quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O Corno Póstumo


É que Mariana era cética. Difícil dar crédito a o que quer que fosse que não pudesse provar, sentir, apalpar, ver, cheirar. Fé? Em sim mesma, e olhe lá!

Mas eis que um dia, sua irmã chegou com uma carta. É do Henrique, ela disse. Por mais que tivesse achado graça, Mariana só não riu por achar aquilo uma piada de muito mau gosto. Fazia quase um ano que ele tinha partido pra sempre da face da terra, morte triste, horrível, especialmente pra ela que gostava tanto dele. Mas Camila, sua irmã, pediu que ao menos ela lesse o que estava escrito no papel.

Algumas poucas horas antes, Camila havia ido até um homem que dizia-se médium, capaz de incorporar almas que partiram a pouco e trocar uma ideia com aqueles que ficaram no calvário da vida terrena. Caso aqueles a quem a mensagem que o recém-defunto queria enviar não estivessem presentes no momento da possessão, Fernando, o médium, tratava de psicografar a mensagem pretendida para que fosse entregue ao seu destino. Foi o que fez Camila. Recebeu a mensagem de Henrique, e tratou de levá-la até Mariana.

Por maior que fosse a vontade de mandar Camila à merda, Mariana resolveu ler os rabiscos que trazia no papel reciclado que servira de morada para os tais garranchos. Sim, garranchos, pois era assim que Henrique escrevia. Tão habituado que estava a digitar nas pequeninas teclas do seu notebook, já mal sabia escrever com caneta. Isso em vida, depois de morto então...

Mariana assustou-se, pois ainda que tivesse pego o papel muito a contra-gosto, mesmo sem tê-lo lido, só de observar as formas disformes das letras que se amontoavam no papel vestindo o azul da tinta da caneta, deu-se conta de imediato que seria impossível outra pessoa escrever com aqueles garranchos além do seu finado ex-amor.

"Por maior que seja a falta que teus olhos me fazem, que saudade de te ver de costas, chegando do trabalho, erguer tua saia quando finges distraída e começar assim uma noite que demoraria para terminar. Por aqui não tem dessas coisas, que merda... Saudades, beijos com muitas saudades. Xau, Hique."

Não bastasse a letra, não bastasse o fato descrito, ninguém no mundo terminaria um bilhete com uma saudação daquelas além do seu saudoso Henrique.

Mariana sentou-se com o bilhete nas mãos, e chorou copiosamente. Dentre as muitas coisas ternas que sentia falta, também sentia falta daquele atrevimento indecente.
No dia seguinte tratou de procurar o tal médium. Lindo, ele. Olhos claros, moreno, ombros largos. Mas não eram os olhos claros dele que Mariana buscava, e sim os do seu Hique. Mas eram lindos os de Fernando, o médium. Impossível não notá-los.

Nem bem Mariana dissera bom dia, e Fernando começou a tremer-se inteiro de um jeito estranho, quase engraçado, não fosse a solenidade que o chilique transmitia. Quando parou de tremer, olhou fundo nos olhos de Mariana e, na hora, ela deu-se conta que, embora fossem os olhos de Fernando que a miravam, não era o olhar do médium que fitava seus olhos castanhos.

Henrique? Perguntou receosa Mariana, Que saudade, respondeu o médium com voz mais grave que a do falecido, mas com o mesmo tom de voz que tinha quando vivo.
Antes mesmo que ela tivesse tempo de perguntar como eram as coisas no além, em que parte do além ele estava, se estava bem, o espírito incorporado no corpo do médium avançou sobre o corpo de Mariana e lhe beijou do mesmo modo que beijava antes, quando vivo. Se a letra, o conteúdo do bilhete, a saudação final, se qualquer um destes elementos tivessem deixado a bela Mariana ainda com alguma dúvida, o beijo eliminara qualquer espécie de hesitação, era ele mesmo, o seu Hique. E sem que qualquer pergunta fosse feita, amaram-se ali mesmo, na sala onde o jovem médium costumava atender seus consultados aflitos por mensagens dos entes queridos que haviam partido desta para uma melhor, ou não, usando do corpo de Fernando como intermédio para consumarem a saudade que reciprocamente sentiam, pagando por pedágio apenas o valor da consulta, que ele, o médium, recebeu sentindo um cansaço esquisito, diferente daquele que normalmente sentia quando recebia outros espíritos, certamente mais comportados do que o de Henrique. Mais surpreso do que o cansaço que sentia, Fernando ficou quando ela perguntou se ele tinha horário para o dia seguinte. Para a tarde inteira, ela pagaria tantas consultas quantas ele fosse capaz de fazer numa tarde. Pagaria o dobro, mas precisava consultá-lo de novo no dia seguinte. Ele estranhou, mas estava precisando de dinheiro, aceitou a oferta da bela jovem tão aflita pela perda recente daquele que tanto amara.

Por ser mulher rica, Mariana tratou de comprar toda a agenda do período da tarde de Fernando, e diariamente consultava-o, sem que ele entendesse o tanto de assunto que poderia ter um morto para tratar com alguém que havia deixado na terra. Já tinha consultado casos complicados, mas não se lembrava de outra alma que houvesse deixado tantos assuntos pendentes assim.

Eis que, por melhores que as tardes estivessem sendo, mal o espírito de Henrique começara a desabotoar a blusa de Mariana, ansioso pela bela visão que eram os seios de sua amada terrena, alterou seu humor perguntando em tom ríspido, O que é isso nas suas costas? Isso o quê? Retrucou Mariana, Esses arranhões? Foi você, ontem, não lembra? Tá de palhaçada comigo? Claro que não, foi você, não lembra? Quer me fazer de otário só por que eu morri? Eu rôo as unhas, esqueceu? Não, Henrique, eu não esqueci, você ROÍA as unhas, mas você está morto, lembra? O rapaz que você incorpora não rói. Henrique ficou puto, naquela tarde, por mais vontade que ambos tivessem, nada aconteceu. É provável que tenha sido a primeira DR pós-morte da história, mas ela aconteceu.

No dia seguinte Mariana não apareceu. Nem no outro, no outro e no outro.

Um dia, o telefone de Mariana toca. Era Fernando. Ficou preocupado, há quase dois meses que ela ia até ele todos os dias e, de repente, parara de ir, mesmo com os horários já pagos antecipadamente, simplesmente faltara sem aviso prévio. Mariana ficou comovida com a ligação, Fernando perguntou se ela queria conversar, longe da sala onde recebia os espíritos com tarefas inconclusas, apesar de terem uma relação praticamente comercial, apesar da espiritualidade envolvida, estava disposto a ouvi-la tanto quanto ela precisasse desabafar, criara um apreço sincero por ela.

Encontraram-se num café perto da casa dela, ela contou tudo, inclusive que usava do corpo dele para matar um pouco da saudade que sentia do seu amado. Fernando disse que já sabia, e que talvez por isso tivesse sentido tanta falta, pois apesar de ser usado como meio de transporte para o finado, assim como o cansaço ao fim de cada consulta, sentia também o prazer que havia durante as sessões. Mariana ficou encabulada, Fernando confessou que as unhas nas costas dela foram propositais, uma pequena interferência que conseguira fazer, ainda que nas possessões pouco pudesse com a força dos espíritos que incorporava. Eu gostei, confessou Mariana, Posso fazer de novo, disse Fernando. Mariana ofendeu-se, era mulher fiel, amava o seu Henrique. Mas ele está morto! Bradou Fernando, Mas nosso amor não, retrucou Mariana. Fernando pediu desculpas, disse que não faria de novo, mas pediu que Mariana fosse lá de novo, pois sabia que Henrique estava muito triste sem as visitas dela. Não vou fazer nada, eu juro, será tudo ele, garantiu o jovem médium.

No dia seguinte, lá estava Mariana, determinada a se reconciliar com Henrique, tanto quanto a dar um ponto final naquela história maluca.

Assim como nas vezes anteriores, nem bem Mariana chegou, e Henrique – através de Fernando – precipitou-se sobre Mariana cheio de amor do além pra dar. Mariana não resistia ao beijo de Henrique. Amoleceu-se toda, umedeceu-se toda. No momento em que Mariana, nua e linda, aguardava a arremetida vigorosa que Henrique sempre tivera, olhou com estranheza para Fernando, e viu Henrique gargalhando olhando para o membro do médium, outrora ereto e vigoroso como um espírito do além determinado em estabelecer contato com os vivos, mais cabisbaixo que o olhar dos entes queridos no dia em que partira. Mariana não entendeu nada. Henrique explicou. Disse o finado que, sabe-se lá por que cargas d’água, não conseguia incorporar no maldito Fernando fora daquela salinha pequena e abafada que servia-lhes de alcova, mas conseguia acompanhá-lo aonde fosse, e, deste modo, estava com ele na conversa que haviam tido no dia anterior, no tal café. Henrique ficou puto com a confissão do médium de que podia sentir, e que foram propositais as unhas nas costas de Mariana. Já que ele sentia o prazer que deveria estar restrito a ele, Henrique, e sua amada Mariana, que sentisse também a humilhação de uma broxada diante de uma mulher irresistível como ela era.

Mariana ficou puta, vestiu-se apressada e saiu pisando firme da sala que tantas vezes estivera nas últimas semanas.

Fernando, ciente do ocorrido, mas sem forças suficientes para impedir a fatídica broxada - contra o além pouco se pode – ligou no mesmo dia para Mariana, queria desculpar-se pelo transtorno causado.

Quem atendeu ao telefone foi Camila, irmã de Mariana, chorando muito. Em meio a soluços desesperados, Camila informou Fernando que sua irmã havia sido atropelada naquela tarde, morrera minutos após ter deixado a sala de atendimento do jovem médium.

Fernando ficou desorientado, chorava, estava inconsolável, sem força sequer para suas sessões diárias que dariam um pouco de conforto para velhinhas aflitas pela perda dos seus filhos queridos.

Contudo, um belo dia a urgência das contas que acumuladas lhe cobravam o pagamento já atrasado, Fernando retomou o trabalho mediúnico que a muito se dedicava. Qual não foi sua surpresa quando, na primeira das sessões, ao invés de incorporar o espírito de Afrânio, marido de dona Eulália, fora a velha senhora quem incorporara um espírito diante dele. Era Mariana. Mais surpreso ainda ficou quando dona Eulália, no auge dos seus 84 anos, atirou-se nos braços dele beijando-o sofregamente, beijo que, no primeiro contato dos lábios, sabia que só podia ser de Mariana. E amou a velhinha pelancuda com o mesmo vigor que semanas antes, Henrique havia usado do corpo de Fernando para amar Mariana.

Ao fim da sessão, dona Eulália estava exausta, mas num estado tão radiante de felicidade como nenhuma outra mensagem do seu finado marido a havia deixado anteriormente, por mais que, estranhamente, não conseguisse se lembrar da mensagem recebida. Mas estava feliz, e isso era o que importava.

E assim sucederam os dias, Fernando já não incorporava espíritos, mas sua clientela só aumentava, todas mulheres. Todas Mariana. A cada nova paciente que lhe serviria de recipiente para o fogo que as almas não têm como consumar no além, Mariana exigia nas costas as unhas cravadas de Fernando. Agora, por mais que Henrique tivesse suas eventuais crisezinhas de ciúmes pelos sumiços que ela dava toda tarde, já não havia marcas físicas que comprovassem o seu adultério extra-corpóreo.

Embora sentisse falta dos belos olhos castanhos de Mariana, Fernando sentia na flacidez pálida de suas tantas clientes, a firmeza da pele linda da sua amada morta.

Embora vivesse na morte com o mesmo ciúme que sentia quando vivo, Henrique pelo menos gozava do consolo de ter ao seu lado a alma da mulher que tanto amara quando vivo, e nem mesmo a morte fora capaz de fazê-lo esquecer, até por que, outro tipo de gozo, no além, sem chance.

Embora sentisse falta do vigor de Henrique no corpo de Fernando, Mariana consolava-se com a beleza do jovem médium oferecendo a ela o prazer que a morte lhe privara.

Embora tivessem que, tarde após tarde, pensar em novas desculpas para os seus parentes para os arranhões que traziam nas costas, as clientes de Fernando tornaram-se cativas, pois não entendiam direito como, até por que nunca conseguiam se lembrar delas, mas voltavam pra casa com a certeza de que as mensagens recebidas eram cada vez mais lindas.


sábado, 10 de dezembro de 2011

Esqueça!


Vestido florido, simples, flor na cabeça, esqueça

Não fale isso, não pro teu marido, tu sabe quem é que manda

Mande essas flores pra longe, ninguém me manda, minha aliança não aceita amor
proibido

Aceite as flores, tu já sabe, não há o que proíba o que eu me permito

Se tu não entendeu, eu repito: vá embora, anda!

Não há Deus, muito menos mulher, que diga que em mim manda!

A vergonha tu me rouba, dignidade tu não me arranca

Cala a boca e vista roupa de mulher decente

Não mudo de roupa, as que tu quer já vestem tua puta fingida de santa

Não fale comigo nesse volume, meu ouvido reclama, meu punho te cobra um dente

Puta fingida de santa, animal fingido de gente

Não fale comigo nesse volume, meu ouvido reclama, meu punho te cobra um dente

Puta fingida de santa, animal fingido de gente, vá em frente

Deixa disso, não dê valor pra coisa sem importância

Puta fingida de santa, animal fingido de gente, quer meu dente? Vá em frente!

Deixa disso, faz tempo que tu sabe, é na cama que a gente se entende

Minhas pernas se fecham pra quem se finge decente

Mas só quando elas se abrem pra mim é que tu fica contente

Falando assim tu me ofende

Falando assim é que a gente se entende

Nem tente!

Vem cá, tu sabe, melhor vir de frente

Nem tente, a dor que marca qual brasa o peito, não há pau que dê jeito

Jeito tu sabe que eu dou, brasa tu sabe que eu tenho

Gaste teu jeito com ela, tua brasa já não queima meu leito

Não se faça de besta, não volto sem o que eu quero quando venho

Achar que sempre pode, dentre os muitos que tens, é só mais um defeito

Não se faça de besta, não volto sem o que eu quero quando venho, tu sabe

Teu ego em ti, tal qual teu pau em mim, já não cabe

Só um beijinho, prometo que se depois dele tu não quiser, não passo da cabeça

Tu não vai conseguir nada, esqueça

Eu sou teu marido, porra, vista lá a roupa que eu gosto pra que tu me mereça

Vestido florido, simples, flor na cabeça, esqueça!

domingo, 4 de dezembro de 2011

Aquele abraço para o meu querido amigo André Guesser!


Em 12/07 deste ano, André Guesser me respondeu num comentário que fiz no blogue dele, sobre futebol: "Podes ter certeza que terminaremos na frente de vocês!"

O "nós", sujeito oculto do "terminaremos", referia-se ao pequeno time do sul da ilha de Santa Catarina, o segundo daquela região, atrás apenas o Canto do Rio, tradicional time daquelas plagas. O "vocês", referia-se ao maior time de Santa Catarina, Figueirense Futebol Clube, único time deste estado a desfilar futebol de qualidade pela série A do certame nacional. Aliás, único time do estado a participar do certamente nacional.

Guesser, meu querido, tu tocas muita bateria, mas de futebol entendes pouco. Na verdade, entendes bastante, és um ótimo ala direito no futsal, mas não soubeste escolher o time para o qual torcer. Dislexia, talvez. Fato é, que a pequena agremiação que escolheste para torcer, não faz muito além de te envergonhar, sejamos francos.

A pequena torcida do time para o qual meu querido amigo Guesser torce, que de tão pequena hoje, no último jogo que fizeram na série A, campeonato que nós alvinegros estamos habituados a disputar mas eles se sentem muito desconfortáveis, no estádio deles, havia mais torcida vestindo preto e branco do que as cores deles. Mais não, MUITO MAIS! Que tristeza, que vergonha... Isso para não entrarmos no mérito da partida em si, onde o time da casa se preocupou única e exclusivamente em bater, cometer faltinhas e mais faltinhas (até por que não dava para esperar nada diferente disso, pois se em 37 rodadas não souberam demonstrar futebol, não seria justamente agora que saberiam, ora pois), e ainda aquela expulsãozinha camarada que o juiz arrumou. Mas tudo bem, não vou reclamar dela, caso contrário virão alguns aqui bradando, "peralá, quem chora nessa cidade, nesse estado, sou eu!", deixemos então pra eles as reclamações, até por que, mesmo com um a menos, dominamos do início ao fim o jogo no estádio de tijolinho à vista, tal qual uma churrasqueira, excelente para fazer um espetinho de gato!

Amanhã ou depois, chorosos que são, hão de dizer "nós somos campeões brasileiros, e vocês?".

Pausa para reflexão.

Campeões brasileiros?
Série C?

Disso eu não sou e nem quero ser, por que eu disputo a série A, sabe como é?

Acho que não, né?

Dizer-se campeão brasileiro por ter conquistado a série C, é o mesmo que se dizer bom de cama por ter gozado mais longe num campeonato de punheta.

Terminar o campeonato na nossa frente? Desculpe amigo, não foi dessa vez!

Aliás, quase nunca é!

Aquele abraço do time da MAIOR TORCIDA DE SANTA CATARINA (INCLUSIVE NA CASA DO MINI-RIVAL), único catarinense na série A, maior série invicta, maior sequência de vitórias, MELHOR CAMPANHA, tudo na série A, onde os grandes disputam, sabe como é?

Desculpe, eu sei que vocês não sabem.

Estava falando de time grande, foi mal...

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Rodízio


Eu não devia, é errado, eu sei, tu sabes, nós sabemos, mas essa noite lembrei de ti.

Alguém pediu pizza quatro queijos e me lembrei de ti.

É errado, eu sei, tu sabes, nós sabemos, mas lembrei de ti, fazer o quê?

E tocava uma dessas músicas que se derramam sobre as notas, preguiçosas, que pedem o quadril pra lá, depois pra cá, e lembrei de ti. Tu me olhavas, quadril pra lá, depois pra cá. Tu te viravas, quadril pra lá, depois pra cá. Eu te pedia pra mexer assim, e tu mexias melhor do que eu poderia imaginar. E eu não te tocava, e tu dançavas. E eu não te tocava, e às vezes tu me olhavas. E sorrias com o canto dos lábios. E tu me olhavas com a certeza que minhas mãos estavam surtando de vontade de se agarrarem nas tuas sinuosidades, nas formas que ela reza pra ter, busca academias pra encontrar, recorre a dietas pra possuir, e tu exibes como se fosse fácil. Como se fosse óbvio. Como se fosse o óbvio ululante, como diria o escritor-cronista que tu não sabes quem é, mas que saberia te descrever de um modo que eu não teria como. Ele teria argumentos para te descrever melhores do que tinha para descrever um Fla-Flu. Até por que este clássico não seria nada perto do espetáculo que foi ver tuas mãos apertando teu corpo naquela distância que mantinhas de mim, algo entre a segurança e o excesso de confiança, algo entre o fique aí não chegue perto e o me agarre de uma vez, algo entre a prosa e a poesia, algo entre o violino e o overdrive, algo maior e mais belo que o Fla-Flu que ele descrevia, algo maior e mais bonito que um deles sair na frente, o segundo empatar e em seguida virar, para o primeiro novamente empatar e virar mais uma vez, e mais uma vez, e mais uma vez, e mais outra e mais outra, e não seria nada perto do teu quadril pra lá e depois pra cá.

Era rodízio, veio calabresa e tudo bem.

Portuguesa, sem problemas.

Marguerita, ela adorou.

Baiana, ela não conhecia, mas gostou.

Napolitana, ótima.

Frango com catupiry, não curto, mas ela pediu logo duas fatias.

Quatro queijos, aí deu merda...

Não sei se o problema foi o jeito que eu olhei para o garçom quando ele ofereceu, se foi o fato de eu ter aceitado uma fatia ou simplesmente por ter contado a ela, umas semanas atrás, que quando saíamos, a tua pizza preferida era a quatro queijos. Mas deu merda.

Ela ficou transtornada, começou a gritar. Vergonha no volume máximo. Vergonha gritando como funk em carro de playboyzinho com o porta-malas cheio de auto-falantes. E lembrei que uma vez tu me disseste que dançarias funk pra mim. Não sou muito chegado em funk, mas fiquei te imaginando dançando pra mim, devagar, quadril pra lá, quadril pra cá...

E o volume da voz dela aumentava, a voz se alterava, as pessoas ao redor olhavam, o volume só aumentava.

Ora ela me xingava, ora ela te xingava.

Ora eu lembrava do teu quadril pra cá, ora eu lembrava do teu quadril pra lá.

Fiz cara de assustado pra parecer inocente.

Todo inocente tem cara de assustado.

Chamei o garçom e pedi a conta, ela insistia em gritar.

Do mesmo modo que, involuntariamente, minha lembrança insistia em trazer à memória teu quadril, ora pra lá, ora pra cá.

Ela virava pra mim e gritava, eu me lembrava de ti virando pra mim, dançando, devagar e apertando a moldura perfeita e arredondada dos teus ventrículos.

Ela virou de costas e saiu bufando, batendo o pé, eu me lembrei de ti virando de costas e dançando ainda mais sinuosamente, sabendo que quando dizia que adorava te ver pelas costas, não era algo pejorativo. Muitíssimo pelo contrário.

Já na rua, ela me disse que iria para a sua casa e, caso fosse para a minha, que eu não me engraçasse, dormiria de calça jeans.

E me lembrei do jeito que tiravas as tuas. Devagar, sempre devagar. Quadril pra cá, quadril pra lá.

Disse que, caso dormisse na minha casa, além da calça jeans colocaria uma calcinha gigante, bege.

E me lembrei da tua camisola vermelha, curtíssima. Quadril pra cá, quadril pra lá.

Fiquei em silêncio, ela parou de gritar.

Ela pensou que eu estava magoado.

Eu pensava no teu quadril, ora pra cá, ora pra lá.

Ela me pediu desculpas, eu fiquei em silêncio.

Ela me disse que não dormiria de calça jeans, tampouco usaria a gigante calcinha bege. Usaria o que eu pedisse.

Fiquei em silêncio.

Ela disse que faria o que eu pedisse que ela fizesse, desde que eu a perdoasse.

Não fiquei em silêncio. Disse que, ao menos naquela noite, era melhor que ela fosse para a casa dela, não para a minha. Independente do que ela estivesse vestindo. Independente do que ela viesse a vestir. Usaria a preta que sabia que eu gostava.

Eu não disse nada, mas lembrei daquela sua, de oncinha. Quadril pra cá, quadril pra lá.

Ela ficou com os olhos cheios d’água, disse que estava arrependida, mas entendia a minha mágoa. Dormiria na sua casa, amanhã nos falamos, ela disse.

Melhor assim, eu respondi.

Por isso te liguei.

Entendeu?

Agora chega de explicações.

Tire a calça jeans do jeito que tu sabes que eu gosto que tu tires.

Devagar.

Mostre o quão pouco vestida estás aí embaixo desse tecido todo.

Tirei dançando, devagar, bem devagar, do jeito que tu sabes que eu gosto.

Quadril pra cá, quadril pra lá.

Devagar.

Bem devagar.

Quadril pra cá, quadril pra lá...

Assim...

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O dia em que me tornei um ser humano melhor!


Tenho dois textos quase prontos para publicar, um sobre um livro escrito por Humberto Gessinger, outro sobre a Maratona Cultural de Floripa, mas esse exigiu a prioridade que lhe é de direito na ordem das coisas importantes do universo.

Bom, já emprestei dinheiro sabendo que não receberia de volta, já fiz campanha do agasalho para os atingidos pelas chuvas, já adotei bichinhos de rua, já ajudei velhinha a atravessar a rua, já fui voluntário em instituições para cegos, já dei aula de graça na favela, já fiz algumas coisas boas, mas nada disso se compara ao meu recente progresso como ser-humano. Apenas depois do dia 28 deste mês de novembro, eu realmente me tornei uma pessoa melhor: FUI AO SHOW DO CHICO BUARQUE!!!

Foi, sem sombra de dúvidas, sem comparações possíveis, sem parâmetros compatíveis, o melhor show da minha vida!


A coisa foi tão boa que, ainda no aeroporto de Floripa, enquanto Priscilla e eu esperávamos o horário de embarque, faltou luz e o vôo inevitavelmente atrasou. Que merda, nervosismo, por que justo esse vôo teve que atrasar, justo o vôo que me levaria até Porto Alegre para assistir o meu ídolo maior???? Enquanto esperávamos, fiquei refletindo sobre a Maratona Cultural de Floripa – aquela que ainda renderá um texto – e pensando que para chegar a tempo nos shows que meus amigos fariam na Célula Cultural, tive que abrir mão do show do Yamandú Costa no Ribeirão da Ilha. Eis que, para nossa surpresa e encanto, um cidadão gordinho, entediado com a falta de luz do aeroporto, resolveu sacar de um case creme um violão de 7 cordas, e começou a fazer para os poucos felizardos que esperavam impacientes a autorização para seus embarques, um pocket show extremamente pessoal, íntimo e gratuito. Sim, era ele mesmo, Yamandú Costa, aquele que tive que abrir mão estava ali ao nosso lado improvisando daquele jeito que só ele é capaz no mundo.

Mas vamos ao que interessa, vamos ao seu Francisco.

Teatro sensacional (igual deve ficar o CIC daqui uns 49 anos, quando encerrarem a reforma que fechou o principal espaço cultural da capital catarinense), público educado, lugares privilegiados com o microfone no centro do palco bem à nossa frente.


Afortunado que estava naquela noite, ainda comprei um vinil do último disco, Chico. Isso mesmo, um vinilzão como os de antigamente! Que coisa boa a sensação de comprar um vinil zero quilômetro, lacradinho, coisa cada vez mais rara! Só faltou o selinho da finada Brunetti.

Meu amigo, que tremedeira quando vejo aquele senhor de cabelos grisalhos passando por trás da bateria, vindo até o front, empunhando seu Takamine e mandando os primeiros acordes daquela que viria a ser uma apresentação irretocável, mesmo com os pequenos erros, ou também por causa deles.

O show foi curto, mas valeu a espera de 32 anos para presenciá-lo. No set estava o novo disco na sua totalidade. Não vou fazer uma resenha do disco, pois não teria a imparcialidade que uma crítica exige, não sei não gostar de algo que ele grava, admito minha limitação. Talvez eu goste tanto do disco, pois, no auge da minha fossa relatada no post anterior, Maittê - que gosta tanto do Chico quanto eu, mas talvez conheça mais do que eu - me enviou por email a primeira música divulgada, Querido Diário, que abre o disco e cuja primeira estrofe me pareceu ter sido escrita em minha homenagem (Hoje topei com alguns conhecidos meus / Me dão bom dia cheios de carinho / Dizem pra eu ter muita luz, ficar com Deus / Eles têm pena de eu viver sozinho).

Gosto muito do disco novo, e todas as canções estavam lá. Entre uma e outra do novo trabalho, algumas clássicas, como Geni e o Zepelim, música que ele nunca tocara em seus shows, e uma boa quantidade de parcerias suas com Tom e Vinícius.

A banda era de uma qualidade que não cabe neste texto, e se houve algum erro, foi do próprio Chico ao confundir os acordes em Valsa Brasileira, interromper e recomeçar com uma risada dizendo, Peraí, errei tudo, vamos fazer de novo.

Plateia em transe, aplausos enormes e calorosos entre cada canção e permanência maciça do público ao final do show, fazendo com que fossem três os bis da apresentação.

Não tenho muito mais o que dizer, pois estou até agora sem palavras para descrever o estado de estupefação em que ainda me encontro.

O set, se não me falha a memória, foi este:

Velho Francisco
De volta ao Samba
Injuriado
Desalento
Querido Diário
Rubato
Tipo um Baião
Essa Pequena
Sem você 2
Chico Bandido
Se eu soubesse
Bastidores
Todo Sentimento
O meu amor
Teresinha
Anos dourados
Sob medida
Valsa Brasileira
Geni e o Zepelim
Nina
Barafunda
Sou eu
Tereza da praia
Baioque
Cálice
Sinhá
A felicidade
Futuros amantes
Correria

Deve ter tido mais uma ou duas que não me lembro bem, a ordem das músicas não foi exatamente esta, mas estas com certeza estiveram lá!

Puta merda, que show!
Já falei que o show foi bom?
Caso não tenha ficado claro, que fique agora, foi O show!

Vou ali sorrir mais um pouco feito um idiota lembrando do show e curtir a sensação de ter cumprido a minha missão na terra, depois volto para publicar os dois textos que falei no início deste.

Saravá!


(PS: Personal Fotografetor deste escritor, responsável pela obra de arte que abre este texto e você pode imprimir, emoldurar e enfeitar a parede da sua casa: Priscilla Rebello)

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Eu voltei! ( e, veja só você, feliz!)


Eu tenho uma dificuldade enorme para me relacionar com a felicidade.

Sei lá, acho ela meio esquisita.

Mas eis que, depois de quase dois anos, resolvemos dividir a mesma cama.

E, admito, a minha ausência prolongada deste espaço, é culpa dela.

Safada!

Bandida!

Acontece que minha inspiração é diretamente proporcional ao meu sofrimento. Quanto mais eu sofro, mais eu crio. Como tenho ocupado meus dias e os minutos que a eles cabem na enjoativa tarefa de ser feliz, me sobrou pouco tempo pra investir na velha inspiração que me inundava de contos.

Para que fique mais claro, iniciei este blogue no dia 10 de dezembro de 2009, vinte e cinco dias após ter me separado.

Fossa colossal!

Não acredito que alguém aceite ir até a frente de um padre (ainda mais sendo ateu), na frente de um juiz de paz, sem que se tenha uma fé tremenda de que aquilo é para sempre. Mas, vez ou outra, as coisas não saem exatamente conforme o planejado, ou imaginado.

Não que essa mudança de planos seja uma coisa ruim, mudanças costumam ser traumáticas, mas quando com elas se aprende, a tendência é que se tornem coisas boas, por mais assustadoras que no início se mostrem.

Acontece que, nas profundezas da culpa (culpa é pior que Diabo Verde, se pudesse ser engarrafada, não teria vaso sanitário entupido que resistisse ao seu poder de corrosão!), canalizar aquelas minhas noites embriagadas e mal dormidas em textos, foi a terapia que me coube.

Meus amigos mais antigos, aqueles que me conhecem desde os 14, 15 anos, dizem que sou o pai do Emo. Naquela época, quando Cauby Peixoto não sabia falar, Hebe Camargo era de fato uma gracinha e a Dercy Gonçalves ainda era virgem, eu queria ser músico. Tinha certeza que seria músico. Mais do que isso, tinha certeza de que depois de mim, o mundo mal se lembraria que um dia haviam existido uns tais Jhon e Paul. Não é exagero, eu realmente tinha certeza disso! Eu queria cantar, mas não sabia. Ainda não sei. Eu tocava bateria. Eu tinha uma banda com aqueles tais amigos. Por ser baterista e fazer questão de ser um marco na história da música mundial, eu era o compositor. Só eu. Não aceitava parcerias. Todas tinham que ser minhas. As músicas, já que as mulheres por força dos costumes ficam com os vocalistas. Mas minhas músicas eram todas, invariavelmente, repletas de dor de cotovelo, pés-na-bunda, um sofrimento enorme e infindável, mesmo com tão pouca idade. Por isso, virei o pai do Emo, segundo meus amigos mais antigos.

Minhas melhores músicas (esse “melhores” é questionável) vinham na mais intensa dor provocada pelos foras e chifres que rotineiramente eu levava das minhas namoradas.

Mas, um dia, eu fiz dezenove anos e me dei conta que, por mais que alguns anos antes eu tivesse tanta convicção em mim mesmo, me dei conta de que não era tão bom assim. Mais do que isso, nem pra bom eu servia, e resolvi me aposentar da música.

Aposentadoria por invalidez.

Outro dia, eu cresci. Virei adulto, sabe?

Cresci e era razoavelmente feliz, mesmo sem ter me tornado um marco na história da música mundial.

E, por ser razoavelmente feliz, já não tinha motivos para compor.

Um dia, ainda feliz, meu querido amigo Maykon Lontra Desmaiada me convidou para escrever num site chamado Tô Puto!

Criei uma coluna chamada “Mattos Sem Cachorro”, onde escrevia crônicas engraçadinhas sobre diversos temas. A coluna deu algum ibope, mas o site ficou chato e eu caí fora.

Aí eu ouvi a música “Mais vinho pra mim”, de Jean Mafra e Thiago Gomes, e fiquei tão tocado com a música que fiquei com vontade de sofrer. A música era, e é, muito linda, ela merece um sofrimento intenso. Mas eu não sofria. Então resolvi escrever um livro homônimo e escrevi. O livro ainda é inédito, mas eu gosto bastante dele. Acho realmente que ficou bom. Hoje escreveria algumas coisas que estão lá de modo diferente, mas não me permito alterar nada para não trair aquele cara daquela época que escreveu aquela história. Qualquer dia desses eu publico aquele livro. Pelo menos eu espero que isso ocorra.

Eis que, depois de alguns anos vivendo naquela felicidade, me casei e deixei de ser razoavelmente feliz para ser feliz de fato. E era, e fui. Mas um dia a coisa mudou. Aí me separei, e fiquei triste, muito triste.

Aí surgiu o blogue, meio sem querer, meio que uma terapia, e o que no início não sabia muito bem que finalidade dar, de repente virou uma espécie de livro virtual de contos. E, não sei se deus viu, mas eu vi que aquilo era bom!

E aquilo tomou cada um dos minutos que antes eu dedicava a sofrer. E, mais uma vez, a tristeza se chegou pra junto de mim encantadoramente inspiradora. Foram dois anos de textos e mais textos, alguns dos quais eu gosto muito, tenho realmente um grande orgulho de tê-los escrito, outros que fiz pra cumprir tabela, pra não ficar muito tempo sem publicar. Mas, sendo uns ou sendo outros, eles vinham facilmente, fluidamente, instintivamente. Eu estava triste, e ficar triste é ótimo pra criar! Pelo menos pra mim.

Por mais que eu já tenha me revelado como o pai precoce do Emo, não é melodrama, os frutíferos meses de vida deste blogue, foram meses muito difíceis de vida minha.

Se não fosse tão egocêntrico, teria procurado um psicólogo, um psiquiatra, a depressão teve momentos realmente preocupantes. Hoje eu vejo com a clareza que só o distanciamento dá, alguns dias foram preocupantes. Eles certamente teriam me receitado algum daqueles tarja preta que prescrevem quando percebem que a coisa tá feia. A coisa tava feia. A eminência do suicídio foi uma constante, sem exageros. Cheguei a tentar, mas não fui tão bem sucedido na tentativa de me dar um fim quanto na de dar continuidade ao blogue.

Mas eis que, uma hora, a maré mudou. Pra ser preciso, foi no dia do meu aniversário. Embora coisas e pessoas boas, ótimas, tenham entrado na minha vida antes disso, foi no dia do meu aniversário, quando completei 32 anos de vida, que ela, a minha vida, mudou.

Já tinha me conformado em jubilar na faculdade, não tinha saco pra escrever o meu TCC, quando um professor da primeira fase, que sempre admirei muito, entrou na loja em que trabalho e, depois de ganhar um desconto especial ao comprar um cortador de grama, me disse que me orientaria no TCC e faria com que eu me formasse.

Uma semana depois, coloquei este blogue em recesso para escrever o tal do TCC, e escrevi. Escrevi 181 páginas em dez dias. E ficou bom. Era pra ser matado, só para garantir o diploma, mas sou obrigado a chutar a modéstia pra escanteio, o trabalho ficou bom.

Era pra ter voltado ao blogue no início de novembro, conforme prometido no post anterior a este, mas aí resolvi curtir umas férias daquela tristeza que antes eu cultivava com tanto esmero, cerveja e cigarro.

E foi então que me dei conta que, mesmo antes do meu aniversário, já havia alguém que estava cuidando de mim com muita paciência, uma paciência que eu provavelmente não teria.

E, somando uma coisa à outra, cheguei a conclusão de que estou feliz.

O que é bom, mas por conseqüência, não tive mais ideias nem vontade de escrever.

Mas eu gosto de escrever, gosto de fazer daqui o meu rascunho. Eu quero verdadeiramente me tornar um escritor cada vez melhor, só preciso encontrar um meio de fazer isso sendo feliz.

Por que agora eu estou feliz, e não me imagino diferente de como agora sou. Não abro mão de sentir o que hoje sinto, nem pelos meus escrivinhados.

Bom, chega de lenga-lenga, venho comunicar-lhes oficialmente que este espaço está reaberto para a nova temporada. Vai me dar mais trabalho, mas vou continuar a escrever meus textos. O próximo, novo, inédito, estará no ar semana que vem.

Contudo, o blogue sofrerá algumas modificações, não será mais predominantemente um blogue de contos, intercalarei meus textos com posts pessoais, como este.

Por quê?

Por que eu quero, oras.

Aos que esperaram, obrigado pela paciência, aos que se cansaram, espero que voltem.

Vou tentar fazer textos melhores do que os anteriores, apesar da minha impertinente felicidade atual.

E que fique registrado, não precisei dos tais tarja-preta para me sentir feliz.

O que me deixou feliz?

Três coisas, as duas primeiras: o Figueirense e o Avaí, cada um a sua maneira.

Mas, principalmente, ele: o amor.

Ah, o amor...

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Aviso aos navegantes


Caríssimos, ilustríssimos, estimadíssimos leitores deste desbocado blogue.

Entrarei num pequeno recesso de aproximadamente 15 dias, para que consiga me dedicar integralmente à conclusão do meu TCC, adiado há uns 3 anos, mais ou menos. Pois bem, considerando-se o fato que, por mais que já tenha concluído todas as disciplinas, se não entregar este bendito documento até o dia primeiro de novembro perderei o direito ao meu certificado, usarei minhas horas disponíveis para este nobre fim.

Sendo assim, espero sinceramente que daqui a 15 dias vocês lembrem que este espaço existe, e voltem a ler meus escrivinhados.

Em novembro, tudo novo, cara nova, vida nova.

Prometo caprichar, para que a espera valha a pena!

Vejo vocês no dia de finados!

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Feliz aniversário, Don Mattos

i like it, i'not gonna crack
i miss you, i'not gonna crack
i love you, i'not gonna crack
i killed you, i'not gonna crack

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

De pai pra filho


Doía, doía muito, tantos eram os machucados.

Contudo, mais do que os machucados, doía-lhe pensar no que seria dos filhos, como ficariam, quem haveria de lhes proteger, quem desceria com eles até a quadra do prédio para jogar futebol nos domingos a tarde, quem estaria do lado do pequeno para lhe amparar no dia em que criasse coragem para pedalar sem as rodinhas que sustentavam sua pequena bicicleta de pé, quem ensinaria para o maior, daqui um ano ou dois, o jeito certo de fazer a barba? A esposa não tinha paciência, quem lhes ajudaria com as lições?

Por melhor que fosse um provável segundo marido, era impossível que outro homem tivesse tanta química com ela na hora de interpretar os personagens das historinhas que contavam para divertir o pequeno, ela fazendo sempre a voz masculina, ele a feminina e o pequeno gargalhava. Que saudade da gargalhada do pequeno...

Por melhor que fosse um provável segundo marido, era pouco provável que encontrasse alguém tão esclarecido a ponto de, mesmo sem acreditar no transcendental que a maior parte das pessoas habituou-se a cultuar, ser capaz de explicar cada uma das crenças ao maior, sem forçar-lhe a crer nessa ou naquela religião, fornecendo-lhe apenas as informações necessárias de cada uma delas, para que pudesse tirar suas próprias conclusões e fazer suas próprias escolhas. Que saudade das conversas com o maior...

E lembrou-se do sorriso da esposa, dos olhos atrás das lentes dos óculos brilhando tanto que nem mesmo a lente anti-reflexo era capaz de disfarçar. E lembrou-se de como amava os seus pés pequenos, e de como ela lhe oferecera uma espécie de amor tão inteiro, que ele nem concebia direito. Lembrou de como cada um dos dias em que viveu ao lado dela, foram perfeitos, plenos, e que nem a constante falta de grana fora capaz de abalroar aquele sentimento tão singular.

E quando fez menção de chorar por ela, antes chorou pela dor que uma das costelas quebradas lhe impingiu no momento em que curvou-se no porta-malas do Del Rey Guia 88, que agora habitava sem ter tido opção de procurar morada melhor.

Costelas quebradas a socos, dentes quebrados a chutes e o gosto familiar, mas, ainda assim estranho, do seu próprio sangue, que vertia das gengivas arrebentadas. Do mundo que, antes, ao lado da família que tanto amava, sempre lhe parecera lindo apesar das dificuldades financeiras impertinentes, agora enxergava pouco, tão inchados estavam os olhos depois das sucessivas agressões sofridas.

Estivessem menos inchados os olhos, talvez reconhecesse o lugar ermo a que fora atirado abruptamente depois de uma freada brusca, pelo careca quase gigante que o ergueu do porta-malas como se não fossem oitenta e quatro os quilos que pesava, tamanha a facilidade com que o ergueu para, em seguida, o atirar ao chão repleto de lama, obra da chuva severa de ontem.

De joelhos, filho da puta, disse o careca.

Não reconheceu como sua, a voz que lhe saiu vomitada boca a fora quando disse ainda esparramado na lama da chuva de ontem, Eu não consigo.

Já tinha ouvido falar, mas não sabia que a coisa era levada assim, tão a sério.

Uma vez, seu sogro lhe falou, Deva para os bancos, todos eles, tantos quantos puderes, só não vá dever pra gente, por que elas, diferente dos bancos, cobram.

O raciocínio médio da maior parte das pessoas que se chegam a médias, decretaria como coisa de vagabundo, safado, desorganizado, mas não se tratava do caso.

Fato é que há tempos o negócio não ia bem. Ia muito mal, para que não se falte com a verdade que os fatos definitivos exigem para si.

Se no começo fora difícil, nos últimos tempos já estava habituado a andar de ônibus. Vendera o carro uns meses atrás, precisava de dinheiro, mas como as prestações do popular usado não tinham chego sequer na metade, não fora muito o que conseguira.

Até os cigarros havia largado, para tentar fazer com que o pouco dinheiro que lhe aparecia vez ou outra, fosse o suficiente para que aos filhos e esposa nada faltasse.

Aquela cervejinha que todo dia lhe fazia uma falta desumana, só tomava quando algum amigo do casal lhes convidava para uma janta qualquer em sua casa, pois se fosse em restaurantes, invariavelmente eram obrigados a declinar do convite, pois não teriam como dividir as despesas.

Enfim, conforme lhe havia alertado o sogro previdente, os bancos, quando indignados com a inadimplência dos seus clientes, o mais grave que fazem é macular o nome dos devedores nos serviços de proteção ao crédito, e aporrinhar-lhes a vida com ligações intermináveis de operadoras de telemarketing embebidas de gerúndio cobrando-lhes uma dívida que já sabem de antemão que não será paga.

Uma pena, para ele, que os agiotas não possuam os mesmos métodos.

A coisa chegou num ponto que, mesmo tendo abdicado do cigarro, da cervejinha, do cineminha, e de todos aqueles pequenos prazeres que deveriam ser protegidos por lei, mas que a lei, filha da cega justiça, não é capaz de enxergar como essencial à felicidade dos por ela protegidos, nenhuma destas privações foram suficientes para poder bancar a prestação abusiva que pagava para que seus filhos tivessem o estudo que julgava serem merecedores, e por esta educação acabou por recorrer aos insensíveis agiotas.

O sogro estava certo, velho filho duma puta!

O careca ergueu-lhe outra vez como se não houvesse peso no metro e oitenta que ostentava, e fez com que ficasse de joelhos.

Começou a chorar em silêncio, só para si.

Sentiu na nuca o cano gelado do revólver que lhe tocava no exato lugar onde, na noite passada, a esposa acariciara na tentativa de fazer-lhe esquecer dos problemas da vida e, pelo menos naquela noite, dormir um pouco.

Tentou segurar, mas não foi capaz, começou a soluçar copiosamente.

O careca pressionou um pouco mais o cano contra sua nuca.

Lembrou dos filhos. Primeiro o menor, quem brincaria com ele? Depois o maior, quem daria a ele os conselhos para que se tornasse o homem de bem que, potencialmente, ele mostrava que viria a ser? Lembrou da esposa e do amor que lhe oferecia, sabia que a dor que sentiria seria de igual proporção.

Começou a cantarolar uma musiquinha boba qualquer, uma que assobiava quando o maior ainda era de colo, e bastava o primeiro assobio para que começasse a fechar os olhinhos e, em poucos minutos, dormiria na paz que toda criança já vem ao mundo sendo merecedora.

O cano do revólver se afastou um pouco, achou que era a distância que antecede o estouro, e assobiou ainda com mais vontade, apesar dos lábios inchados.

O careca começou a assobiar junto com ele.

Por alguns minutos, assobiaram juntos a cantiga de criança, ele não entendia, mas continuava.

O careca parou e disse, Minha esposa está grávida, assobio esta musiquinha para a barriga dela.

Ainda com medo, virou-se para o executor e, se não pudesse ser descrito exatamente como um sorriso, dadas as deformações do rosto que trazia estampadas nas faces, fora esta a intenção.

É um menino, disse o careca.

Tenho dois, ele disse, mas antes mesmo do ultrassom do primeiro, já tinha comprado a primeira camisa do Corinthians para ele.

Também já comprei. Com o nome nas costas e tudo, e sorriu para o corpo que lhe havia sido encomendado, culpa da intrometida empatia que se chegara no meio de ambos.

Do Timão? Perguntou ele.

Lógico, pô, acha o quê, que ele ia ser sãopaulino?

Com certeza não! Se fosse sãopaulino eu agora não estaria todo quebrado, ia estar todo arranhado.

Ambos riram.

E a conversa avançou, ele já não estava ajoelhado, estava sentado ao lado do até então executor.

Mostrou-lhe as fotos que tinha na carteira, deu dicas de como suportar o cheiro na hora da troca das fraldas, uma outra muito boa sobre como arrancar o primeiro dente de leite, sugeriu, inclusive, a escola onde os seus estudavam, escola ótima, mas cara. Caríssima.

Você é gente boa, disse o careca.

Você também é boa pessoa, respondeu ele, e novamente começou a chorar.

O que foi? Perguntou o careca.

E lhe contou os motivos pelos quais estava ali naquela situação, explicou que tudo o que fizera, o dinheiro que pedira, fora única e exclusivamente para poder oferecer aos dois filhos a educação que nunca tivera.

O careca se emocionou, tocou-lhe no ombro como tocam os amigos, mas não chegou a abraçar-lhe, para não se sujar de sangue.

Seus filhos vão ficar bem, disse o careca sorrindo com misericórdia.

Ele sorriu também. Ou algo parecido com isso.

O careca se levantou, ele não tinha forças para tanto.

O careca pegou-lhe pelo braço que não estava quebrado, e o ajudou a se levantar.

Ele sorriu agradecido pelo gesto, mas antes que se desfizesse do rosto deformado pelos socos e chutes o sorriso que esperava ter na face, a bala do revólver do careca estilhaçou-lhe a cabeça.

É que, assim como ele fazia questão de que seus filhos tivessem um bom estudo, o careca fazia questão de que seu filho tivesse, desde sempre, consciência de que é imprescindível ser um bom profissional. Por mais que, vez ou outra, a tarefa dada não lhe agrade, se o patrão mandou, ela tem que ser cumprida.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Um bom dia (enfim)




Foi um Preto muito preto que confundiu à mulher que tateava sonolenta, buscando no criado mudo ao lado da cama o despertador que tocava impertinente. Ela abriu os olhos contrariada, seduzida pelo morno dos lençóis que abraçavam-na tentadores, e contrariada viu o Preto. Era um Preto muito grande e forte, tomava os espaços todos do quarto, não deixando vago qualquer canto para nada mais além de si.

De tão largo que era o peito do Preto, além do quarto dela, a cozinha, a sala, o banheiro, o lavabo do estreito corredor, tudo na casa por ele, o Preto, fora ocupado. E não só na casa, em tudo o mais que havia, o Preto se fazia notar. Só a si e ninguém mais.

Há os que temem os pretos, mas este Preto – tal qual a maior parte dos outros - era uma boa pessoa, um bom amigo. Tanto o era, que sua visita nada mais era do que o anseio genuíno de atender ao pedido de um amigo querido, o primeiro de todos os deuses que houveram. Quando nada mais havia, o Sol era deus bastante, e na sua suficiência partilhada, fazia do mundo um lugar bom. O Preto conhecia bem o Sol, era até parte dele, quando necessário. O Sol disfarçava o Preto, como a anestesia que tenta disfarçar a grosseria do bisturí, querendo convencer que o corte não existe. Mas ele há, e cedo ou tarde irá requerer os ais que lhe são de direito.

Fizeram o Sol e o Preto a combinação de que o Sol, por ser de personalidade mais preguiçosa e leniente, trataria de cuidar apenas de uns poucos planetas, enquanto o Preto, este muito mais disposto ao trabalho pesado, por mais cansativo que fosse, tomaria conta do restante dos universos inteiros. Importante salientar que este Preto não é o escuro da noite, tampouco da madrugada, que nada mais é do que a noite em processo paulatino de desbotamento, clareando os tons negros para tingir-se das cores diurnas. Este é o Preto absoluto, pesado, denso, irrecusável.

Quando os outros tantos deuses não haviam, o Sol e o Preto ocupavam nos universos todos os espaços disponíveis, e é desta época distante que data a amizade de ambos. Não fosse questionável a paternidade, em função da diferença da cor da pele, poder-se-ia dizer até que eram irmãos gêmeos. O certo é que se havia um, era exclusivamente pela existência do outro.

Contudo, o Sol fez-se notar mais profusamente, dada sua indiscrição alegre, tornou-se popular e sinônimo de boas-novas. Mas, diferente de Caim, o Preto não viu no sucesso de seu par motivo para descontentamento, pelo contrário, regozijou-se pelo amigo querido.

Ao Sol atribuía-se as tantas coisas boas, as estações mais belas, as sensações mais ternas, os perfumes mais apurados, as convalescenças, os poemas, as canções, tudo o que havia de bom era acompanhado por algum raio morno que descia do Sol como um afago nos cabelos revoltos do mundo. Isso alegrava o Sol e também o Preto. O Preto orgulhava-se do bem querer que as pessoas tinham pelo Sol, fazia-o feliz a admiração que seu amigo querido despertava em todos. De tão grande o bem querer, não demorou para que os habitantes do mundo passassem a tratar o Sol por divindade. Viam nele a razão, a causa, a justificativa para o que havia de bom, e atribuíam a eventuais indisposições de seu humor, o que por ventura houvesse de ruim. E assim, os dias todos eram bons.

Mas não eram vaidosos, nem o Sol, nem o Preto. E por mais que fosse divertido ser tratado como divindade, o Sol sabia-se apenas parte do todo, nem maior nem menor, nem melhor nem pior do que qualquer outra partícula imprescindível para a manutenção da ordem universal. Talvez por não ter dado importância ao tratamento divinal que recebera, as gentes sentiram necessidade de buscar outros deuses que atendessem suas infindas lamúrias. Precisavam de deuses mais severos, mais rígidos, que lhes impusesse castigos, decretasse pecados, expusesse suas pequenas existências em juízo sacramental.

Dada a índole íntegra e desinteressada do Sol, ele não magoara-se quando perdera o posto de deus que, sem que o houvesse requisitado, lhe deram. Até por que não fazia questão de ostentar as adorações que os outros deuses, todos de caráter pequeno e conduta irresponsável, faziam questão de amarrá-las em cordão de ouro maciço e ostentá-las no pescoço. Os outros deuses tinham orgulho das culpas que inseminavam nas comunidades do mundo, até competiam entre si, para saber qual deles ao cometer um número maior de maldades aos seus adoradores, acabaria por ser ainda mais adorado.

Todavia, quando os anos passaram a acumular-se no depósito do tempo de maneira já bastante notória e volumosa, o Sol notou um comportamento bastante relapso das pessoas do mundo para com as tantas coisas boas que seu calor proporcionava. Não era a falta de bajulação que o apoquentava, mas o descaso com seus singelos cuidados em tornar o mundo uma manjedoura acolhedora e confortável para todas as espécies, tendo elas recebido a vista de quantos reis magos fossem, ou não.

Passavam os anos e mais relaxados tornavam-se os habitantes do mundo, mais sujos, perversos e indignos até mesmo da bondade daqueles deuses de caráter desidioso. O Sol tentou alertar as pessoas, alongou verões, asseverou invernos, eclodiu pequenas catástrofes naturais, alterou marés, tudo na intenção de chamar-lhes a atenção. Mas já fazia tanto tempo que lhe haviam deposto da divindade, que sequer ouvidos lhe davam. Julgavam-se, inclusive, maiores do que ele, o Sol. Acreditavam-se capazes de fazer do mundo e até mesmo da natureza, tudo o que bem entendessem, pois com a suposta inteligência que tinham ganhado dos outros deuses, poderiam reproduzir em seus laboratórios tudo quanto é recurso de que necessitassem. O Sol, outrora divino, agora era tido como residual.

O Sol recolhera-se magoado. Escolheu uma das tantas cidades do mundo, e dela se ausentou sem data marcada para o retorno, e deixou em seu lugar, como se preposto fosse, o Preto, que por ser sabedor da importância que seu amigo tinha para o bem estar do mundo, tentou dissuadi-lo, alertou para as boas pessoas que havia, mas o Sol, ainda que com pesar no coração, já não se interessava por aquela espécie tão vil.

Para que não se causasse pânico, foi no meio da madrugada que o Preto tomou os lugares todos da pequena cidade. Fez do seu negrume espesso, a vida naquela cidade. O ar era negro, as ruas estavam negras, e quando a mulher tateou o criado mudo ao lado da cama à procura do despertador, ainda não havia se dado conta que independente do que fizesse, não haveria luz artificial capaz de cortar a escuridão estabelecida.

Acreditavam as pessoas que a eletricidade dos seus laboratórios, suas fontes, renováveis ou não, de energia, seriam capazes de iluminar qualquer escuro que lhes afrontasse. Mas ainda não haviam sido apresentados àquele Preto. O Preto, quando faz-se presente, não admite luz. Só aceita a interferência do Sol, que por ele é sempre bem-vindo. A mulher tentou o interruptor, a luz do telefone celular, a lanterna que ficava na gaveta do quarto, tateou no escuro até a cozinha, pegou o maço de velas embaixo da pia para acendê-las, mas se assustou quando percebeu que a chama do fósforo que riscara para acender a vela, mesmo tendo queimado a ponta dos seus dedos, não produzira luz nenhuma. Nada podia ser feito, o Preto estava instalado, e até que o Sol resolvesse retornar, daquela cidade não sairia.

Quando as pessoas das outras casas perceberam o profundidade do Preto e deram-se conta de que nada poderiam fazer para ludibriá-lo, acreditaram que saindo da cidade os seus problemas estariam resolvidos. Mas concomitante à ausência da luz, as pessoas todas perceberam que com a chegada do Preto, fora-lhes também removida a disposição para qualquer atitude que pensassem em tomar. Sabiam que não estavam cegos, tanto quanto sabiam também que não voltariam a enxergar. Já não havia em quem quer que fosse a vontade necessária para sair de casa e buscar as respostas que os fariam entender o impasse.

As pessoas ficaram recolhidas às suas camas, encolhidas e muito tristes. Algumas choravam copiosamente pela saudade de um tempo que lhes parecia afastado há séculos, embora fossem poucos os minutos passados desde que o Preto chegara, outras simplesmente ficavam deitadas conformadas com a sentença que recebiam. Alguns ainda pensavam que tratava-se do juízo final prometido por algum dos tantos deuses que haviam passado a adorar, mas outros entenderam que tratava-se da mágoa do Sol.

Mas o Sol não estava magoado pelo desrespeito que tiveram com ele. Sua mágoa era com o desrespeito das pessoas para com o mundo.

Abandonadas por si mesmas em suas camas, as pessoas não entendiam o que se passava com seus animais domésticos, eles permaneciam dispostos, alegres, vivos, e transitavam pelo Preto, como se claro fosse.

Foi no início do terceiro dia, que as primeiras pessoas da cidade abandonada pelo Sol começaram a morrer. Todas permaneciam nas suas camas, deitadas, sozinhas, ainda que estivessem acompanhadas. Não se levantavam sequer para atender as reinvidicações urgentes dos seus organismos. E em pouco tempo todo o ar estava empesteado pelos odores acumulados de todas as pessoas. Poder-se-ia acreditar que numa situação dessas fosse ocorrer uma onda de suicídios, mas não. Nem para tanto havia disposição. As pessoas apenas deitaram-se cegadas pelo Preto.

Por uma mera coincidência, foi no final do sexto dia que a última pessoa viva da cidade parou, para sempre, de respirar. No sétimo dia, o Preto pediu ao Vento ajuda, para afastar dali os odores de dejetos e gente morta, era muita carne apodrecendo entre fezes e urinas. O Preto ficou com pena dos animais, que embora vivos e dispostos, ficavam nauseabundos com o mau cheiro.

Quando, ao meio dia de domingo, o Vento terminou de varrer da cidade os maus cheiros acumulados ao longo daqueles seis dias, o Preto avisou o Sol de que ele poderia voltar, pois já não havia na cidade as pessoas ruins que haviam atrapalhado a coexistência harmônica de tudo o que de tão bom havia. Às três horas da tarde, reticente, o Sol voltou.

Ainda incerto da decisão que tomara, o Sol mandou alguns dos seus fachos mais finos verificarem se aquilo que seus próximos lhe haviam relatado era verdade.

Sim, era verdade.

Não havia no vasto horizonte, que era varrido por seus raios cada vez mais significativos, o menor sinal dos homens.

E o Sol viu que isso era bom.

Agora certo, corajoso, assumiu no céu o posto que lhe estivera reservado desde sempre, mas que deixara vago na noite em que se recolhera magoado. Não usou de prepostos, ele próprio certificou-se que entre as ruínas de uma civilização desnecessária, já não havia qualquer vestígio daquela espécie.

E depois de muito, muito tempo, o amanhecer anunciava, enfim, um bom dia.

O Sol, radiante menos de luz do que da euforia que lhe inundava, decidiu tornar perene a felicidade que, ao menos até então, era circunstancial.

Naquele mesmo dia, nos amanheceres dos outros lugares, com algumas diferenças de horas, o Sol se fez ausente, e o Preto, aquele bem preto, seu amigo mais íntimo e confidente primeiro, tomou nos céus, nos ares, nas ruas, casas, praças, em tudo, o lugar da luz temerária que obstruía a felicidade definitiva.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O Branco Velho


Juliana tinha dessas coisas, não tomava uma atitude importante sequer sem antes consultar alguma entidade do terreiro que fazia ecoar o som dos atabaques três vezes por semana pelo bairro onde morava.

Não buscava alguma entidade em específico, gostava de variar de preto-velhos, caboclos, exus e pombas gira. Conhecia todas as entidades que baixavam naquele terreiro, sabia o que gostavam de beber e o que gostavam de fumar. Dependendo do seu humor ou mesmo do que estivesse disposta a conseguir, levava a oferenda preferida da entidade que buscaria, pois com a experiência que adquiriu no tempo em que já freqüentava o terreiro, cada entidade tinha mais eficácia em cada um dos campos das angústias de Juliana. Pretos velhos eram ótimos conselheiros quando o assunto era algum conflito familiar ou dificuldades no trabalho, exus eram certeiros quando queria afastar algum desafeto, não tinha mal-estar que as receitas dos caboclos não dessem jeito, pombas-gira eram infalíveis nos assuntos do coração, tanto quanto para afastar maus agouros de terceiros. Juliana conhecia todos, poder-se-ia dizer, até, que era íntima das entidades.

Foi numa segunda-feira, dia dos preto-velhos. Juliana notou que João Carlos, um dos médiuns mais antigos do terreiro, acostumado a receber Índio Tupinambá e, nas sextas-feiras, Seu Tranca-rua, estava sentado de maneira diferente do que estava acostumada a ver sentado o Vô Severino, preto velho que fazia João Carlos de mula. João Carlos não estava curvado, balançando pra trás e para frente num ritmo lento e continuado, pitando a cada três segundos um palheiro catinguento que insistia em não permanecer aceso, obrigando o assistente a, repetidamente, reacender o fumo da entidade. Os outros aflitos que foram ao terreiro naquela noite atrás de um algum alento para suas angústias, também estranhavam a postura estranha de João Carlos, em comparação com os demais que, curvados, pitavam seus palheiros e cachimbos enquanto bebericavam Cinzanos, cachaças e vinhos de garrafão.

João Carlos estava sentado com a coluna ereta, pernas cruzadas elegantemente, vez ou outra olhava para suas unhas como quem verifica se estão bem cortadas e limpas, e observava os demais com um olhar arrogantemente superior.

Apesar da estranheza, Juliana se aproximou de João Carlos, ou seja lá quem fosse. Quando chegou de frente a ele e abaixou a cabeça, curvando-se um pouco para que ele a pegasse pelos ombros e a trouxesse para perto de si, primeiro do lado direito, depois do lado esquerdo, para em seguida fazer sobre sua testa algum gesto parecido com o sinal da cruz, como faziam costumeiramente os preto-velhos, mas, depois de alguns segundos parada, Juliana percebeu que ele não fizera nenhum movimento. Ergueu os olhos e viu a mão direita de João Carlos estendida, como quem espera um beijo de reverência. Juliana arregalou os olhos, ele ergueu a mão na direção dela, sinalizando com a cabeça que sim, ela estava assim estendida para que fosse beijada. Ela, sem entender direito o que se passava, beijou a mão de João Carlos para, em seguida, vê-lo sinalizando com a mão direita para que se sentasse no banco na frente dele.

Vô Severino? Perguntou receosa Juliana. Ele sorriu com o canto dos lábios e balançou a cabeça negativamente. Chamou o assistente e cochichou-lhe algo nos ouvidos. O assistente olhou-o com estranheza, mas ele sinalizou com a mão para que fosse aonde tinha dito que deveria ir, para pegar o que tinha dito que era para pegar. Juliana permaneceu sentada de frente a entidade desconhecida, enquanto ele, a entidade, sem dizer nada, continuava a examinar as unhas esperando o regresso do assistente.

O assistente entregou a entidade uma cartucheira de couro, aparentemente muito fina, que a entidade abriu com elegância, tirou de dentro um charuto diferente daqueles que estava acostumada a ver no terreiro, e um acessório esquisito que Juliana só tinha visto em filmes, que a entidade utilizou para cortar uma das pontas do charuto e, em seguida, acendê-lo, dar uma demorada tragada, soltar vagarosamente a fumaça naquela atmosfera empesteada dos odores de fumos de péssima qualidade e fazer o semblante que só fazem as pessoas que provam algo tão saboroso que a conseqüência inevitável é o prazer.

Ah, os cubanos, disse a entidade, como eles me fazem falta...

Juliana permanecia estática e silente pela estupefação, quando, após a segunda baforada no cubano, a entidade dirigiu-se a ela, e disse, Permita-me que eu me apresente, Dr. Hipólito Albuquerque de Almeida Fragoso, não vou dizer que sou seu criado, mas vim aqui para lhe dar os aconselhamentos que já estava ciente que virias procurar.

Juliana não disse nada, apenas abriu a boca e a manteve aberta pela surpresa.

Feche a boca, menina, disse a entidade, seus dentes não são bem cuidados, essa imagem não é bonita. Não vim do além até aqui para presenciar estas obturações mal feitas. Se aceitas um primeiro conselho, procure um bom dentista e substitua estas amálgamas por resina, o preço de uma para a outra já não é tão diferente assim.

Cadê o Vô Severino? Perguntou Juliana.

Ele não mais virá, disse a nova entidade. O espaço no corpo deste médium que agora ocupo, passa, a partir de hoje, a ser meu por direito. Ele já cumpriu o que precisava cumprir, agora é minha vez de estagiar neste lugar de pessoas de sensibilidade pouco apurada.

O quê???? Perguntou Juliana, zonza de tanta surpresa.

Isso mesmo, minha cara, a partir de hoje, espero que não por muito tempo, este espaço, este corpo, passa a ser meu todas as noites que, no calendário de vocês humanos, é chamada de segunda-feira, respondeu a entidade.

E você, o senhor, também vai dar conselhos como o Vô Severino dava?

Acredite, menina, caso os sigas, hás de perceber que meus conselhos hão de ser bastante melhores do que os que lhe dava aquele velho senhor semi-letrado.

Mas o senhor não fala como um preto-velho.

Sorte sua, menina, além de conselhos, sairás daqui também com alguma cultura.

Desculpe, estou um pouco assustada, é que não estou acostumada com um preto-velho que fala desse jeito.

Assustado fico eu, minha cara. Você sempre deu tanta credibilidade para entidades que sequer sabem alguma coisa de concordância numeral, e resolve questionar a autenticidade justamente de quem fala corretamente? Já tinha seu histórico nas mãos antes mesmo de incorporar neste rapaz, mas, me desculpe a franqueza, sua estupidez realmente me assusta.

Como é que é?

Bom, sejamos práticos, pois meu tempo é curto e sua compreensão limitada. Tentarei ser o mais objetivo possível, para que ambos economizemos o tempo escasso que temos. Me perguntarás sobre mais esta crise com tua mãe, e te digo, ela está certa! Aquele rapaz não vale nada, é um cafajestezinho de quinta categoria, te jura amor eterno, diz que quer casar contigo, mas, além de ti, tem outras duas namoradas, uma noiva, uma esposa e quatro filhos. Um com a tal da esposa, dois com a ex-esposa, e o primeiro com uma antiga namorada, que já entrou com uma ação contra ele por falta de pagamento da pensão alimentícia. Ouça sua mãe e largue o rapaz, antes de presenciar o infeliz ser algemado pela denúncia da ex-namorada, mãe do primogênito do cafajestezinho. Não é sempre que sua mãe acerta, mas, ao menos desta vez, ela está certa.

Juliana, mais uma vez abriu a boca, espantada.

Feche a boca, por favor. E, também, por favor, não esqueça do meu primeiro conselho. Resina, minha querida, resina.

Sem que Juliana dissesse nada, a entidade continuou. Não, minha cara, não largue o seu emprego. Enquanto não aprenderes pelo menos a falar corretamente, não conseguirás nada muito melhor do que o caixa do mercadinho que hoje ocupas. Enquanto não aprenderes que “pra mim fazer”, “seje”, “menas”, são afrontas inafiançáveis a um mínimo de civilidade que todo mundo deveria nascer possuindo, ficar trocando um sub-emprego por outro não irá resolver o seu problema. Se não quiseres estudar, fica mais um conselho, dê de uma vez para o seu gerente. Você não será promovida, mas conseguirá um pequeno aumento que ele dará não pela sua competência, mas por medo de entregares o casinho para a sua esposa.

Juliana esfregou os olhos, respirou fundo e perguntou, Vem cá, o senhor é mesmo um preto-velho?

A entidade deu mais uma baforada no cubano, sorriu com desdém e devolveu outra pergunta, Vem cá, menina, já conheceste algum preto com tantos sobrenomes quanto os meus?

Juliana não respondeu, mas olhou para ele com o olhar daqueles que esperam o complemento da informação dada pela metade.

Não, minha cara, eu não sou um preto-velho. Eu sou, digamos, um branco-velho.

Como assim? Perguntou Juliana.

É que o além anda com umas ideias de responsabilidade social, e resolveu imitar alguns novos hábitos da terra. Entrei neste terreiro pelo sistema de cotas. Sou o único branco daqui. Cotas,sei que tu já ouviste falar.

Juliana se levantou, beijou novamente a mão da entidade com título de doutor, e foi embora.

Embora quisesse agir como uma mulher moderna e sem preconceitos, Juliana tinha lá seus preconceitozinhos. E, mesmo não admitindo para ninguém por medo de ser recriminada, dizia para si mesma que jamais se consultaria com um médico que tivesse se formado depois de ter ingressado na faculdade pelo sistema de cotas, em detrimento a outros tantos que mereceriam ter entrado pelo tanto que estudaram.

Do mesmo modo, não poderia levar a sério os conselhos dados por uma entidade ingressa no terreiro pelo mesmo sistema de cotas.

Depois que o cafajestezinho deixou a cadeia, Juliana casou-se com ele, para desgosto da mãe. Foi largada meses depois. Grávida.

Largou o caixa do mercado, tornou-se balconista da loja de conveniência de um posto de gasolina, depois operadora de telemarketing, depois vendeu lingeries e Natura por catálogo, depois conseguiu outro emprego de caixa em outro mercado.

Mas, por algum motivo que nem ela mesma entendia, não seguiu os conselhos do branco-velho.

Nunca aprendera a falar direito.

Podia ser um preconceitozinho besta, mas Juliana acreditava no mérito, não em sistemas de cotas.

Juliana nunca mais pisou num terreiro.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O filho do Diabo


Ele achou que daria certo.

Já havia tentado tanta coisa infrutífera, tantos planos mirabolantes, que a mais simples das ideias jamais lhe ocorrera.

Mas, um dia, lendo uma revista que chegou às suas mãos por acaso, uma revista de administração, leu um artigo sobre benchmarking, e resolveu aplicar o termo que tornava politicamente correto o plágio empresarial, nas suas estratégias para desbancar o Todo Poderoso.

Pensou nas práticas utilizadas por Ele para que Seu plano tivesse sido tão bem sucedido, ainda que absurdo e, a partir destas reflexões, resolveu copiar a estratégia primeira para, enfim, conseguir dominar o mundo e ter na malha da sua tarrafa uma quantidade ainda maior de almas repetindo os dogmas que criaria, sem sequer pensarem no que estavam dizendo.

Terminado o artigo, o Diabo falou em voz alta para si mesmo, Rá, preciso de uma virgem!

Começou aí o seu calvário na tentativa de criar um herdeiro para viver um calvário.

É que há dois mil anos atrás, era fácil encontrar virgens, já nos dias de hoje...

Nesta primeira dificuldade, entendeu por que na mesma revista de administração, mas em outro artigo, um empresário qualquer, líder de mercado no segmento em que atuava, dizia que o importante era ser pioneiro, inovador, pois por mais que o copiassem, estaria sempre um passo a frente da concorrência.

Ponto pra Ele, pensou o Diabo, mas não desistiu do Benchmarking.

Deu trabalho, muito trabalho. Algumas até convenceram o espírito que, apesar de não ser santo, ele utilizara para a tarefa da fertilização, mas mal começava o ato, o espírito percebia que de virgem a menina não tinha sequer o signo. Isso que ele seguia a risca o manual do Outro, buscava meninas novas, mas não adiantava, nem mesmo no signo elas serviam. E isso era fácil de detectar, pois pela lábia elas poderiam convencer o espírito da suposta virgindade, mas por ser programado para fecundar uma menina intacta, ainda que mentissem muito bem, no momento do ato caso não fossem realmente imaculadas como diziam ser, o espírito broxava. Triste, mas é verdade.

Pior, mesmo broxando, elas cobravam o combinado do mesmo jeito.

É que nos dias atuais, as meninas, mesmo as novas, não crêem nos espíritos que surgem diante de si pela simples fé, mas por escambo, negócio. Ofereço-te o que procuras, se me pagares o que te cobro.

Ele até pagava, mas errava no cumprimento da missão que lhe fora destinada.

A coisa começava a complicar, pois o orçamento do capeta não era igual ao do Outro, que vivia vestido de branco com franjas de ouro e querubins loirinhos tocando harpa o tempo todo. A maior parte do seu orçamento precisava ser destinado à compra de carvão, para manter o inferno quentinho como deveria ser, mantendo as almas que lhe cabiam em constante estado de picanha mal passada, tostadas por fora e sangrando por dentro.

Eis que um dia, quando já recorria aos juros abusivos do cheque especial, que embora muitos acreditem que seja obra dele, ele nada tem a ver com aquelas taxas cobradas compulsoriamente, para manter firme e forte sua empreitada, o espírito encontrou uma menina de dezesseis anos esperando o semáforo fechar para entregar aos carros que esperariam impacientes o verde do sinal, panfletos de uma casa de massagem que ficava num prédio ali perto. Fora tão intensa e instintiva a ereção do espírito, que ele não teve dúvidas, tratava-se de uma virgem!

Pegou o panfleto, puxou conversa e, conversa vai conversa vem, ela não entendeu por que ele caiu na gargalhada quando ela disse que seu nome era Maria. Nada não, disse ele, é que lembrei de uma história antiga, mas nada contigo, posso te pagar uma cerveja? Eu não bebo, ela disse, Ah, as Marias, ele retrucou, ela não entendeu, Uma coca, então?, ela aceitou.

Demorou mais do que o planejado, ele teve que conhecer os pais, comprar aliança de prata, mandar flores, e convencê-la de que não seria pecado se fizessem o que ambos queriam fazer mas não faziam pelo medo que ela tinha do fogo eterno. Não é tão eterno assim, ele disse, às vezes falta carvão, O quê?, ela perguntou, Nada não, deixa pra lá, Ele respondeu com uma risadinha no canto dos lábios.

Mas, um dia, os pais da jovem Maria foram viajar com o grupo de casais da igreja, foram visitar a catedral de Aparecida do Norte. Ele riu, ela não entendeu, mas no fim da noite, cedeu. É que pouca gente sabe, mas o dia em que a mulher ovula, o tesão é irresistível. Crescei-vos e multiplicai-vos, disse o Outro. Valeu Senhor, pensou o espírito. Sendo assim, ela cedeu. Cedeu e viu que, apesar daquela dorzinha incômoda do início, aquilo era bom. Bom, mas tão bom, que não parecia que algo tão bom seria capaz de causar enjoos tão ruins quanto aqueles que ela passou a sentir semanas depois.

Feliz da vida, ou da morte dependendo do ponto de vista, o Diabo via enfim seu benchmarking tomar forma.

Ela espantou-se quando o filho que deveria parecer prematuro, já que nascera de cinco meses, nascera perfeitamente completo, com peso e altura dignos de uma criança nascida nos corriqueiros nove meses da gestação humana.

Por não ter atentado às aulas de biologia, ela não aprendera que o tempo de gestação da cabra, mulher do bode, é de cinco meses e, embora não tenha nascido com os mesmo pés e chifres de bode que o pai tinha, o tempo de gestação necessário para que o feto estivesse totalmente formado, fora o mesmo de um caprino.

E, assim, cinco meses após à excursão à Aparecida do Norte, nasceu o filho do Diabo. O messias do Diabo. Filho esse que a menina Maria teve que criar sozinha, já que o espírito escafedera-se tão logo fecundara a pequena. E não houve José que a amparasse. Teve um Wanderlley e um Roberson que até namoraram com ela por alguns meses, mas não queriam assumir nenhum bilhete premiado, como maldosamente apelidavam as meninas que, ainda novas, já traziam nas costas o peso que tiraram do ventre.

O menino crescia e, tal qual aquele outro, tinha uma oratória apuradíssima, capaz de amontoar ao seu redor uma pequena multidão interessada no que dizia. Mas, por ser pobre, filho de mãe solteira, o talento que desde sempre demonstrara na carpintaria, não seria capaz de garantir sua subsistência. Até mesmo o outro, o primeiro, não seria capaz de manter-se, se naquela época já existissem a Bosch, Makita, Dewalt, e suas tantas inovações tecnológicas que tornam quase desnecessária a presença de um marceneiro. A simples presença de um semi débil-mental capaz de apertar botões já seria o suficiente para beneficiar a madeira com mais velocidade e qualidade do que se fazia antigamente. Sendo assim, para garantir o pagamento em dia do aluguel do barraco onde morava com a mãe, vez ou outra servia de entregador de baseados que os homens mais influentes do que ele do bairro, usavam para chegar até os riquinhos que precisavam das substâncias ilícitas para impressionar as meninas tão ricas quanto.

Quando, já crescido, o talento para os milagres se tornou bastante presente, o que de início impressionava, depois tornou-se um incomodo, pois, como não tinha muito clara a sua missão na terra, diferente daquele primeiro, ao invés de multiplicar pães, peixes e vinho, multiplicava as bolas de sinuca na mesa, quando percebia que estava para perder numa partida qualquer. Ou então, multiplicava os azes que trazia na mão quase sempre ruim, nos jogos que fazia a dinheiro no boteco da esquina. Pode parecer injusto, mas enquanto o primeiro levou fama de abençoado pelo dom que ostentava, ele carregou o rótulo de trapaceiro.

Ainda não tinha se dado conta da semelhança dos seus dotes, com os talentos daquele primeiro, até que um dia, quando sua mãe lhe pediu para levar-lhe ao templo de Madre Paulina, perdeu o controle da CG Titan que guiava e arrebentou com os ambulantes que amontoavam-se em frente ao templo milionário erguido em homenagem à mulher que morrera pobre doando tudo de si aos mais necessitados.

Quando os ambulantes perceberam-se no prejuízo pelo acidente ocorrido, ao invés de socorrê-lo, tentaram linchá-lo, percebeu a semelhança e saiu quebrando o pouco que restara intacto, chamando-os de ímpios, palavra que ele sequer sabia o significado, mas alguma espécie de inspiração lhe trouxera aos lábios.

Foi hospitalizado, depois de ter voltado para casa na ambulância do SAMU, e começou a analisar as semelhanças contando as visitas que recebeu, e deu-se conta de que foram doze os amigos que lhe visitaram. Tudo bem que entre eles havia traficantes, ladrões de som de carro, batedores de carteira, ex-presidiários, um travesti e um, apenas um evangélico, mas eram doze. Teve também uma menina que veio lhe ver, uma por quem nutria um sentimento diferente das outras tantas que tivera, tão verdadeiro que sequer se importava com o fato de ela trabalhar na mesma velha casa de massagem onde, anos atrás, fez com que sua mãe conhecesse o seu pai desaparecido ao entregar um panfleto num sinal fechado.

Algum pouco tempo após ter saído do corredor do hospital público onde ficara por dias recuperando-se das escoriações oriundas do acidente em Nova Trento, os amigos, aqueles mesmo doze, marcaram um happy hour num puteiro do bairro vizinho. Tinham que comemorar, oras, ele estava enfim convalescido.

Pediram uma cerveja, tomaram, outra, mais uma, mais outra, já eram mais de dezessete as garrafas vazias na mesa, sem que ele precisasse erguer sua mão direita fazendo com que elas se tornassem mais dezessete cheias e geladas, quando um arrepio gelado lhe percorreu a espinha.

Levantou dizendo que precisava ir ao banheiro, mas sabendo que algum dos doze, naquela noite, lhe passaria a perna. Antes de dirigir-se ao mictório, parou diante do evangélico, que fora até àquele recinto muito a contragosto, mas concordava que a recuperação do amigo querido merecia uma comemoração, tocou-lhe o ombro esquerdo e sorriu. O evangélico levantou-se, sorriu, abraçou-lhe e beijou-lhe o rosto. Isso vai dar merda, ele pensou. Depois que o evangélico se afastou, ele puxou novamente o amigo para junto de si, novamente lhe abraçou, e sem deixar que o jovem crente percebesse, colocou no bolso da jaqueta do rapaz o papelote de cocaína que trazia consigo.

Quando os federais invadiram o puteiro e realizaram a rigorosa vistoria em todos os doze, foi o evangélico quem se deu mal.

Ele não sabia se tinha sido o jovem crente quem avisara aos meganhas, mas se alguém tinha que se ferrar naquela noite, que pelo menos não fosse ele.

Foi após este evento, que o Diabo se deu conta de que seu plano não dera certo. Embora muito bem arquitetado, e com os ingredientes iguais aos utilizados por Ele, nada do que havia planejado deu certo.

O evangélico ficou preso por alguns anos. Pela inocência e pureza que sempre tivera, fora feito menininha na cadeia, pegou AIDS, e morreu antes mesmo do seu julgamento ocorrer.

Ele, o filho do Diabo, não foi crucificado, não teve calvário, nem nada do gênero. Casou-se com a tal da menina que um tempo atrás havia trabalhado na casa de massagem, passou num concurso público do tribunal federal de justiça e exercia o ofício de motorista dos juízes que ganhavam num mês mais do que ele ganharia no ano. Tomava cuidado para não deixar que percebessem os seus pequenos milagres. Na verdade, só os usava quando algum dos pneus dos carros federais furava, para não precisar sujar suas mãos e erguer peso. Vedava o furo e fazia com que os pneus enchessem de maneira mágica e, como os magistrados sequer saíam dos carros, nunca perceberam os pequenos milagres que ele fazia para benefício próprio.

E, assim, o Diabo percebeu que, tal qual a bíblia, as revistas de administração ensinam um monte de coisas lindas e perfeitas, mas impossíveis de darem certo.

Não, não pode ser, disse o Diabo numa noite de sábado enquanto assistia o comercial de um refrigerante na televisão.

O que importa é o pioneirismo.

Por mais que tente, a Pepsi nunca vai ser a Coca-Cola.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Quartos de hotel


No 601 ele abriu uma cerveja e sorriu olhando-se no espelho enquanto esperava a pessoa para quem ligara, atender no outro lado da linha. Tinham desconfiado da sua intuição, e, de certo modo, sabia que aquela era sua última chance. Mas agora poderia provar pra todo mundo que nascera sim para aquilo. Finalmente um flagrante a altura da expectativa que depositaram desde sempre nas suas costas. Tiraria fotos, o safado algemado, seu distintivo ao lado de tudo aquilo que sabia que o safado trazia na mala, não havia dúvidas, esfregaria na cara de todo mundo que escritório é o caralho, o seu lugar era na rua, caçando vagabundos. Coitados dos vagabundos com ele nas ruas. Acenderia um com um pouco do tanto que apreenderia, o stress justificava aquela necessidade de relaxamento. Daria um teco com um pouco do tanto que não entregaria e manteria junto dos seus pertences. A ocasião justificava a comemoração, o brinde entre ele e sua narina. Aquela era sua noite.

No 504 ela se amaldiçoava pensando no por que não escutara sua avó e fora estudar. Agora estava ali, vestida de freira sexy, hábito na altura onde as coxas cedem espaço para as virilhas, meias 7/8 pretas e ouvindo aquele careca asqueroso dizendo, Rebola!, ela rebolava. Mostra os peitinhos, ela mostrava puta da cara, a despeito da profissão que exercia com tanto esmero, pensando no tanto que gastar naquelas gigantescas próteses de silicone para agora ter seus peitos que vestem 48 serem chamados de peitinhos, mas mostrava. Mostra a bundinha, ele dizia, ela virava mostrava, revoltada por saber que sem precisar da intervenção de qualquer cirurgião, nascera com a bunda que toda mulher sonhava ter, mas virava e mostrava. Rebola mais, eu tô pagando, ele dizia, ela pensava que tinha cobrado pouco, se soubesse que era um merdinha daquele que encontraria, um desses padres que se escondem em quartos de hotéis vagabundos para manter imaculada a sua falsa imagem de santidade perante a estúpida paróquia, teria cobrado mais, muito mais. Aquela não era sua noite.

No 409 ele pensava até em começar a beber. Aquilo merecia uma comemoração, porra. Não sabia de que jeito falar a esposa que não queria mais olhar na cara dela, e de repente, voltando do trabalho, encontra a vagabunda com outro na cama. Porra, era sorte demais. Se não se separara antes, foi por fazer e refazer os cálculos do tanto que teria que pagar de pensão para a piranha que trazia no anelar esquerdo um anel dourado com o seu nome gravado. Mas agora, agora não. Agora a desgraçada não ia ter coragem de lhe enfiar a faca. Pois maior do que o amor da safada pelo dinheiro, era o amor da safada pelas aparências. E agora tinha na manga o trunfo do adultério do qual fora vítima. Se ela quisesse lhe extorquir, bastaria lhe extorquir dizendo, Tudo bem, pago o que estás pedindo, mas todo mundo saberá por que nos separamos. Não, isso ela não admitiria. Tornar-se a vagabunda dos grupos que freqüentavam, isso não, nem pensar. Definitivamente, apesar do quarto de hotel que deixava a desejar no quesito conforto, só por não precisar gastar ainda mais com aquela desqualificada, não havia dúvidas, aquela era a sua noite!

No 303 ela já estava tão bêbada, que até se esquecera de que não teria dinheiro para pagar o estrago que causava no frigobar. Mas, também, haviam a convencido de que aquele seria um bom emprego. Porra, viajar de segunda a sábado, voltando para a estrada no domingo a noite, para dar treinamentos para pedreiros semi-analfabetos de como utilizar uma trena laser, e ter que ouvir aquele bando de estúpidos ignorantes dizer que aquilo não funcionava, que bom mesmo é a trena manual, que eles sabem, que eles veem a distância medida certinha na fita, e pensar que depois de ouvir estas asneiras ainda teria que explicar por que o nível a laser é melhor do que o que estavam habituados a usar, que as paredes que ergueriam teriam menos chance de cair, e depois disso ouvir aquele bando de débeis-mentais dando risadas como se ela não entendesse nada de construção, só por ser mulher, ô trabalhinho de merda foi arranjar. E ainda tinha que ficar num hotelzinho safado daquele sabendo que aquele merda daquele gurizinho dez anos mais novo do que ela ocupava um cargo muito melhor do que o dela, sem ter a metade da capacidade que ela tinha certeza ter, e ganhava um salário duas vezes maior do que o dela, sem fazer por merecer receber metade do que ela recebia, ah, aquilo não era justo... Aquela não era sua noite.

No 207 ele vibrava! E, mesmo já tendo descido para jantar, pediu um lanche no quarto. Nunca tivera as maiores notas da faculdade, nunca fora dos alunos mais assíduos, e na hora do vamos ver, lá no processo de trainee, mesmo com todos os cdf’s ali, concorrendo com ele, fora ele o escolhido. É que não adianta, malandragem não se ensina nos livros. Mais importante do que saber o que se ensina, é parecer saber. Se os idiotas dos cdf’s tivessem prestado atenção na maneira como ele parecia entendido cada vez que discorria sobre os livros que os professores mandavam ler, e que todos quase decoravam, mas ele ficava ali quietinho, esperando uma meia dúzia dar suas opiniões para depois discorrer sua oratória contrária aos pontos de vista previamente apresentados, mostrando argumentações mais convincentes pela entonação do que pelo sentido, certamente eles teriam entendido por que agora, ali, naquele momento era ele quem estava naquele quarto de hotel com tudo pago pela empresa que fizera a seleção, enquanto os outros teriam que se inscrever em mais um, dois, sabe-se lá quantos processos seletivos até conseguir um emprego que pagasse o tanto que ele passaria a receber já no próximo mês. Que viesse mais um, dois, três lanches, ele merecia. Aquela era a sua noite!

No 102 alguém ligou, mas ele não lembrava quem. Seja lá quem fosse, tinha dito que um dos contatos, alguém do hotel, inclusive, tinha avisado que a barra tinha sujado. Não sabiam como, tudo tinha sido muito bem planejado, mas o fato é que alguém tinha dado com a língua nos dentes de algum meganha de merda sabia que ele estava lá, cheio do que a lei diz que não se deve ter. No dia seguinte, talvez antes, arrebentariam a porta do quarto e dariam o flagrante. Ele não levou a sério. Pô, se fosse numa cidade de verdade tudo bem, mas ali, naquele fim do mundo, ali não, nem fodendo. Acendeu unzinho, relaxou, não tinha como dar errado. Não ia sair dali, àquela hora para tentar esconder o bagulho todo. Se tivesse que esconder, esconderia amanhã, não naquela hora. É que ele não sabia, mas aquela não era a sua noite.

No subsolo, seu Adílson, homem direito, simples, humilde, mas inquestionavelmente um homem de bem, ouviu um som estranho vindo ali do fundo, mas não ia parar agora para ver do que se tratava. Já, já olhava, não agora. Não justamente agora, quando aos 46 do segundo o bandido do juiz resolveu finalmente ser justo e marcar um pênalti a favor do seu time. O barulho era mesmo estranho e só aumentava, mas que esperasse mais uns segundinhos. Era só o desgraçado do camisa nove colocar a bola pra dentro, garantir a permanência do seu time do coração na segundona, e ele já veria de onde vinha aquele barulhinho irritante que só aumentava.

Antes mesmo do narrador do rádio entoar emocionantemente que o atacante corria para a bola para cobrar o penal, o barulho irritante que seu Adílson não quis verificar, mas vinha de uma das caldeiras do hotel que apresentava-se super-aquecida, fez explodir aquele amontoado de concreto e ferro, mandando todos os habitantes provisórios dos quartos supracitados para o quinto dos infernos. Literalmente.

Tudo estava até relativamente justo, um pela soberba, um pela luxúria, um pela inveja, outro pela avareza, um pela gula, outro pela preguiça, só seu Adílson não entendia o que fazia ali, na companhia do capeta, naquele calor pior do que o calor da sua terra natal.

Mas o capeta, gente boa que só ele, apesar de cruel, fez questão de lhe explicar que, mesmo tendo sido um homem muito bom durante toda a vida Severina que vivera nos dias que teve para transitar pela face da terra, ele não teve tempo suficiente para ouvir o desfecho da cobrança de pênalti do seu time do coração. Se tivesse, saberia que da ira não escaparia.

É que os homens não sabem, mas este é o único pecado que até mesmo Ele aceita a condenação presumida.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Sobre a recente escassez de textos


Caríssimo leitor ainda assíduo deste espaço de textos longos e mal criados, faço este post para me desculpar pela ausência e recente escassez de textos. Antes postava três vezes por semana, e agora tem sido uma e olhe lá.

A ausência tem lá suas explicações. Duas, na verdade.

A primeira delas é que sofri um acidente de moto recentemente, e fiquei ocupado demais sentindo dor na perna direita, não tive muito tempo para me dedicar em pensar em novas histórias. Dor no joelho é uma mulher muito ciumenta, fica puta quando paro de dar atenção a ela.

O outro motivo é que, confesso, andava meio desanimado com meus textos. Mesmo antes de ter me estabacado no chão, depois de visitar um belo buraco com o pneu da frente da minha – agora – moribunda moto, já andava meio de saco cheio das minhas histórias. Não estava gostando muito delas, e um combustível imprescindível para que eu consiga manter acesa a vontade de continuar a escrever, é quando consigo escrever algo que gostaria de ler. E, em alguns dos últimos textos, se fosse algo que alguém tivesse me enviado como sugestão, provavelmente eu abandonaria o texto no meio do segundo parágrafo.

Mas, ó, tu não precisas abandonar, tá bom?

Podes continuar lendo todos eles até o final!

Pois bem, em função desta minha insatisfação com meu atual momento criativo, pensei em mudar um pouco o foco deste blogue.

Pensei, num primeiro momento, em usá-lo para descascar minhas opiniões sobre livros, filmes, músicas e afins. Mas isso o Mafra já faz, e com muito mais propriedade e conhecimento de causa do que eu.

Pensei, num segundo momento, em fazer do blogue um espaço voltado para minhas opiniões a respeito das notícias de maior relevância que acontecessem no dia, o que tornaria as postagens até mais freqüentes, mas isso daria muito trabalho, e eu sou muito preguiçoso.

Pensei, num terceiro momento, em postar aqui vídeos e coisas engraçadinhas que eu encontrasse aí pelo mundo do cyber espaço. Mas isso é uma coisa babaca demais.

Pensei, num quarto momento, em falar de futebol. Mas se fizesse isso, provavelmente perderia 98,64% dos meus atuais leitores. E eu gosto tanto deles...

Pensei, num quinto momento, em deletar o blogue e deixar essa história de escrever para depois de me aposentar. Mas também não sou tão preguiçoso assim.

Pensei, num sexto momento, em transformar o blogue num vlogue, sabe aqueles em que as pessoas postam vídeos seus falando sobre o que lhes dá na telha. Pois é, pensei em fazer um desses. Gravar-me-ia, aqui no meu quarto, falando o que quisesse falar, tentando arranjar assunto para falar, ou coisa parecida. Mas, caso fizesse isso, poderiam pensar que eu estava apenas imitando o PC Siqueira, e seria verdade. E eu detesto quando desmascaram minha falta de caráter assim, tão facilmente. É que, porra, o cara tá lavando a égua de ganhar dinheiro só postando vídeo que grava no próprio computador, sentado numa cadeira no meio do quarto, por que eu também não posso ganhar um pouco desse dinheirinho também??? Cheguei até a gravar alguns vídeos, quase postei alguns deles, mas o bom senso me fez recuar e mantê-los dormindo no fundo do meu HD. Até por que, me assistindo, vi que não levo jeito pra coisa, minha webcam grava uma imagem horrível, o som é pior ainda, a voz sai depois da boca ter mexido, enfim, ia ser algo do que eu certamente me envergonharia de ter feito em muito pouco tempo.

Concluindo, depois de muito pensar, resolvi que não vou mudar nada, mas talvez demore mais do que o habitual para postar meus textos, pois não quero postar por postar, quero colocar no ar somente textos que eu ache que ficaram legais.

Aí tu me olhas no fundo dos meus olhos e me perguntas: “Tá, e daí?”

E daí nada, é que tentei fazer um texto agora a pouco e não saiu nada, aí resolvi vir aqui te explicar por que não tenho postado, só isso.

Saravá.