sexta-feira, 29 de abril de 2011

Caderninho


Maria, tá difícil, não sei qual que escolho...

Você devia estar feliz por isso, a maioria das mulheres só têm uma ou duas opções, e quando escolhem normalmente escolhem errado e acabam cagando com todo o resto dos seus destinos.

Mas eu também posso escolher errado e, com isso, cagar não só o meu destino, mas o dele também.

Pelo menos você tem várias opções, se errar, terá a desculpa de ter sido pelo excesso, não pela falta.

Me dá uma luz, Maria, me ajuda, você só tá piorando as coisas.

Alex, lembra dele?

Alex metralha? Se lembro, quase morri afogada. Mas não, Alex não. Jovenzinho demais, cheio das gírias. Na verdade nem era tão jovenzinho assim, mas vivia cheio daquelas gírias jovenzinhas, vivia largando as faculdades pela metade para entrar em uma outra nova, só para ser o mais velho da turma e ter mais chances com as menininhas. Além do mais, era gaúcho. Gaúcho não rola. E torcia para o Grêmio. Não dá para confiar num homem que gosta de grudar no alambrado para ver a avalanche descer, e ainda tem o Danrlei como ídolo. Sem contar que, a última das faculdades que ele entrou, era Design. Porra, gaúcho e designer, aí não dá, né?

Alex descartado, teus argumentos são irrefutáveis.

Ai Maria, não sei o que faço.

Décio?

O triatleta da terceira idade? De jeito nenhum!

Jean, você gostava do Jean.

O Jean era legal, o que incomodava era aquela mania dele querer as minhas calças emprestadas para tocar nas festinhas modernosas por aí. Jean também não, sei lá, ele rebolava mais e melhor do que eu, como escolher uma sina dessas?

Isso para não levar em consideração o fato de que ele ia acabar com os seus esmaltes todos.

Então, Maria, como escolher Jean? Ele pintava mais as unhas do que eu! O que eu faço, Maria, o que eu faço?

Rodrigo, rá, esse não tem erro!

Você diz isso por que sua memória é fraca. Aquele lá gostava mais de discutir a relação do que de sexo. Nunca entendi aquela obsessão por D.R., puta que o pariu! Quando não nos encontrávamos, até por email ele discutia a relação. Até pelo blogue ele já deu um jeito de discutir a relação. Não, Rodrigo nem pensar! Sem contar que, porra, quase quarenta anos na cara e ainda com aquelas ideias adolescentes de meter a mochila nas costas e dar uma de aventureiro na Europa, porra, isso é legal quando se tem dezessete, não quarenta.

David, ele era legal.

Isso por que não foi você que teve que viver com ele. Além de ser libriano e, conseqüentemente, nunca saber o que quer da vida, ainda era mau-humorado como o cão. Falava mal de tudo, o Saraiva perto dele era um docinho de côco. Ser grosso, mal educado, é uma coisa, o David transcendia todos os limites da impaciência. E isso com pouco mais de trinta, imagine quando ficar velho. Não, David não.

Ok, você me convenceu. De fato,se você pode escolher, não tem por que optar por uma sina de mal humor vinte e quatro horas por dia. O nome pode ser um carma, deixa o David de lado.

Mas tenho que escolher, Maria, estou ficando velha, daqui a pouco meu tempo se esgota, tenho que decidir logo antes que seja tarde demais.

Ronnie, esse era perfeito!

Maria, Maria... Ronnie? Você deve estar de brincadeira com a minha cara. TÁ MALUCA, MARIA, RONNIE? CARALHO, MARIA, RONNIE????

Ei, calma, não precisa ficar nervosa, foi só uma ideia.

Isso por que não foi você que teve que agüentar aquelas crises de insegurança o tempo todo, aquela coisa de dizer que me amava, mas era só a ex-esposa estralar os dedos e o idiota voltava correndo! Até quando a ex ligou perguntando de uma porra de uma panela, ele entrou em crise, achando que ela queria cozinhar para outro. E, provavelmente, queria mesmo. Devia estar preparando uma bela rabada! Porra, Maria, o Ronnie usava camisa pólo listrada! Camisa pólo listrada e com brasão no peito, Maria. Isso quando não se vestia de coelhinho para alegrar as criancinhas na páscoa. Não, Maria, Ronnie não, sem a menor chance! Camisa pólo, Maria, pólo listrada, Maria. Sem chance, sem a menor chance!

Ah, então vá no óbvio.

Pensei nisso também, mas é que é tão feio.

Fazer o quê, mas é justo que seja.

É, de certo modo, justo até que é.

Então, qual o problema?

É que vai ser foda chamar meu filho de Edcarlos Francisco.

Mas se é ele o pai, qual o problema?

O problema é que esse nome é feio pra caralho!

Coloque “Junior” no final, ele vai ser para sempre Júnior e ponto final.

É verdade. Sem contar que o Edcarlos é nota 10! Não tenho o que reclamar do meu amorzinho!

Então, vai ficar procurando o nome do teu filho nos homens do teu passado pra quê? Brindemos ao Júnior!

Isso mesmo, um brinde ao Juninho, e que se fodam os outros!

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Sul da Ilha


Só não pense que eu não te amo, por favor.

Eu te amo pra caralho!

Foi em maio de 92 que eu decidi, vou ser jogador de futebol.

Mais lá para o fim do ano, eu veria o Junior fazer uma das mais espetaculares partidas de futebol que um jogador de futebol já jogou, e mesmo o Botafogo tendo um time infinitamente superior, mesmo o Botafogo tendo feito uma campanha brilhante, muito melhor do que a do Flamengo, graças ao Junior, quem ergueu a taça foi o rubro-negro. Junior era foda. Queria ele no Figueira. Mesmo hoje, grisalho e apêndice do Globo Esporte, queria ele no Figueira. Seria melhor do que o Ygor. E o Ygor é foda, você sabe.

Só não foi a melhor partida que eu vi um jogador jogar, por que em 98 eu vi o Zidane. É que brasileiro é um bicho escroto, e para justificar a perda numa final de Copa do Mundo, precisa inventar teorias da conspiração para o chilique do Ronaldo. Podia ser o Pelé de 58, nem ele daria jeito. O Zidane acabou com o jogo. Só deu Zidane. Nem o Clébão nas quartas de finais da Copa do Brasil de 2005 contra o Corinthians, daria jeito. Nem com a cabeça ensaguentada, faixa branca tingida de vermelho pelo sangue do negão, nem o Clébão daria jeito. E isso que ele fez o gol da classificação. Nos pênaltis. Clébão era ótimo no Palmeiras, mas foi melhor no Figueira. Zidane acabou com o jogo. Pelé é o caralho! Maradona é o caralho! O melhor jogador de todos os tempos foi o Zidane. Melhor que o Fernandes, por incrível que pareça. Parecia que ele olhava par aos lados e pensava, Puta que o pariu, não vai aparecer ninguém do meu nível para jogar comigo? Isso, ele pensava no Real Madri, com Ronaldo e o caralho do seu lado. Zidane era foda. Talvez só o Junior contra o Botafogo pudesse jogar do lado do Zidane. Zidane era foda!

Só o Junior não, por que teve maio de 92 antes disso.

Em maio de 92, Maraca lotado, e o Neto acertou um foguete quase do meio de campo na forqueta, indefensável. Nem o Wilson, e o Wilson é foda! Pergunte para qualquer torcedor do Figueira, o Wilson é foda! Melhor do que o Edson Bastos, e ele já era foda. Não sabia sair do gol, mas era foda. O Wilson sabe sair do gol, ele é foda pra caralho!

Nunca na história do futebol mundial, alguém cobrou falta sequer parecida como o Neto cobrava. De longe, de perto, com força, com jeito, o Neto era foda. Foda!

Mas, como aquela de maio de 92, nem mesmo ele seria capaz de repetir. Nem o Zidane. E o Zidane era foda!

Aí, decidi ser jogador de futebol. Cobraria faltas melhor do que o Neto. E, mesmo sendo destro, passei a chutar a bola no muro da minha casa somente com a perna esquerda, até fazer com que ela prestasse para alguma coisa. Até que, um belo dia, de fato, minha perna esquerda passou a funcionar melhor do que a direita. Só para parecer o Neto. O Neto poderia jogar no Figueira junto com o Junior. Talvez, o Neto colocasse o Fernandes no banco. Talvez.

Estava feliz pra caralho por que a Mocidade Independente de Padre Miguel havia sido bi-campeão do carnaval, mas só pensava naquela falta do meio de campo. O Neto era foda!

Mas, tanto quanto ele era foda, não demorei para perceber que não tinha nascido para jogador de futebol. Se um jogo fosse feito só de cobranças de faltas, eu teria sido maior do que o Pelé. Não maior do que o Neto, mas maior do que o Pelé. Colocava a bola onde queria, mas sempre tive preguiça de correr, sempre fui meio lento. Mas minha cobrança de falta era magistral, não melhor do que a do Neto, mas pau a pau com a do Junior, que também era foda. Na falta, embora nenhum flamenguista admita, era melhor do que o Zico. O Junior era foda!

Com a direita, eu batia colocado, quase sempre na gaveta, precisão invejável. Com a esquerda, um foguete do caramba, tadinhos dos goleiros. E me tornei ambidestro, multifacetado, cobrança de falta era comigo. Mas jogo de futebol é corrido, e para correr nunca servi. Se fosse só cobranças de falta, beleza, teria ficado rico, mas jogo de futebol é corrido. Fiz dois gols antológicos numa final de campeonato de grupos de jovens, perdíamos por dois a zero, aos 36 do segundo tempo, falta no meio da rua. Meti a canhota e a bola foi no cantinho, um canetasso, o goleiro nem viu por onde a bola passou, ficou paradinho. Aos 44, outra falta, essa na entrada da área. O goleiro esperava outro foguete da minha canhota envenenada, mas bati de direita no ângulo esquerdo dele, o coitadinho até pulou na bola, mas foi só para sair na foto. Mas não teve foto, o goleirinho se fodeu. Não saiu na foto e a minha cobrança foi perfeita, golaço e decisão nos pênaltis. Tudo igual, a última cobrança era minha. Mas ensaiei tanto com barreira, que esqueci de tentar os pênaltis. Fiz pior do que o Baggio, chutei a porra da bola na puta que me pariu. Perdemos o jogo e o campeonato. Ainda joguei mais uns joguinhos, fiz mais umas duas dúzias de gols de falta, mas futebol é corrido, e para correr nunca servi. Desisti logo.

Aí resolvi virar astro do rock. Mas bateristas alcoólatras astros do rock só são legais depois de terem ficado famosos. Eu me tornei alcoólatra antes da fama, não servi muito para o rock depois disso.

Mas, um belo dia, te conheci. Te conheci no centro, perto de onde ficava o campo da Liga, onde hoje dorme e acorda um shopping, o mais chique da cidade. Os torcedores daquele time de merda dizem que o campo da Liga era deles, mas era porra nenhuma. Era como diz o nome, da Liga. Da Liga Florianopolitana de Futebol. Mas nós, alvinegros, mesmo sendo o time da favela, temos estádio. Ainda quando existia o campo da Liga, já tínhamos campo. E não ganhamos nosso campo do governo, nós o fizemos! Timeco de merda, aquele do sul da ilha.

Mas, mesmo tendo te conhecido perto do campo onde na última partida antes de virar shopping Center chique o glorioso alvinegro fez 2 x 1 ,com direito a gol do grande e histórico cachaceiro alvinegro Albeneir, no merdinha do time azul e branco do sul da ilha, foi na porra do sul da ilha que depois de tantas mensagens trocadas consegui finalmente te beijar.

Não sei se você lembra, mas eu não esqueço.

Lá no sul da ilha, os pescadores dizem que tem um peixe que canta, e chamam ele de Marimbá. E foi como se dançássemos com um cardume de Marimbás cantando, que te dei o primeiro beijo. Depois, foi como se tivessem roubado a Marimbá. Como se ela tivesse acabado.

O beijo foi no Campeche, e você morava na Armação. Não existe por do sol mais lindo do que no Sambaqui, não existe lua cheia mais linda do que na Armação. Mesmo agora, que a maré cheia da última ressaca engoliu a faixa de areia e umas duas dúzias de casas com vista para o mar, mesmo agora não existe lua cheia mais linda do que a da Armação. Lá onde você morava.

E, porra, a Armação fica no sul da ilha, terra daquele time de merda que veste azul e branco, que se não fosse a caridade do governo estadual corrupto, nem estádio teria.

E, tanto quanto eu cobrava faltas quase tão bem quanto o Neto, afinal de contas ele só tinha a canhota, eu contava com as duas, eu poderia ter sido o melhor dos príncipes encantados de todos os tempos.

Mas, sendo do sul da ilha, não rola, me desculpe.

Só não pense que eu não te amo, por favor.

Eu te amo pra caralho!

Mas, sul da ilha, não rola.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Afrodisíaco


Depois de muito flerte, de muito cortejar a mulher que há tempos amava, conseguiu finalmente convencê-la a dar-lhe uma chance.

Aceitou sair para jantar e, quem sabe, depois disso uma esticadinha no motel.

Ficou eufórico, ela era perfeita, não conseguia acreditar que uma criatura fosse capaz de reunir tantas virtudes, ser tão inteligente e, como se isso tudo já não fosse o suficiente, ainda ser linda e obscenamente gostosa.

Sentia-se o mais sortudo dos mortais, ele que sempre se contentara com as desajeitadas, as mais feinhas, uma vez que também não era lá grande coisa, não só tivera coragem para investir na mais linda das mulheres já nascidas, como tivera êxito na sua investida.

Agora que a convencera, precisaria se preparar para oferecer à ela a mais fantástica, a mais prazerosa de todas as noites que já tivera.

Orgulhava-se do fato de nunca ter falhado na hora H, mas preferiu precaver-se.

No dia marcado para o encontro, tão logo acordou já iniciou sua dieta matadora. No café da manhã, substituiu os saudáveis cereais de todo dia por uma bela tigela de amendoins, e o resto do dia passou a base de catuaba e ovos de codorna, muito ovo de codorna. A caixa do supermercado ficou assustada com a quantidade de conservas que ele comprou logo cedo, mas era mantimento para o dia inteiro, aquela noite tinha que ser perfeita!

O jantar foi perfeito, e ela conseguiu ficar ainda mais linda do que normalmente já era, ainda mais atraente do que normalmente já era, ainda mais gostosa do que normalmente já era.

Depois de um belo salmão acompanhado por duas garrafas de vinho, ela tomou a iniciativa e disse, Vamos, sei que vai valer a pena!

Só em ouvir aquela voz rouca dizendo que sim, já sentiu os efeitos afrodisíacos dos ovos de codorna indicando que naquela noite, ele seria o melhor dos amantes que uma mulher poderia ter.

Meia luz, música romântica, peças de roupa que começavam a cair como fossem frutas maduras que já não têm mais por que permanecer nos galhos das suas árvores, e ele em ponto de bala. Por mais que se reconhecesse como um bom amante, alguém que sabia o que fazer para que as mulheres tivessem prazer na sua companhia, não lembrava de quando foi a última vez que tivera uma ereção daquelas. Sentia-se no ápice do vigor hormonal dos seus já logínquos dezoito anos.

Contudo, entretanto, porém e todavia, foi no momento em que se aproximou para enfim juntar-se carnalmente à ela, a mais linda das mulheres já nascidas, que aconteceu o inesperado.

Ele ficou corado, vermelho, roxo de vergonha.

Ela o olhou com estranheza, com contrariedade.

Isso nunca me aconteceu antes, tentou justificar-se.

Você me trouxe até aqui para isso?

É sério, isso nunca me aconteceu antes.

Vou embora.

Não, espere, por favor, já, já isso passa, prometo.

Francamente, não esperava isso de você.

É sério, juro por tudo o que é mais sagrado, isso nunca me aconteceu antes.

Adeus.

E foi embora deixando-o lá na beira da cama redonda do motel, inconsolável, na agonia da ereção adolescente que não abaixava de jeito nenhum, e com uma crise de gases que tornara o ar insuportável.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Para entrar no clima da sexta-feira santa - Reeditando: O outro lado da História


Vou bater a real pra tu, as coisas não aconteceram exatamente como andam dizendo por aí.
Tá certo, eu admito que dedurei o cara, mas não foi assim, do nada. Chegar lá e pá, cagüetar o cara, não.
Ele fez por onde.
É fácil agora ficar por aí se fingindo de bonzinho e pagando de bom moço, mas tu não sabe o que eu passei...

Antes eu não tinha essa fama de fofoqueiro, de traíra.
Antes era diferente.
Quando começou todo o esquema, tinha aquele papo de: “somos todos irmãos” “somos todos iguais”, pô, a galera achou aquilo irado!. Parceria mermo, tá ligado?!
Vou te bater a real, todo mundo comprou a ideia do maluco na fé mesmo, irmão. Pode crer!
Não demorou nada para juntar os 12 neguinho, o papo era massa, transformar o mundo e tal, um lance assim meio revolucionário, tá ligado?! Eu achei da hora! Comprei a ideia da bagaça, vesti a camisa mesmo!

Aí, quando toda a galera topou encarar o negócio, todos os 12 camarada, daí a parada começou a crescer, começamo a ficar famoso, todo mundo comentando pelas boca que tinha uma galera chamando atenção e talz, até que pintou um empresário na jogada e começou a dar bode. O que era camaradagem, começou a cheirar trairagem, tá ligado?!

No começo eu até gostei da ideia do empresário, achei irado, saca? Pô, um empresário pode levantar a carreira do cara, tá ligado?! Eu dei a ideia de fazer um grupo de RAP para entrar no movimento HIP-HOP. Pô, podia botar uns cara pra fazer grafite, outros pra fazer o street dance, outros pros skate e eu e o Cabeça ia ficar no verso, tá ligado?! Eu mandava a letra, ele respondia, sem contar que eu mando bem pacarái no beatbox, tá ligado?!

Eles não curtiram essa idéia. Fiquei mordidasso com a parada.
Tinha um cara lá da galera que sugeriu fazer uma boys band, tá ligado?! Tipo Backstreetboys. Quis até copiar o nome, chamar de Heavenstreetboys. Mas eu fui contra. Achei aquilo a maior baitolagem, tá ligado?! Ia ficar lindo pra minha cara lá na comunidade, aparecer em clip de roupinha branca, mergulhando numa piscina e sair dela devagarinho fazendo cara de míope para parecer gatão, ah, dá um tempo porra. Mas vou te dizer, eu sempre desconfiei daquele cara...

Mas não vou dizer o nome do fresquinho não. Pô, pega mal delatar os cara né mano? Não é da minha fazer trairagem, tá ligado?!
Mas posso te dizer uma coisa, quando a gente saía por aí em turnê, sempre ficavam dois em cada barraca, e da barraca dele só se ouvia risinhos e uns versinhos assim: “pára Pedro, Pedro pára, pára Pedro, Pedro pára.” Parece que quando tudo acabou, e os dois voltaram para a terra deles, lá em Pelotas. Até gravaram isso e fizeram algum sucesso, mas desde as antigas que eu não curtia muito esse som não. Meu lance mesmo era o RAP, tá ligado?!

Daí teve outro que era metido a esportista, o Mateus. Ele sugeriu fazer um time de futebol, botar o nome de “Os celestiais”, “Os galáticos” , ou qualquer coisa assim. No começo até gostei da ideia, mas eles sempre me deixavam no banco, era o único reserva da parada, e isso que nem chegou a ter jogo oficial, foi só treino mesmo. Eu chiei mesmo, tá ligado?! Pô, cadê a parceria? Cadê a camaradagem? Quando tudo era difícil eu servia, agora que tava todo mundo ficando famoso iam me deixar de fora, não concordei com aquela palhaçada não. Deixamos a ideia do time de lado.

O empresário, não lembro bem o nome dele, era não sei o quê do Espírito Santo, uma coisa assim. Ele sugeriu que a gente saísse aí pelas quebrada só dando a letra, divulgando a palavra, tá ligado?! E não deu outra, foi o que a gente fez, e vou te falar irmão, deu o maior ibope! A galera tava curtindo mesmo!

Pô maluco, a parada ficou sinistra! Aí aquele lance todo subiu pra cabeça, tá ligado?!
Antes era parceria, “somos todos iguais”, “somos todos irmãos”, e não sei mais o que. Quando o negócio emplacou de vez, aí mudou o discurso, e o Magrão, que era o Cabeça veio com um papinho de: “eu sou o filho do homem”, “eu sou o caminho, a verdade.”, “eu sou luz, sou raio, estrela e luar”. Pô, qualé mano, tá pensando que é quem, o Wando porra?! Fiquei bolado com aquilo, na moral, fiquei boladasso com aquilo.
Quanto mais o tempo passava, mais aquilo ia subindo pra cabeça.

Ô maluco, tu vai pirar se souber tudo o que rolava nos bastidores, irmão. Só festança, a galera toda muito doida. Sabe como é famoso, pede uma coisa, vem mil. Acabou o vinho, puf, parecia milagre, toda a água da parada virava vinho na hora. E não era Campo Largo não, era coisa fina, irmão. Era coisa fina mesmo! Acabou o rango, puf de novo, aparecia um monte de pão italiano, tainha frita, tainha escalada, tainha grelhada, tainha ensopada, cara, era peixe que não acabava mais. Só festão! Na moral, irmão, só festão da pesada.

E também tinha umas mina massa, mas uma é que era nervosa mesmo.
O nome dela era Maria Madalena, mas a galera chamava ela de Madá treme-treme. Mina da pesada mesmo.

Daí que o Cabeça se encarnou na da Madá. Ela que fazia a festa da galera agora ia ser exclusiva. Malzaço pô! Parceiro que é parceiro não faz uma dessas, tá ligado?!
A galera foi bater uma real com a Madá:
“Pô Thuctchuca, que palhaçada é essa de exclusividade, mau pra caralho, tá ligada?!”
E ela:
“Qualé mané, tô melhor assim, tá ligado?! Antes é que eu tava errando, agora acertei!”Pó, aí o bagulho ficou nervoso, me queimei mesmo, tá ligado?!
“Qualé Madá??? Que tava errando o quê, eu sei que tu curtia, que papo é esse que tu tava errando?”
Nisso que o Cabeça se meteu por que viu que a treta tava ficando quente:
“Ô, ô, ô, que palhaçada é essa aqui? Deixa a mina, ela tá comigo, por quê? Vai querer encara, vai querer vir no mano-a-mano?”
Eu mandei a letra pra ele:
“Qualé Cabeça, cadê a parceria pô? A Madá ta errando feio. Tu tá errando feio também, irmão, qualé, cadê a parceria?”
Ele nem olhou pra mim, levantou as mãos como se fosse o maioral e soltou:
“Errando? Que errando o quê? Atire a primeira pedra quem nunca errou! Agora vaza, vaza. Vaza que eu quero ficar aqui sussa com a Madá.”
Nas escondida, a galera tava chamando a Madá de Yoko Ono, falei pros cara que por causa dela a parada ia começar a degringolar de vez.

Pô irmão, aquele lance foi foda. Fiquei mauzão com aquilo, irmão, tá ligado?! O cara bota a maior fé nos amigos, acredita que é tudo parceiro, irmão, e ele vem com uma daquelas, pô, sacanagem da braba, tá ligado?!

A galera sacou que o clima tava pesadasso. Aí rolou um rangaçal, uma baita ceia. Só pros chegado mesmo. Os doze mais o Cabeça. Daí, nesse rango que rolou a treta que ninguém fala. O Cabeça sugeriu que eu saísse da galera, e que colocariam outro no meu lugar. Pô, fiquei mordido, irmão. Aquilo não se faz. Mandei a letra na cara dele:

“Qualé irmão, tu tá achando que é quem? O Humberto Guessinger, o Axl Rose, que fica trocando todo mundo quando dá na telha? Eu faço parte disso aqui irmão, eu criei isso aqui também. E tu sabe que rola grana na parada, se botar um na minha mão eu até saio, mas não vou sair assim do nada, com uma mão na frente e outra atrás, tá pensando o quê.”

Mano, soltei aquilo peguei uma garrafa de vinho e saí do boteco onde tava rolando a ceia.

Pra mostrar que ainda gostava do cara, ainda fui lá e dei um beijo nele. Beijo no rosto, nada de viadagem, coisa de amigo, de parceiro, tá ligado?!

Depois fui dar um perdido por aí. Eu tava lá, tranquilão, na minha, bebendo sossegado quando pintou uma galera e falou que tavam sentado numa mesa perto da nossa, lá no boteco, que ouviram o meu bate-boca com o Cabeça e perguntaram se eu tava afim de vender a minha parte na bagaça.

Como eu tava virado num alho, soltei meu preço:

“40 paus, irmão. 40 paus e pode ficar com a minha parte da bagaça”
“Pô, 40 paus é muita coisa, só tenho 20”
“Então vaza véio, vaza que por 20 eu nem levanto daqui.”
“25 paus.”
“35”
“30”


Aí eu parei pra pensar, irmão. Pô, não tava mais afim da bagaça, tá ligado?! E 30 paus dá pra bater um rango massa, eu saí do boteco sem nem ter comido nada, tava com uma fome do cão. Só que não ia entregar assim fácil, ainda barganhei mais um pouco.

“30 paus mais essa corda aí que tu tá amarrando o teu cavalo.”
“Pô, pra que tu queres a corda, tu nem tá de cavalo.”
“Ah, sei lá, nunca se sabe quando vai se precisar de uma corda.”


Fechamos negócio ali mesmo, peguei minha grana, minha corda e dei o fora dali.
O cara ainda me perguntou se eu sabia onde eles estavam:

“Ô mané, tu não visse eles lá no boteco, devem estar por lá ainda. Corre que tu ainda pega o Cabeça.”

E pegaram.
Na real eu não sabia que os caras eram da Polícia Federal, tá ligado?! Chegou lá e pegou todo mundo no maior bundalelê, o bicho pegando bonito, um monte de mina, bagulho, coisa e tal. Os caras chegaram perguntando quem era o cabeça daquilo tudo, e o Cabeça se entregou na maior:

“Sou eu, por quê? O que tá pegando?”

Daí o resto tu já sabe, deu o maior xabú, o Cabeça se deu mal pra caramba e eu fiquei com fama de cagüete.

Ô, mas na boa irmão, nunca fui traíra, na moral.
Eu sempre fui parceiro, tá ligado?!

terça-feira, 19 de abril de 2011

Painho


Ssshhhhh!!!! Quietinho!

Fique quietinho e me obedeça.

Fosse você mais esperto, estaria agora me dando ordens. Quem manda não ser entendido, agora vai ter que obedecer. Quem manda sou eu!

Não é você quem tem essa preta aqui, sou eu que tenho você, meu escravo branco.

Isso mesmo, você vai ficar aí amarrado e, quando eu te soltar, se eu te soltar, você vai fazer somente o que eu mandar.

Não adianta achar ruim, quem manda sou eu!

Fosse você um entendido, até te chamaria de Painho. Mas você não sabe nada, quem manda sou eu, branquelo.

Pra quê essa vela? Deixe que suas costas te contem quando encontrarem os pingos da cera dela. Um pouquinho de dor é bom, você vai ver.

Ssshhhhh!!! Quietinho! Quem manda aqui sou eu! Vou te mostrar o que a baiana tem.

Não, eu não me importo que você fume, mas deixe que eu apague a brasa do seu cigarro. Seu peito vai te contar como é bom um pouquinho de dor.

Você gosta de espartilho, é? Eu poderia até usar, caso você mandasse alguma coisa. Mas você não manda nada, você não é entendido, e agora quem manda sou eu. Nada de espartilho, embora eu até goste deles, mas quem manda sou eu, nada de espartilho. Se dê satisfeito pelas meias 7/8, nada de espartilhos.

Nada disso, não vou te deixar beber. Não quero seu corpo dormente. Você tem que sentir tudo. Tudo!

Vou tirar a venda dos seus olhos, mas só para que você veja quem é que manda.

Não fique pensando que fiquei boazinha, quem manda ainda sou eu, só vou desamarrar suas mãos por que eu ordeno que você me toque.

Bonitos, são não?

Grandes, firmes, são não?

Lindos, são não?

Sei que são.

Branquelas não têm seios assim, é não?

Pegue, eu ordeno.

Isso, a língua, eu ordeno.

Que é isso? Quem manda sou eu!

Ei, pare com isso, quem manda sou eu...

Quem você tá pensando que é, branquelo?

Viro não!

Tá bom, eu viro, mas é por que eu quero. Quem manda sou eu!

Que é isso, quem mandou você me dar uma palmada?

Gostou da bunda, é?

Bunda de preta, branquela não tem igual, é não?

Mas não mandei você me dar uma palmada. Agora mando, bate de novo.

Não mandei bater com tanta força. Tá bom, bate assim.

Putinha não, não quero que você me chame assim. Você é o meu branquelo!

Tá bom, me chame assim.

Eu sou a sua preta.

Sim, eu tenho o espartilho, vou vestir.

Gostou?

O quê você está fazendo com essa vela? Peraí, isso dói!

Isso dói! Isso dó... Isso é bom...

Eu que mando, mas fico assim se você quiser.

Assim? Engatinhando? Tá bom, eu fico.

Assim? De joelhos? Tá bom, eu fico.

Ei, peraí, você me bateu na cara?! Quem manda sou eu! Não mandei você me bater!

Tudo bem, desculpe, quem manda é você, branquelo.

Não, branquelo não, desculpe.

Quem manda é você, Dono.

Sim, eu sou a sua preta.

Sim, eu faço.

Mande que eu faço.

Assim?

Eu faço!

O quê mais?

Mande, meu Dono.

Mande, Painho.

Mande que eu obedeço, Dono, Painho.

Assim?

Eu faço!

Mande que eu obedeço, Dono, Painho.

Amanhã podemos passear de mãos dadas?

Tudo bem, só se você quiser, Dono, Painho.

Acho que te amo, Dono, Painho.

Desculpe, você não me mandou te amar, Dono, Painho.

Isso, assim...

Desculpe, você que manda...

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Ah, meu menino...


Ah, meu menino, você não sabe como eu lamento.

Sinto muito, muito mesmo por vocês homens demorarem tanto para ficarem um pouquinho mais espertos. Ah, se vocês amadurecessem na mesma idade que nós, mulheres. Você seria mais feliz, garanto.

E nem seria necessário muito esforço para que você fosse mais feliz, bastaria buscar um drink para mim de vez em quando, acender o meu cigarro, uma gentilezazinha aqui, outra ali, nada demais, e você seria muito mais feliz do que vai ser. Nada disso me impressiona, na verdade, mas me satisfaz. Gosto de fazer vocês, meninos, pensarem que são gentlemans. Gosto de fazer crianças como você pensarem que são cavalheiros, que já são homens feitos. Bobinhos.

Com um pouquinho mais de tempo, teria lhe ensinado que essa fábulazinha do amor eterno não passa disso, uma fábulazinha besta e ponto final. Só os fracos amam. Amar nos afasta do que importa, do que é realmente bom. Mesmo que não seja eu quem lhe ensine isso, espero que você não demore muito para aprender. Quanto mais cedo você assimilar esta que deve ser a única verdade absoluta, mais chance você terá de ter algum tipo de felicidade. Amar traz muita ansiedade, e nada que é feito com pressa é realmente bom. Tenha calma, não jure nada enquanto estiver amando, isso só vai lhe trazer dor de cabeça algum tempinho mais tarde.

Você devia ler a bíblia, lá está escrito que você deve amar o próximo, e existe muita gente próxima a você para que você escolha amar uma só. Isso chega a ser pecado. Pecado mortal, se duvidar. Você devia ter seguido o exemplo de Deus, que embora tenha comido uma só, passa toda a eternidade dizendo que ama todo mundo. E você, meu menino, bonitinho do jeito que é, não precisaria passar a vida inteira comendo uma só. Eu não me importaria com seus casinhos. Muito provavelmente, até os financiaria e deixaria você acreditar que jamais desconfiei de nada. Você teria certeza que eu acreditaria que o dinheiro que me pediria era realmente para um trabalho da faculdade, para Xerox, para um lanche, para uma conta atrasada, para ajudar sua mãe doente, enfim, eu fingiria tão bem acreditar na sua palavra, que você morreria de culpa por estar enganando uma pessoa tão boa quanto eu seria. Mas esqueceria rapidinho da sua culpa cada vez que estivesse usando o dinheiro da sua mãe doente para pagar a suíte máster de um motel qualquer, para impressionar as suas menininhas.

Eu não ligaria, de verdade. Não liguei até agora, não seria a partir de agora que passaria a ligar.

Não pense que fiquei triste por você ter me trocado pela sua namoradinha. Não pense que eu fui pega de surpresa, você não é tão esperto quanto pensa que é, desculpe lhe dizer isso assim, tão sem cuidado. Eu já sabia dela faz tempo, até me divertia com a sua culpa, com o quanto você me tratava bem cada vez que passava a tarde na companhia dela. Achava bem charmosinha, a sua culpa.

Achei bonitinha a cena, você chorando, dizendo que gostava muito de mim, mas que estava apaixonado por ela, e que preferiria passar fome ao lado da mulher que ama, do que ter dinheiro e continuar a enganar uma pessoa tão boa quanto eu por consideração, por não querer me fazer sofrer.

Você acredita realmente que ela vai ficar feliz com a sua surpresa?

Você acredita realmente que ela vai ficar satisfeita em saber que você me deixou para ficar com ela?

Você se esqueceu de dois detalhes importantíssimo, eu era a galinha dos ovos de ouro. Muito ouro. E ela é mulher, mulher amadurece mais rápido do que vocês, homens. Mulheres se tornam espertas muito mais cedo do que vocês, homens.

Não queria ser eu a pessoa a jogar na sua cara a sua bela e jovial estupidez, mas se foi este o papel que me coube, faço questão de cumpri-lo. Não fujo das minhas responsabilidades.

Acontece que ela é casada, você sempre soube disso. Talvez, para continuar na mordomia que você proporcionava a ela através de mim, ela tenha até lhe dito algumas vezes que tudo o que mais desejava era jogar tudo para o alto para ficar com você, para viver esse amor lindo que ela deve ter jurado um punhado de vezes sentir.

Acontece que ela realmente ama o marido, e não vai deixá-lo por vontade própria, ainda mais pela sua. Você trazia pequenos luxos que o marido não proporcionava, além de ser bem bonitinho. Mas, amar, amar de verdade, ela ama o marido.

Acontece que ela trabalha para mim, e o marido dela também.

Acontece que o marido dela é um pouquinho mais velho do que você e, embora não seja tão bonitinho, é um pouquinho mais esperto. E por já ter feito a jura idiota que se faz quando se ama, já está bastante consciente de que amar não leva a nenhum lugar muito interessante.

Acontece que eu já tinha percebido há um bom tempo que você tomaria esta atitude estúpida de parar de servir o meu drink, de parar de acender o meu cigarro, de parar de me fazer uma gentilezazinha aqui, outra ali, tudo para ficar com ela, a espertinha gostosinha.

Acontece que, um pouco antes de você vir declamar para mim esse dramalhão mexicano mais brega do que a cor amarela da tintura de cabelo da sua gostosinha espertinha, eu já estava comendo o marido dela.

Acontece que, quando você chegar para ela e contar que rompeu comigo para viver o amor bobinho que você agora acredita eterno, o maridinho dela já vai ter terminado o casamento, ela estará inconsolável, com raiva do mundo, e mais raiva ainda de você. Pois na sub-esperteza que ela julga ter, vai ficar se culpando por não ter valorizado o homem maravilhoso que tinha ao seu lado, para se dedicar a uma aventurazinha frívola e inconseqüente com um playboyzinho qualquer. Você, no caso.

Acontece que, sem o maridinho e sem o meu dinheiro, ela lhe mandará à santa puta que lhe pariu. Desculpe lhe dizer isso assim, tão sem cuidado. Mas se foi este o papel que me coube, faço questão de cumpri-lo. Não fujo das minhas responsabilidades.

Acontece que ele é um pouquinho mais esperto que você e, provavelmente, não se importará em passar vários anos me servindo drinks, acendendo meu cigarro, me fazendo uma gentilezazinha aqui, outra ali para poder se divertir com o meu dinheiro. Até que eu me canse dele, tenho certeza que ele não se importará.

Acontece que, quando você voltar até mim arrependido, já não me interessará. Você já não terá o charme que me apetecia, eu lamento.

Ah, meu menino, você não sabe como eu lamento.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Menáge à Trois


Ela o amava tanto, que não havia coisa que ele pedisse que ela prontamente não fizesse.

Mas foi apenas no aniversário de três anos de casamento, que ela resolveu surpreendê-lo de maneira que nem ele esperava, e, mesmo morrendo de vergonha, foi até uma das poucas zonas de alto padrão que havia na cidade e escolheu cuidadosamente aquela que realizaria o sonho do marido, de participar de uma ménage a trois.

Era linda, a menina. Mesmo que ela soubesse que era também uma mulher de tirar o sono da maior parte dos homens saudáveis, a menina escolhida era inegavelmente deslumbrante. Rosto e corpo irretocáveis, e o marido teria enfim a sua noite ao lado de duas mulheres lindas e gostosas. Veria sua mulher beijando outra, como sempre sonhara em ver. E saberia que as duas estariam se beijando apenas para que seus sonhos mais íntimos se realizassem.

Presenciaria os lábios da menina linda de rosto e corpo irretocáveis percorrendo cada curva da sua mulher também perfeita.

Escolheu a menina do jeito que sabia que o marido gostava, mas morria de medo de ter feito a escolha tão bem, a ponto de ele não querer mais saber dela e passar o resto dos seus dias sonhando com a escolhida, querendo repetir indefinidamente a experiência.

Mas o amava tanto, que fazia questão de ser ela a mulher que realizaria cada um dos sonhos do marido, mesmo aqueles considerados indecentes pela maior parte das pessoas.

Na noite do aniversário de casamento, ela vendou-o, e depois de acender as velas que iluminariam restritivamente o quarto do casal, disse que poderia destapar os olhos. Neste momento, ele as viu. Ambas de lingeries, a esposa com um espartilho preto, ela, a menina perfeita, de espartilho vermelho, e elas se beijavam lentamente, ele via suas línguas se procurando com calma, com delicadeza, com uma feminilidade que o fez enlouquecer. E não fez nada, apenas ficou olhando. Vez ou outra, cada vez que a mão de uma percorria o corpo da outra, deixando-o ainda mais excitado, pensava em ir de encontro a elas. Mas era tão linda a cena, que preferiu ficar olhando.

Passada mais de meia hora, quando ambas já haviam se despido reciprocamente e destinavam seus beijos não apenas aos lábios uma da outra, mas a cada centímetro dos seus corpos lindos, ele foi até elas. E, neste momento, a noite se tornou sem sombra de dúvidas na mais prazerosa da sua vida. Duas mulheres perfeitas dedicadas exclusivamente aos seus caprichos, em fazer tudo o que ele ordenasse, e ele adorava dar ordens.

Dormiu banhado numa saciedade indescritível, exaurido de tanto deleite.

No dia seguinte ela, a esposa, foi embora para nunca mais voltar.

Quando começou a ler a carta de despedida, imaginou que ela havia pensado que ele deveria ter gostado mais da menina de rosto e corpo irretocáveis do que dela, o que não era verdade, pois para ele o melhor da noite foi saber que sua amada esposa havia se dedicado tanto e com tanto esmero em realizar suas mais reservadas fantasias. Sua vida não fazia o menor sentido sem a companhia da esposa. Mesmo que jamais viesse a encontrar a menina do rosto e corpo irretocáveis, desde que tivesse a esposa ao seu lado, só ela, seria eternamente um homem plenamente realizado.

Entretanto, no avançar das linhas da carta de despedida, a esposa lhe dizia que o estava abandonando por ter descoberto ao lado da menina prazeres e sensações que ele jamais lhe proporcionara.

Seria eternamente grata a ele, pois, não fossem as suas fantasias, jamais teria descoberto tantas sensações intensas como descobrira na noite anterior.

O abandonava para ficar ao lado dela. Depois da noite passada, nem ele, nem homem qualquer do mundo seria capaz de satisfazê-la tão plenamente. Por mais agradecida que estivesse, não conseguiria nunca mais conduzir sua vida de modo diferente. E partiu. Partiu com ela, a menina do rosto e corpo irretocáveis.

E elas foram felizes para sempre.

Ele não.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Prejuízo


Duas coisas o deixavam realmente triste, ver uma mulher sofrendo e perder dinheiro.

Tudo bem, não há como negar, ele era um mulherengo incorrigível, mas não o era por mal. Não saía por aí conquistando mulheres só para depois fazê-las sofrer, embora soubesse que acabariam chorando por ele. Sua conduta era um mal orgânico, provavelmente patológico e se, mesmo depois de ter feito tanta mulher chorar por sua causa, continuava a fazer sempre as mesmíssimas coisas, é por que sabia que nos poucos dias em que elas estariam em sua companhia, com certeza elas seriam felizes. Seriam bem tratadas, seriam cortejadas, ouviriam frases lindas que outros homens não seriam capazes de lhes dizer, saberia identificar nelas as qualidades que elas sempre sonharam em ter, e mostraria a elas como estas virtudes eram evidentes, cristalinas, e que se ninguém havia notado até então, é por que não tiveram noção do quão privilegiados haviam sido os homens anteriores a ele, por terem vivido ao lado de uma mulher com virtudes iguais aquelas, sem serem capazes de reconhecê-las.

E ainda era bom de cama, o mulherengo.

E, sim, a maior parte delas ouviu a voz grave dele dizer em seus ouvidos, sussurrando, Eu te amo.

E, sim, de fato ele as amava. Não por muito tempo, mas ainda que fossem poucos os dias que aquele amor ocupava no calendário de cada uma delas, era provavelmente um amor maior e melhor do que o amor que recebiam e/ou receberiam dos outros homens que haviam jurado diante de um altar qualquer, amá-las para todo sempre.

Sempre dizia “eu te amo”, mas tomava o cuidado de nunca dizer, “pra sempre”. Sabia que a próxima mulher com ar carente que aparecesse na sua frente despertaria nele também um amor imenso. Imenso e breve.

É que, até então, ele não amava uma mulher. Ele amava as mulheres, todas elas.

Tinha consciência de que sabia tratar as mulheres como nenhum outro homem saberia, e não seria justo reservar tanto amor para uma única pessoa, ainda mais num mundo repleto de mulheres carentes como é esse de hoje em dia.

Eis que um belo dia, ele se deu conta que sentia por aquela mulher, aquela que sempre estivera ao seu lado, mas até então na condição de boa amiga, nada além disso, algo maior, algo que o deixava confuso. Ela fazia-o sentir um negócio meio estranho, diferente do que sentia pelas outras mulheres que amava tanto, todas elas.

Por mais que já tivesse sido o príncipe encantado de um bom número de mulheres, para ela fazia questão de ser indefectível. E o foi. Como já imaginava, não demorou para que ela também se apaixonasse por ele.

Contudo, por ser sua amiga há muito tempo, sabia da índole galanteadora do homem que passara a amar febrilmente. Tanto quanto ele sabia que ela sofria de ciúmes doentios, que mais pareciam cólicas, tamanha a transformação física que causavam na pequena.

Mas ela aceitou aventurar-se com o amigo transformado em amado, impondo-lhe para tanto a condição de que, enquanto estivesse com ela, não haveriam outras. E por conhecê-lo tanto e tão bem, sabia que não foram poucas as vezes em que ele mantivera amores simultâneos. Até então, aquelas histórias divertiam-na, mas agora era ela a protagonista, e não aceitaria qualquer outra coadjuvante.

Ele, que não era dado a juramentos, aceitou a condição, pois percebera que daquela vez era diferente o que sentia, aquela mulher realmente era especial. E, mais do que isso, sentia-se tão bem ao lado dela, que já não tinha o menor interesse em envolver-se com quem quer que fosse. Por mais carente que parecesse a mulher que viesse a conhecer, o encanto da carência não seria maior do que o encanto que o fazia passar as noites em claro pensando na mulher verdadeiramente amada.

Por ter sido tão próxima a ele antes daquele envolvimento emocional, era freqüentadora assídua do apartamento do galanteador. E, dada a freqüência da sua presença no ninho de amor daquele que até então fora apenas seu amigo, não foram poucas as vezes em que encontrou pelos cantos da casa uma tarraxa de brinco perdida, uma calcinha esquecida propositalmente, perfumes femininos pelos cômodos diversos, enfim, tanto quanto era dedicado as suas conquistas, era inversamente cuidadoso em apagar os vestígios das suas conquistadas.

Mas, agora, conforme prometido à ela, tudo seria diferente.

Na noite marcada para que fosse a primeira de muitas noites inesquecíveis que ambos viveriam juntos, abraçadinhos, se amando a cada novo dia ainda mais, ele a recebeu com o mais apropriado dos climas de romance. Pouca luz, boa música, bebida fina, cardápio sofisticado preparado por ele próprio – todo bom cafajeste cozinha muito bem! – enfim, o cenário perfeito para um amor de dimensões iguais àquele que ambos confessamente já sentiam.

Jantaram ouvindo Sinatra, e entre o bailado impreciso das chamas das velas do belo castiçal que ornava a mesa tão bem posta, ele sorriu, e disse, I’ve got you, under my skin! Os olhos dela brilharam.

Findado o jantar, ele pediu um minuto para ir ao banheiro. Foi escovar os dentes, queria o seu hálito tão atraente quanto o clima que criara para receber a mulher por quem estava disposto a renunciar a todas as outras.

Quando voltou para a sala, encontrou-a de semblante fechado sentada no sofá, erguendo na mão esquerda uma camisola de seda preta, curtíssima, com pequenos bordados nas extremidades. De quem é isso? Perguntou com a voz tensa, Como, de quem é? É sua, oras!

Ela abaixou a cabeça, mas não pode deixar de fazer notar o rubor transtornado nas faces, estava enfurecida, mas não alterou o tom da sua voz, Isso aqui pode ser de qualquer uma das piranhas que você se habituou a trazer para cá, mas meu não é, Não é ainda, meu amor, mas eu comprei para você, Pare com isso, para otária eu não sirvo, Que é isso, meu amor, eu comprei para você, juro! Com a presilha das costas cortadas? Como é que é? Sim, pois a presilha das costas estão cortadas, devem ter te vendido algo usado, Deixa eu explicar, Algumas coisas não tem explicação, Isso tem, eu juro, Você tem dois minutos, depois eu vou embora e você nunca mais vai me ver na sua vida, É que eu comprei num brechó, Realmente, você está me achando com cara de otária, Não, é verdade, eu juro! Não jure, você só piora a sua situação, É verdade, eu comprei num brechó, tentei encontrar algo que estivesse a sua altura numa loja normal, de lingeries novas, mas não encontrei nada que me parecesse adequado ao teu corpo tão lindo, quando estava quase desistindo, passei em frente a um brechó e vi esta camisola na manequim da vitrine, na hora eu vi que era a lingerie perfeita, a lingerie que foi feita para o teu corpo tão lindo, nem me dei conta que haviam cortado as presilhas das costas, Essa é a melhor história que você consegue inventar no improviso? É verdade, eu juro, é a mais pura verdade!

Ela não disse mais nada, levantou-se e foi embora para nunca mais encontrá-lo ou permitir que ele a encontrasse.

Naquela noite, ele dormiu muito, mas muito, mas muito triste mesmo.

Por que se haviam duas coisas que o deixavam realmente triste, era ver mulher sofrendo e perder dinheiro.

E ele sabia que naquela noite, ela estaria sofrendo profundamente por causa dele.

Tanto quanto sabia que o dono do brechó não aceitaria devolver o dinheiro pela camisola que comprara pensando nela, exclusivamente nela.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Nojinho


Eu gosto, fazer o quê?

Não sei se você esperava pela minha reação, pelo meu gesto, mas eu gosto, fazer o quê?

Sei que a maioria dos homens tem este fetiche, mas acho que, depois de realizado, ficam com alguma espécie de nojinho, sei lá, mas você não quis me beijar de novo.

Talvez, mesmo sendo um grandessíssimo dum cafajeste, você seja mais sensível do que os outros da sua espécie.

Talvez você pense que seja alguma espécie de assassinato, afinal de contas você viu parte dos filhos que poderia ter descerem pela minha garganta, e um restinho deles escorrendo no meu queixo.

Os homens dizem que querem uma dama na sala e uma puta na cama, mas, quando encontram uma, morrem de medo. É que puta, mesmo quando dama, sabe trepar. Mesmo que não exerçam o dom por ofício, mas por exercício do talento inato. Isso deve assustar, deve dar um medinho de não corresponder à altura. E eu poderia ter feito muito mais. Tem coisas que ainda não fiz, mas morro de vontade de fazer , apesar de saber que no início pode ser um pouco desconfortável, dolorido, tenho vontade de experimentar. Acho que, passado o desconforto inicial, vou até gostar. Acho mesmo! E, nem por isso, deixaria de ser uma dama na sala e, nem por isso, você deixaria de ter a sua puta na cama.

Você não daria conta. Não pela parte física da coisa, pois, sou obrigada a admitir, apesar do seu nojinho, você sabe direitinho o que fazer, quando fazer, como fazer. Você é bom! Tão bom que jamais admitirei para minhas amigas. Você não daria conta pelo seu despreparo psicológico. Sou psicóloga, disso eu entendo. Cobro caro, cobro por hora. Mas, quando cobro, sempre sou dama. Puta, só sou de graça e com quem acho que mereça. Você mereceu, mesmo não tendo mais me procurado. Na hora, naquela noite, você mereceu.

Talvez o seu nojinho seja por, depois de ter realizado o seu fetiche que é igual ao de qualquer outro homem saudável, imaginar com quantos outros eu já não tenha feito o mesmo, e imaginar que aquele cheiro que você sentiu quando tentei te beijar, não era só seu.

Bobinho, é claro que o cheiro era só seu. Eu escovo muito bem meus dentes, e uso Cepacol. É claro que o cheiro que você sentiu era só seu, tanto quanto é claro que você não foi o primeiro.

E daí?

Você poderia ter sido o último.

De verdade, você poderia ter sido o último. Teria adorado ser pra sempre a sua dama na sala e sua puta na cama. Mas homens não gostam de putas. Tanto, que dificilmente pagam duas vezes pela mesma. Afirmo isso, pois fiz meu TCC em prostíbulos. Só repetem o pagamento quando não passam do papai-mamãe. Quando restritos ao básico, ao óbvio, são capazes até de cantar Odair José para as meninas, “Eu vou tirar você desse lugar, eu vou levar você pra ficar comigo...”. Mas, quando elas gostam, isso foram elas que me disseram, elas ousam mais, fazem com gosto, fazem o que quiserem que elas façam e gemem com gosto, gemem de verdade, não aquele gemido fingido do papai-mamãe. Mas é neste ponto que vocês correm. Covardes! Covardes cheios de nojinhos. Putas dariam ótimas esposas! O problema é que toda puta tem filho, e homens fogem de putas e filhos como fogem de damas/putas.

Mesmo sendo puta na sua cama, continuaria a usar o mesmo terninho todos os dias, o mesmo tipo de roupa social que estava usando quando você me conheceu e disse que acha linda, reservadamente sexy, palavras suas. Por baixo dela, sempre a mesma minúscula marquinha de biquíni que todo homem adora. Por baixo dela, sempre alguma calcinha invariavelmente fio-dental, para que quando você chegasse em casa, soubesse que embaixo da sua dama, a sua puta te esperava ansiosa. Emendaria eternamente meu anticoncepcional para não menstruar nunca e poder usar para todo sempre as calcinhas que eu sei que você adora. Só pararia com o anticoncepcional quando você quisesse ter um filho da sua puta.

Você seria feliz ao meu lado, mesmo que ficasse desempregado por anos, eu ganho muito bem. Sou ótima profissional, minha agenda é lotada. Sou ótima dama, tanto quanto sou ótima puta, você seria inescapavelmente feliz.

Mas você ficou com nojinho e não me ligou no dia seguinte, nem no seguinte, nem no seguinte, nem no seguinte, fazer o quê?

Não vai ser difícil de encontrar o papai-mamãe que te fará querer casar, mesmo que depois você precise de outras iguais a mim, pagando ou não, para poder voltar para casa e se sentir feliz. Mas não será o mesmo tipo de felicidade que você teria comigo. Eu estava realmente disposta a ser só sua, exclusivamente sua dama/puta.

Mas você ficou com nojinho, fazer o quê?

E eu gosto, fazer o quê?

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A Morte, o amigo da Morte e o Destino


Diferente da maior parte das pessoas que possuem dons mediúnicos, ele não falava com mortos, tratava diretamente com a Morte em pessoa.

Não precisava de rituais, de retiros, nada disso. Ela aparecia quando precisava desabafar, tinha nele um amigo, um confidente. Por que poucos sabem, mas a Morte é sensível. Não gosta do seu trabalho, mas foi este o ofício que lhe coube, um dos tantos desígnios incompreensíveis de Deus, e não há maneira de colocar-se contrário a eles. Se o Homem mandou, tem que fazer. Pelo menos para as entidades do além, que apesar de gozarem de uns tantos privilégios como a vida eterna, livre arbítrio não têm.

Tomava o cuidado de aproximar-se do seu amigo apenas quando ele estava sozinho, pois não queria que as outras criaturas da terra taxassem aquele por quem tinha tanto apreço, de louco ou coisa parecida. Normalmente, aparecia quando ele saía para beber sozinho.

Gente boa que era, sempre conseguia deixar a Morte mais alegrinha cada vez que ela vinha com os olhos embotados de lágrimas tristes por ter capotado um ônibus cheio de crianças, ter derrubado um avião aqui, infiltrado um câncerzinho ali, enfartado um bom pai de família acolá, e por aí vai. Ele sabia o que dizer para diminuir a culpa secular que ela carregava nos ombros, os mesmos onde apoiava sua foice de lâmina inescapavelmente afiada.

Mas naquela noite a tristeza da Morte era maior, até o seu olhar caído e pesado tinha um ar diferente do comum, mais funesto do que a morbidez habitual adquirida nas tantas eras em que passara o tempo ceifando almas. Nunca trouxera a ele boas notícias, mas aquela era a pior que traria até então.

Daqui dois dias levo muito sofrimento para tua casa, disse a Morte, Chegou a minha hora? Perguntou o amigo da morte, Quem vai sofrer é sua mulher, Ele se engasgou com o gole que dava na sua cerveja, tossiu tentando recuperar o ar, e disse, Você não vai fazer isso comigo! Não sou em quem define as regras, você sabe, Não, você deve ter alguma autoridade, alguma autonomia, você já me disse que vez ou outra abre exceções, por que justamente comigo que sou teu companheiro de boteco você vai recusar uma exceção? Sinto muito, dessa vez não posso fazer nada, Nunca te pedi nada, mas peço agora, ela não, por favor, ela não, Desculpe, meu amigo, dessa vez eu realmente não posso fazer nada, Por quê? Por causa dele, disse apontando para um homem alto que acendia um cigarro na mesa dos fundos do bar, Quem é ele? O Destino, ninguém pode com ele, nem eu, só o Homem tem mais poder do que ele, mas Ele confia tanto no Destino, que jamais interferiu nas suas escolhas, E se eu for lá falar com ele? Ele vai dar risada, diferente de mim, gosta do que faz, Isso não é justo! E o que é?

Apesar do alerta, ele levantou-se e foi ter com o Destino na mesa dos fundos do bar.

Escute aqui, disse com a voz alterada, vermelho de raiva, você não tem o direito de fazer isso com ela, você tem ideia do quanto aquela mulher já sofreu na vida? Sem levantar os olhos, deu uma baforada para o chão, e respondeu com uma calma irritante, Claro que sim, fui eu quem quis assim, Como é que é? Isso mesmo, retrucou erguendo os olhos na direção daquele humanozinho que não fazia a menor diferença para ele, eu quis que ela passasse a vida sofrendo, Ela é uma ótima pessoa, ótima mãe, esposa que não poderia ter encontrado melhor, por que fazê-la sofrer desse jeito? Por que eu posso, por que eu quero e ponto final, não é você quem decide o que deve ou não acontecer na vida dela, ou mesmo na sua, quem define isso sou eu, Mas o que ela lhe fez de mau? Me acordou, no dia do nascimento dela eu estava dormindo tranqüilo, depois de ter fumado um belo baseado, e ela veio ao mundo berrando, uma vozinha irritante, estridente, me acordou da minha letargia chapada, fiquei puto e decidi, “Essa vai se foder na minha mão!”, Você fez isso por causa de um sono interrompido? Já fiz pior por menos, Ela foi abandonada pela mãe biológica, passou a infância num orfanato, foi adotada por uma família que não valia nada, foi abusada pelo pai adotivo, lutou bravamente contra dois tumores nos seios, isso tudo não é sofrimento o bastante para você? Para mim pode até ser, para ela não, quem manda ter me acordado? Você não vale nada, Eu sei, agora vê se para de me encher o saco se não quem vai se dar mal na minha mão é você! Faça comigo, então, não com ela, Sou o Destino, não mudo.

Voltou à mesa arrasado, sua amiga Morte colocou a mão sobre seus ombros e pediu-lhe desculpas, Você não tem culpa, sei que se pudesse intercederia por ela, Tenha certeza que sim, Como vai ser? Você não precisa saber disso, Eu quero, pelo menos já estarei preparado, Enfarto agudo do miocárdio, uma dor tão forte, que não terá forças para pedir ajuda, ficará agonizando por minutos que parecerão décadas, sofrerá bastante até que eu possa estar liberada para buscar sua alma, Ela já sofreu tanto, precisava sofrer até nessa hora? Ela ainda vai sofrer muito, não queria ser eu a encarregada de te dizer isso, mas ela ainda vai sofrer muito, Mas por que tanto sofrimento? Ele determinou que fosse assim, não posso fazer nada.

Apesar do desespero que sentia pela sentença anunciada, não deixou que sua mulher desconfiasse de nada. Pelo contrário, fez de cada segundo dos dois dias seguintes, os mais surpreendentes que ela já vivera. Queria que naqueles dias a vida dela fosse a melhor que uma pessoa já vivera. Jantaram no restaurante que ela sempre sonhara ir, mas as severas restrições orçamentárias sempre adiavam. Não preocupou-se com a coluna da direita do cardápio, ela poderia escolher qualquer prato, ele fazia questão que ela provasse a comida que sempre sonhou, que tomasse o vinho que sempre sonhou, a sobremesa que sequer imaginou. Passaram a noite na melhor suíte do melhor hotel da cidade, hidromassagem com vista paronâmica para o mar. Acordou-a com café na cama e uma quantidade incontável de rosas importadas. Não foi trabalhar, reservou o dia para passear com ela na mesma praia onde haviam dado o primeiro beijo e, por ser março, já não havia turistas, a praia era toda só deles. E fizeram amor no mar, e fizeram amor no carro, e fizeram amor na garagem, e fizeram amor na sala, e fizeram tanto amor que ambos ficaram exauridos. Ela convidou-o para tomarem um banho juntos, ele disse que ficaria mais um pouco deitado, ela foi ao banheiro. Quando quase pegava no sono, lembrou-se da sentença anunciada, e tentou se levantar rápido para estar do lado dela, para tentar ajudá-la, socorrê-la caso fosse no banheiro que acontecesse o enfarto. Mas foi na hora em que tentou se levantar, que sentiu a pontada aguda no peito. Ouviu a mulher cantando no banheiro, tentou dar um passo e desabou no chão. Era tanto formigamento no braço esquerdo, que já nem o sentia. Tentou gritar, lhe faltou o ar. Outra pontada, agora ainda mais forte, fez com que fechasse os olhos de tanta dor. Tentou respirar, o ar queimava. Tentou chamá-la, pedir ajuda, mas o corpo estava tão determinado em sentir dor, que não sobrara espaço para que sua voz produzisse qualquer tipo de som. Quando a dor parou, sua amiga Morte estava ao seu lado, chorando copiosamente por ser forçada a cumprir sua missão. Ainda zonzo, percebeu que o Destino estava sentado na poltrona de leitura que tinham no quarto, rindo efusivamente como se assistisse a mais divertida das comédias.

Quando viu a esposa entrar em estado de choque ao sair do banheiro e encontrar caído e gelado o corpo que ele já não habitava, olhou assustado para sua amiga Morte e perguntou, Que merda é essa? O que está acontecendo aqui? Me explica, que merda é essa que tá acontecendo aqui?

A Morte chorava tanto que não conseguia pronunciar uma frase sequer. Tentava, mas as frases saíam ininteligíveis.

Deixa que eu explico, disse o Destino, ainda rindo escandalosamente, Negócio é o seguinte, quando essa desgraçada nasceu, eu disse que ela passaria toda a sua vida sofrendo tudo o quanto é possível uma pessoa sofrer. E deu tudo certo na minha determinação, até o dia em que você a encontrou naquela praia. Desde então ela esqueceu que deveria sofrer. Você foi tão bom marido, tão presente, tão carinhoso, tão cuidadoso que ela não só esqueceu de tudo o que a fiz sofrer na infância e adolescência, como teve forças de sobra para superar dois tumores que deviam tê-la feito definhar por anos e anos, mas por culpa do seu amor, recuperou-se com uma rapidez irritante, uma verdadeira afronta às minhas determinações. Eis que, contrário ao que eu determinei, ela era feliz. Por sua culpa, a desgraçada era feliz. Mas, agora, resolvi meu problema. Perder você será, com certeza, o maior sofrimento que essa desgraçada vai ter na vida. Não vai ter como ela superar, pois, acredite, nós aqui de cima, do outro plano astral, conseguimos dimensionar direitinho o tanto que ela te ama. Para dar pitadas de requintes de crueldade no meu plano maligno, você acabou colaborando sem saber. Você fez tanta coisa boa nos dois últimos dias, que agora a sua dor vai ser maior ainda, pois além das lembranças anteriores à estes dias finais, as mais recentes ficarão para sempre na memória dela. E, mais do que isso, ela vai viver por muito, muito, muito tempo, sofrendo mais e mais a cada ano que se passar. E não permitirei que tenha Alzheimer, para que se lembre com riqueza de detalhes de cada segundo vivido ao seu lado.

Assim, na próxima vez, ela vai pensar duas vezes antes de me acordar. Desgraçada!

segunda-feira, 4 de abril de 2011

BOM DIA NAÇÃO AVAIANA!


Meus queridos leitores habituais, peço licença a vocês, só por hoje, mas nesta segunda não publicarei nenhum conto novo para prestar uma singela homenagem aos torcedores do time do Guga (único time de futebol do mundo cujo jogador mais importante da história é um jogador de tênis).



Dizem que ontem o Figueira quebrou um tabu por ter vencido fora de casa pela primeira vez no campeonato estadual deste ano, mas eu discordo, o tabu continua. Afinal de contas, embora o Scarpellão seja a nossa casa, a Ressacada é nosso salão de festas. Tá tudo no mesmo condomínio!





E um bolinho para comemorar o longo e tenebroso inverno em que eles não sabem o que é ganhar um clássico!

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A Cafajeste


Eram seis os seus amores.

O marido, o noivo, o namorado, dois casinhos e um cara que não dava a menor bola pra ela, mas o único a quem ela realmente amava.

No dia do aniversário de casamento, o marido programara uma noite especial no mesmo motel em que passaram a noite de núpcias, sete anos atrás.

Ela adorou a ideia, e disse, Coincidentemente, hoje comprei uma lingerie branca. Espartilho completo, meias 7/8, calcinha do jeito que você gosta. Mínima.

Eis que no mesmo dia, o noivo, que acreditava piamente que ela já estava divorciada há mais de dez meses, reservara a mesa deles naquele restaurante lindo, charmoso, onde haviam dado o primeiro beijo.

Ela disse, Claro, será a nossa noite!

O namorado, ex-melhor amigo do noivo desde que descobrira-se apaixonado por ela, e que ela prontamente correspondeu a altura, ligou no mesmo dia dizendo que havia sido enfim promovido, seria enfim chefe do ex-melhor amigo, e que precisava comemorar com ela. Mesmo que simples, deveria ser naquele hotel onde a empresa havia feito a convenção de fim de ano, local do primeiro beijo, da primeira noite de ambos.

Ela disse, Uma promoção não acontece todo dia, quero ser a primeira a te dar um abraço, a primeira a te dar um beijo, a única a te dar... Espere, logo mais a gente se vê.

O primeiro dos casinhos ligou dizendo que, enfim, se separara da esposa. Poderia finalmente ficar só com ela.

Ela disse, Era tudo o que eu queria ouvir! Te encontro no mesmo lugar de sempre, e vou estar usando aquele sobretudo que você acha super charmoso. Só o sobretudo.

O outro casinho ligou para ela dizendo que sua mãe havia perdido a batalha para o câncer. O velório seria no cemitério municipal.

Ela disse, Só vou terminar algumas coisas por aqui, hoje o dia foi uma loucura, e vou direto te encontrar. Serei a primeira a estar do seu lado neste momento tão difícil, conte comigo.

Depois disso desligou o celular e foi para a casa da mãe.

Amanhã, só amanhã pensaria nas desculpas que inventaria para cada um deles.

E dormiu na velha cama de solteira onde passou a adolescência, ao lado do telefone celular secreto, rezando para que fosse a voz dele, o cara que conhecera na fila do banco e trocara meia dúzia de palavras e que fora merecedor do seu número secreto, o único a quem realmente amava, dizendo que também sentia o mesmo por ela, que estava esperando por ela, para serem finalmente felizes para sempre.

O telefone não tocou.