose, sentiu uma sensação estranha e uma mão puxar-lhe o ombro esquerdo, dizendo, Fique tranqüilo, já, já isso passa, e arregalou os olhos cheios de susto e surpresa, ainda sem entender nada direito, quando deu-se conta que era ela que estava ao seu lado.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

A Esposa


Adivinha quem acaba de me ligar?

Chute, arrisque, pelo menos tente um palpite, vá que você acerte.

Você é bom em brincar com a sorte.

Tem certeza de que não vai sequer tentar?

Ela ligou.

Ela quem?

Tem certeza que você não sabe?

A outra.

Tua cara de desespero está ótima, como é bom te ver assim sem ação, logo você que tem sempre frase pronta pra tudo, tão eloqüente, oratória tão apurada, como é bom te ver indefeso. Não indefeso de desprotegido, indefeso de sem argumento.

Pare com isso, não precisa perder seu tempo tentando encontrar uma desculpa a pronta entrega, não gaste sua argumentação à toa, economize seu latim, não vai adiantar nada, não vai fazer diferença, não vai salvar a sua pele.

Não que eu não soubesse, você sabe, sempre soube que eu sempre soube. Mas, de um jeito meio masoquista, gostava da brincadeira de fingir que acreditava enquanto você fingia que me enganava.

Mas, antes, você era mais cuidadoso, dava pra tolerar. Agora ficou difícil.

Por que eu tolerava? Por que há muito deixei de te amar. Só não gosto de me expor, de virar assunto nas bocas desocupadas dos outros, preferia fingir que estava tudo bem.

Não meu querido, você não escutou errado, eu realmente não te amava mais, já fazia muito, muito tempo. Não é possível amar quem não nos respeita, e respeito é algo que há tempos você já não me oferecia. Mas me oferecia conforto, a troca valia a pena. Te presenteei com minha indiferença em troca do cartão de crédito, desta casa, do carro que é só meu, minha gastança desmedida era minha vingancinha particular. Adorava ver tua cara de preocupado todo fim do mês só por causa dos meus excessos, da minha indenização outorgada a mim por mim mesma.

Não fique preocupado, essa faca na minha mão não é para você. Eu estava preparando o jantar que você não vai comer.

Estou quase emocionada com estes olhos marejados. Você fica engraçado chorando. Se o seu amor já não era convincente, imagine o seu arrependimento.

Chega! Pare de gaguejar, fica feio pra você, não combina, sempre tão seguro de si, não combina.

Fique tranqüilo, já falei, esta faca não é para você. Não vou fazer picadinho de você, embora você mereça. Minha vingança começou faz tempo, já disse. Só vai ser um pouquinho mais severa a partir de agora.

Sim, eu penso nas crianças, mas não se preocupe com elas, vou tomar todas as providências para que você continue oferecendo a elas todo o conforto do mundo. Mais, inclusive, do que tiveram até agora.

Eu não preciso pensar melhor, não preciso pensar com calma, eu estou calma. Você é quem está nervoso, não eu.

Não, você não pode ficar nem mais um minuto. Não precisa arrumar suas coisas, você terá que comprar coisas novas. Doei tudo o que era seu há pouco mais de meia hora. Sim, tudo, tudinho mesmo. Seja lá quem for receber, certamente não vai se importar em desfilar com um rolex usado. Sim, sim, sim, sua coleção de relógios também foi doada.

Abaixe a voz, você não tem o direito de levantar a voz pra mim. O melhor que você pode fazer é ficar com a boca bem fechada, assim este hálito que exala o cheiro podre da sua essência não vai empestear o ar da minha casa. Sim, minha casa, minha, só minha, ou você acha que algum juiz vai desabrigar uma mulher traída e seus dois filhos em favor de um adúltero?

É claro que eu posso provar, ela se prontificou a ser minha testemunha. Vai querer me desafiar? Não acho que seja prudente, mas é você quem sabe, depois arque com as conseqüências.

Não me interessa o que você vai fazer, sua vida já não é mais da minha conta. Volte para ela, se bem que acho que nem ela te quer mais. Mas, segundo o que ela falou, tem uma outra na jogada, outra além dela, não é mesmo?

Então, alugue uma casinha pra vocês dois, uma casinha com jardim, bem romântica, com cerquinha branca, cortinas cheias de babadinhos. Plante os seus cravos vermelhos no jardim da sua casinha.

Sim, eu sei dos cravos vermelhos. Você não ficou todo vaidoso com a cesta de flores que recebeu? Então, abra o vinho que, segundo a outra, é vagabundo, e brinde com a sua nova vagabunda.

Não se preocupe comigo, eu não vou chorar por você, não vou sofrer por você. E, mesmo que sofra, o seu dinheiro me pagará um psicólogo, um dos bons, um dos bem caros. Farei cem anos de terapia financiada pelo seu dinheiro, se achar que preciso. Mas não vou precisar, o que não significa que você gastará menos comigo.

Corra para a menininha dos cravos vermelhos, antes que eu mude de ideia quanto a utilidade que vou dar para esta faca.

Brincadeirinha, fique tranqüilo. Já me sujei com o seu sêmem, não vou me sujar com o seu sangue.

Não, meu querido, nós não vamos mais conversar. Nunca mais.

O meu advogado, que você vai pagar, irá conversar com o seu advogado, que também será pago por você.

Agora chega, vá embora que eu preciso terminar o meu jantar.

E não bata a porta, se não você terá que pagar o conserto.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

A Outra


E daí? E daí? E daí?

Mil vezes: e daí?

E daí que ela te mandou uma cesta linda, enorme, com cravos vermelhos, com uma garrafa de vinho, com taças, com chocolates, e daí? Me responde, e daí?

E daí que você ficou desfilando pelos corredores da empresa com aquela cesta medonha, só para que os outros vissem você com ela nos braços e pensassem que você é o rei das mulheres, o fodão, por que só um cara muito, muito bom para fazer uma mulher lhe mandar flores no meio da tarde, no trabalho. E daí?

Me responde, e daí?

Isso não faz dela mulher pra você, mulher a tua altura!

Um vinho vagabundo! Ela nem conhece os seus gostos, ela nem sabe escolher vinhos, o que você pode querer com uma mulher dessas? O que você vai querer com uma mulher que te manda uma cesta com um vinho da serra gaúcha, um vinho doce, um vinho que mal serve para fazer sagu?

Ela não sabe que você é casado?

Você não disse pra ela?

Deveria ter dito!

Você é casado! Você tem uma mulher que te espera todos os dias em casa, de banho tomado e comida na mesa, uma mulher que é louca por você, que aceita a sua falta de cuidado, a sua falta de carinho, as suas bebedeiras, as suas aventuras, os seus casinhos, faz que não vê, finge que acredita que você estava trabalhando quando chega tarde em casa, finge que não percebeu o perfume da outra no teu pescoço.

E daí que os cravos te surpreenderam? Isso não faz dela mulher pra você!

Você é casado, você deveria ter esfregado isso na cara dela!

Duvido que ela desse bola pra você se soubesse que você é casado!

Ela deve ser uma dessas putinhas metidas à santa, que faz cara de menina comportada, mas que adora ficar se esfregando nos homens das outras. Mas ela não é putinha coisa nenhuma!

Eu sou a tua putinha!

Eu, só eu!

Não é assim que você gosta de me chamar?

Então, eu sou a tua putinha, ela nunca vai fazer por você o que eu faço!

Eu aceito qualquer coisa para ver você feliz, realizado, extasiado.

Mulher nenhuma se sujeitaria as coisas que eu me sujeito só para te ver sorrir no final!

Aonde você vai?

Volte aqui, você não pode ir embora!

Você não pode ir embora!

Você não pode me deixar, depois de todas as coisas que eu fiz por você, depois de todas as baixezas a que eu me sujeitei só para te ver sorrir no final, você não tem esse direito!

Volte aqui, por favor, não vá embora, eu alugo um helicóptero e faço chover dez toneladas de cravos vermelhos sobre o teu trabalho, eu compro uma adega inteira de vinhos franceses, de vinhos espanhóis, italianos, portugueses. Carmenere, eu sei que você gosta. Compro Pinot Noir, prometo!

Não vá embora, por favor...

Você é casado, você devia ter dito isso a ela, isso não é direito, você não pode ir embora...

Ela jamais te aceitaria se soubesse que você é casado...

Eu aceito!

Eu sou a tua amante, não ela!

Volte aqui, não vá embora, por favor...

Volte aqui...

Não vá embora...

Por favor...

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Horóscopo


Deve ser culpa do meu horóscopo.

Ele me havia prometido um amor para aquela quarta-feira, um amor de virar a cabeça, de me tirar o sono e fazer, quem sabe, com que finalmente eu te esquecesse. Desde que eu desse prioridade para o verde na hora de me vestir naquela quarta-feira. O horóscopo me garantiu também alguns trocados vindos de surpresa, meu bolso tá mesmo precisando. E disse que eu deveria cuidar da saúde, dar uma olhada com mais cuidado na minha alimentação. Li este alerta às sete da manhã, comendo um bolinho de carne gorduroso com pimenta e mostarda, e uma coca-cola que, mesmo o garçom tendo me garantido que estava trincando de gelada, deveria estar mais quente do que o café preto que serviram para o velho que sentou do meu lado e não tirava os olhos do meu decote.

Meus peitos ficaram lindos depois do silicone, talvez você nem me reconhecesse.

Preferia que meu horóscopo dissesse algo como: “Com a lua passando pela terceira casa, seu trânsito astrológico indica que você esquecerá para sempre que um dia aquele cachorro passou pela sua vida”. Mas, embora o horóscopo costume tentar ser gentil, me dizendo sempre coisas agradáveis e que, de um modo geral, eu até gosto de ler, ele não foi capaz de garantir uma amnésia teleguiada para a sua existência.

Tem mostarda no seu queixo, ele disse. Acho que era ele que o horóscopo tinha arranjado para tentar fazer com que eu te esquecesse.

Eu sorri envergonhada, limpei o queixo com aquele guardanapo de boteco, muito bom para fechar baseado, e virei a página do jornal para a parte de economia, para que ele não pensasse que eu era uma dessas mulheres bobinhas que não saem de casa sem ler o horóscopo para saber com qual cor devem se vestir, embora eu fosse mesmo uma dessas. Estava com um vestidinho que é uma graça, sabe daqueles que parecem vestidos de menininhas comportadas, mas com um decote generoso para deixar claro que a menina comportada é gostosa? Então, era um desses. Verde, o vestidinho, conforme determinou o meu horóscopo que seria adequado para aquela quarta-feira.


Desculpe a invasão no seu lanche, mas qual o seu nome? Ele perguntou, eu disse.

De quê? Ele retrucou.

De quê o quê? Eu retruquei.

Seu sobrenome. Ele perguntou, eu estranhei, mas disse.

Você não é daqui, né?

Sou de Porto Alegre.

Tá explicado.

Fiz cara de quem não entendeu nada, a cara que ele estava esperando que eu fizesse, e emendou sua cantada que deve ter dado um trabalhão do caramba para elaborar.

É que se você fosse daqui, depois do teu sobrenome já haveria também o meu, estaríamos casados, com filhos e tudo. Eu quero quatro, e até antes de entrar neste bar isso era inegociável, mas aceito rever a quantidade se você quiser menos, só não abro mão de que seja você a mãe deles.

O mal estar que aquilo me causou deve ser similar ao que sentem os homens quando levam um chute no saco. Dessa vez eu não sorri, só pedi a conta.

Sei que a cantada foi horrível, ele disse enquanto eu tirava a carteira da bolsa para pagar meu saudável café da manhã, mas é que essa foi a cantada que o Noel Rosa usou para chamar a atenção do grande amor da vida dele. Já que não sei fazer um samba igual aos que ele fazia, para te oferecer, só me restou tentar a cantada que ele usou.

Dessa vez eu sorri. Achei bonitinho. Gente fina, o horóscopo, se deu o trabalho de me arranjar um cara que gosta de Noel. Não só o que ele falou era bonitinho, ele próprio era bem interessante, como diriam as minhas amigas, o meu número. O problema é que eu olhava para aquele cara interessante, conhecedor de Noel, mas no rádio do bar o Xororó me fazia lembrar de você, cantando, “Quando digo que deixe de te amar, é por que te amo / Quando digo que não quero mais você, é por que eu te quero...” . Horóscopo devia vir também com trilha sonora, como ele vai me ajudar a esquecer de você com uma música dessas?

Mas resolvi dar uma chance para o carinha do Noel, vá que eu me apaixonasse. Dizem que quando estamos apaixonados esquecemos de todo o resto. Vá que eu esquecesse até de você.

E, vou dizer, as coisas iam até evoluindo satisfatoriamente bem, o carinha do Noel é realmente bem legal. Inteligente, divertido, tem algum dinheiro, um carro legal, e é bem bonzinho na cama. Achei até que conseguiria me fazer esquecer você. Talvez, por alguns momentos, até tenha conseguido. Até sábado passado, pelo menos.

Admito, a culpa não foi do meu horóscopo, foi minha mesmo. Eu cometi a loucura de sair de casa sem ler o meu horóscopo. Tivesse lido, ele teria me alertado que aquele era um bom dia para ficar em casa, fazer programas mais intimistas. Mas não li e, imprudente que fui, saí de casa, fui à uma festa, um churrasquinho na casa de um amigo de uma amiga de um conhecido qualquer. Mais imprudente ainda, saí de vermelho, quando o sábio horóscopo me indicava usar azul. Deve ter sido por isso que tudo desandou e, hoje, não faço nada além de ficar aqui chorando por sua causa.

Sei que fui eu quem te abandonou, eu que te deixei pra trás, que mudei de casa sem te dar meu novo endereço, mas não estava preparada para te ver nos braços de outra. Pior, você estava feliz nos braços da outra. Como você tem coragem de ser feliz longe de mim? Quanta ingratidão...

É horrível o que eu vou dizer, mas preferia saber que você morreu, do que saber que você está nos braços de outra. Nenhuma outra jamais será capaz de te dar um amor igual ao meu! Tudo bem que fui eu que te abandonei, mas isso não significa que eu não te amasse. Eu estava sofrendo, você não tinha o direito de estar feliz! Pior, quando vi você, no susto da surpresa chamei seu nome, você virou para mim e se mostrou feliz em me ver. Como você teve coragem de ficar feliz em me ver, se estava tão feliz nos braços dela? Ou o seu sorriso era algo irônico, algo sarcástico, como quem diz, Tá vendo, você não me quis, agora tenho alguém que me quer. Que fizesse ao menos uma cara de magoado, que estivesse com raiva de mim, não com aquela expressão de alegria por me ver, mas deixando claro que não vai voltar pra mim.

Voltei pra casa desolada, inconsolável. Minha mãe tentou me acalmar, eu só chorava. Aliás, só choro. Não que isso vá mudar alguma coisa, mas que fique registrado que há quatro dias que eu só choro por sua causa. Minha mãe me perguntou se eu tinha certeza que era você mesmo, se não era um outro parecido com você, mas não, eu sei que era você.

Ela pegou as fotos nossas, pelo menos aquelas que não foram perdidas na mudança, para eu ver bem os detalhes e ter certeza se era mesmo você quem eu vi nos braços daquelazinha. Depois de ver as fotos, tive mais certeza ainda, a mancha branca no focinho, o pelo marrom, o rabo cortado, as patas traseiras meio tortas.

Sei que fui eu quem abandonou você, mas você não tinha o direito de ser feliz sem mim. Você deveria entender, como eu poderia criar um Pit Bull num apartamento de dois quartos?

Desculpe o egoísmo, mas eu preferia que você tivesse morrido a te ver nos braços de outra.

Você não tinha o direito de ser feliz sem mim!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Outono


Era como se tivesse estacionado o seu coração num outono sem fim.

Fria, como deve ser uma boa tarde de outono, mas, ainda assim, uma frieza de céu azul. Como deve ser uma boa tarde de outono. Como querendo simular alguma espécie de calor humano que já não acreditava possuir.

Não o frio irremediável do inverno, quase sempre cinza e chuvoso, como se naquela época do ano deus se lembrasse de algum amor perdido, e fizesse desabar sobre o mundo a chuva de suas lágrimas divinas e o cinza nublado de sua fossa eterna.

Também não o céu azul e quente do verão, como se naquela época do ano deus se lembrasse da primeira vez que sentiu paixão, e na chama do sentimento que o consumia, fazia desabar sobre o mundo seus mais impiedosos raios ultra-violeta, para que o asfalto ardesse como ardia no seu sacro-santo peito o sentimento maior que toda a criação que faria e desfaria tantas vezes quantas lhe parecesse conveniente.

Do mesmo modo, o céu azul e ameno da primavera, como se naquela época do ano deus tivesse pego sua paixão de verão e transformado num sentimento melhor, que viria a atender pela alcunha de amor, não retratava com a menor fidedignidade os cacos emocionais que ela trazia no peito, as desventuras repetidas marcadas na alma como cicatrizes feias.

Não eram estas outras três estações, o retrato sequer aproximado do amontoado de desilusões que trazia no peito.

E, assim como o outono disfarça seu frio na pele fina do céu azul, escondia a alma triturada atrás de seios ainda lindos, apesar de já um bocadinho flácidos. É que o tempo, este vilão de atitudes torpes, alheio aos sentimentos e às estações do ano, não sente frio nem calor, apenas uma atração doentia pela lei da gravidade, e trata de puxar com toda a força que lhe está ao alcance das mãos, as coisas para o centro da terra.

Era como se tivesse estacionado o seu coração num outono sem fim.

E, para cruel entretenimento da coincidência, foi numa noite de outono tão fria quanto a mais mal intencionada das noites de inverno, que ela o conheceu.

Tão bonito, ele era.

Tão educado, ele era.

Tão gentil, ele era.

E parecia verdade as promessas feitas em tom de pedido.

Contudo, àquela altura da vida, promessas lhe pareciam calos indiferentes ao conforto do melhor sapato, vão doer e ponto final.

Gostaria muito de acreditar, mas as cicatrizes feias da alma a impediam de dar crédito a quem quer que fosse, mesmo a ele, tão bonito, tão educado, tão gentil, como se seu peito trouxesse a placa negra com letras tortas escritas com giz branco, Não aceitamos fiado.

Era mais ou menos assim que se sentia, a balconista de um boteco sujo que servia aos clientes seus sentimentos deteriorados, com validade vencida a eras, cervejas de má qualidade abrigadas em garrafas de rótulo bonito.

Refutou qualquer tentativa de condolência da parte dele, pois sabia que, naquela família, ela não era mais do que uma estante velha passada de pai para filho.

Ainda estavam distantes os quinze anos, mas, mesmo assim já não alimentava a ilusão do baile de debutantes, ela foi oferecida pela própria mãe por uma quantia mínima de trocados, talvez o suficiente para alimentar a família por uns dois meses, talvez não tanto, ao avô, que nada tinha de bonito, educado e gentil, e que fez dela uma mulher às pressas. E, vendo a mãe que ali havia uma fonte de renda suficientemente generosa para as compras do mês e a pinga do pai, tornou o acaso em rotina, alugando a filha como quem oferece o quarto dos fundos.

Quando o avô concluiu na sua sabedoria suja que era chegado o momento do seu filho, então com quinze recém completados, tornar-se homem, voltou à pequena que havia deflorado, para que fosse ela a responsável pela inauguração do seu varão.

E, depois de ter sido estante do avô, que a passou ao filho, hoje homem de respeito, ostentando a todos a dignidade putrefada da hipocrisia, havia chego a hora dele, o neto, tornar-se homem nos braços daquela que um dia fora uma jovem linda, e agora não passava de uma sombra meio bonita da juventude que um dia teve, assim como o outono frio de céu azul é uma sombra da beleza radiante do verão.

Todavia, diferente dos dois primeiros, ainda que de experiência nula na arte das alcovas, ele ofereceu a ela algo que não estava habituada: respeito. Do mesmo modo, diferente dos outros, ele parecia preocupado com o que ela estava sentindo. Sabia que tinha a obrigação de sair daquele quarto com a ereção plenamente consumida pela estante, hoje já velha, mas ainda bonita. Contudo, desde o primeiro momento, demonstrou estar muito mais preocupado em oferecer a ela alguma satisfação, algum cuidado, do que em realizar-se como homem.

E foi gentil, e foi cuidadoso, e foi carinhoso, e foi preocupado com ela. E propôs a ela amor, que para ela era sinônimo de trepada, mas, por alguns mínimos instantes, ele a fez crer que o significado daquele amontoado de vogais e consoantes tinham algo de bonito, não apenas de urgente.

Quando findado o ato, ele a quis para si. De um modo diferente do que tivera há minutos atrás. Não queria o desafogo dos hormônios, queria o aconchego da mulher. Queria a mulher. E pediu que fosse dele, ela disse o preço, ele falou que não se tratava de escambo, mas de amor.

Ela riu.

Ele pediu de novo.

Ela riu de novo.

Ele implorou.

Ela pediu que deixasse o dinheiro na cabeceira da cama e fosse embora.

Ele passou uma das mãos sobre a tintura esforçada em disfarçar os primeiros fios brancos daqueles cabelos tão lindos, beijou-lhe as rugas da testa, e disse, Não sou meu pai, não sou meu avô, você jamais será para mim o que foi para eles.

E partiu.

E não voltou.

Ela passou os vários anos que ainda teve que suportar, vivendo no seu outono eterno de ar gelado disfarçado pelo céu azul que antecipa as lágrimas divinas da fossa eterna do inverno.

Ele passou os vários anos que ainda teve que suportar, vivendo seu verão eterno de ar tórrido e céu de um azul lancinante, revoltante, a despeito da dor negra que trazia no peito.

Aquela noite de outono foi o mais próximo que ela teve do amor.

E por ser o verdadeiro amor o que ele teve naquela fria noite de outono, jamais aceitou dividir sua cama com outra mulher, sofrendo até o último dos seus dias no calor tórrido daquele verão que trazia no peito.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Final feliz


É com dolorido pesar que recorro ao tema da perda de alguém querido.

Há meses atrás fiz um texto sobre o namorado de uma amiga minha muito especial, que na pressa típica que se tem aos 26, partiu cedo demais.

Hoje, volto ao tema com o coração partido e ainda sem entender a brutalidade da vida.

Acho que nunca entenderei. Se já abandonei há tempos a vontade de entender a brutalidade dos homens, que dirá da vida.

Acontece que no último domingo, dia 29 de maio, minha irmã me ligou dizendo que haveria um almoço na casa da minha mãe, acontecimento difícil de recusar, pois além da companhia divertida da minha família, há sempre o sabor da minha mãe. Sinto por todos aqueles que não terão o privilégio de experimentar os dotes culinários de Dona Teresinha, mas duvido que haja outra pessoa no mundo, homem ou mulher, com tanto talento na culinária quanto ela, é assombrosa a facilidade com que ela transforma ingredientes banais em obras de arte.

Mas, apesar do tentador convite, declinei, pois já havia me comprometido com alguns amigos muito queridos de ir a um almoço com eles. Era um grupo pequeno de amigos, seleto, pessoas tão boas quanto divertidas e interessantes, recebidos com o carinho corriqueiro com que sempre somos recebidos por Ana Carina e seu marido, Jean Mafra.

Dia do jeito que eu gostaria que fossem os 365 que preenchem o calendário, céu azul e ar gelado.

Já falei do Jean um punhado de vezes neste espaço, é sem dúvidas uma das pessoas que mais admiro, e, mais do que isso, um dos amigos que espero ter até o fim da minha vida sempre preto de mim.

Mas talvez tenha cometido a indelicadeza de nunca ter falado da Ana Carina.

Conheço a Aninha antes mesmo de ter conhecido o Jean, estudamos juntos na época das espinhas, grupo de jovens e namoro atrás do ginásio durante as gincanas do colégio. Já tentei algumas vezes, mas não sei se consegui deixar suficientemente claro o quanto gosto dela.

Na época em que estudávamos juntos, Jean cortava o cabelo do meu irmão, tinha uma banda chamada Psicosapos, eu tinha uma banda chamada Boi Verde (ambos os nomes inspirados na ideia divertida de juntar bichos ao rock, originada no interesse comum pela banda Pato Fu), e alimentava um profundo apreço em odiá-lo. Tudo por que, certa vez, ele escreveu num pasquim qualquer que um show do Dazaranha seria mais divertido do que um do Pink Floyd. Aquilo mexeu com meus brios.

Ana Carina não achava nada demais no Jean.

Mas, um dia, eles se apaixonaram.

Outro dia, eles namoraram.

Outro dia, eles casaram.

E, hoje em dia, são o casal mais lindo que eu conheço, de uma pareceria e cumplicidade rara, admirável. Entendem-se e respeitam-se de uma maneira que, se fosse comum a todos os que habitam esse planeta em fase terminal, o tal do planeta seria certamente um lugar muito melhor para se viver.

Acontece que, desde antes do Jean surgir, vez ou outra eu freqüentava a casa da Aninha. Existe em algum lugar do passado, uma foto dela me segurando no colo, na sua festa de 15 anos.

Acontece que, desde esta época que data lá de um pouco antes da metade de anos que hoje carrego nos ombros, os pais dela sempre cultivaram o hábito de receber quem quer que fosse com um sorriso no rosto. Com alegria. Com carinho.

A casa da Aninha sempre foi um lugar que, uma vez convidado, você moveria céus e terra para estar presente, pois saberia que sairia de lá muito mais feliz do que entrou, de tão bem acolhido que sempre se é.

Acontece que, boa parte desse aconchego que a casa dela sempre ofereceu, estava no sorriso largo e luminoso do seu Normélio, ou, Normeletas, como carinhosamente Jean o apelidou.

Acontece que, no último domingo, aquele dia lindo de céu azul e ar gelado, Normeletas nos preparou, junto com as filhas e filho, um irrepreensível entrevero, prato lageano delicioso.

Ofereceu também uma cachacinha especial que ele guardava para oferecer aos que ele queria bem.

A salada servida fora plantada por ele. Procure a melhor do supermercado, não vai chegar nem perto.

Proporcionou aos privilegiados convidados, tão habituados a pressa cotidiana da internet e dos fast-food nosso de cada dia, a delícia do sabor da infância, ao descascar duas toneladas de cana, e fazer com que todos provássemos o doce que brota na horta que ele cultivava com tanto carinho quanto recebia os convidados.

Acontece que ele brincou com a pequena Bruna, uma menina linda a espera do irmão que curte as últimas semanas do conforto do ventre materno.

Acontece que ele recusou o convite de estar em Brusque ao lado da esposa, outra pessoa linda que nos recebe sempre com os braços abertos e sorriso no rosto, pois queria estar com os filhos e os amigos destes.

Acontece que na noite de segunda ele dormiu ao lado da esposa contando como estava feliz pelo domingo passado ao lado dos filhos.

Acontece que, as 05:00 da manhã de terça, segundo o que me contou Jean, diferente do que era do seu costume, ele esqueceu de acordar.

Acontece que, quando a Maittê me ligou dizendo, O pai da Ana Carina morreu, eu pensei, Não, você está enganada, ele estava comigo no domingo, forte, alegre, sorridente, brincalhão, deve ser outro pai, não o dela.

Acontece que eu estava errado. Era ele mesmo.

Ontem a noite eu fui a um lugar que não ia há muito tempo, uma igreja. Sou ateu, como já deve ter ficado claro muitas vezes em meus textos pessoais e contos, mas fui lá para estar perto dele, que era tão querido e sempre me recebeu tão bem, uma última vez. E também para dizer aos que ficaram que, por mais pessoas que já tivessem dito o mesmo, se precisassem, que contassem comigo.

Fiquei triste pela despedida, mas estranhamente feliz por perceber que, por mais dor que uma perda cause, havia na atmosfera uma resignação bonita de que, apesar da inevitável dor, ele foi uma pessoa muito feliz, tão feliz, que os que estavam ao seu redor eram felizes também. São felizes também, por que foi assim que ele sempre ensinou que se deve viver: feliz.

E eu, que sou escritor, vi o rosto de cada um dos filhos como um capítulo lindo que ele escreveu a quatro mãos ao lado de sua esposa, dona Dilma. E vi também, nos olhos inchados e doloridos das pessoas que quero tanto bem, a certeza de que, assim como um livro lindo que terminamos de lê-lo com profundo pesar, por sabermos que dificilmente encontraremos uma história tão bonita facilmente, aquela história encerrava-se com um final feliz.

Feliz como aquele domingo que já me mata de saudade, com céu azul, ar gelado e doce como a cana do quintal do seu Normélio.


(PS: A foto que estampa este post-homenagem, foi tirada no último domingo, dia 29, do lado esquerdo minha querida Aninha, no centro o delicioso Entrevero, e no lado direito o já saudoso seu Normélio.)