segunda-feira, 11 de abril de 2011

Prejuízo


Duas coisas o deixavam realmente triste, ver uma mulher sofrendo e perder dinheiro.

Tudo bem, não há como negar, ele era um mulherengo incorrigível, mas não o era por mal. Não saía por aí conquistando mulheres só para depois fazê-las sofrer, embora soubesse que acabariam chorando por ele. Sua conduta era um mal orgânico, provavelmente patológico e se, mesmo depois de ter feito tanta mulher chorar por sua causa, continuava a fazer sempre as mesmíssimas coisas, é por que sabia que nos poucos dias em que elas estariam em sua companhia, com certeza elas seriam felizes. Seriam bem tratadas, seriam cortejadas, ouviriam frases lindas que outros homens não seriam capazes de lhes dizer, saberia identificar nelas as qualidades que elas sempre sonharam em ter, e mostraria a elas como estas virtudes eram evidentes, cristalinas, e que se ninguém havia notado até então, é por que não tiveram noção do quão privilegiados haviam sido os homens anteriores a ele, por terem vivido ao lado de uma mulher com virtudes iguais aquelas, sem serem capazes de reconhecê-las.

E ainda era bom de cama, o mulherengo.

E, sim, a maior parte delas ouviu a voz grave dele dizer em seus ouvidos, sussurrando, Eu te amo.

E, sim, de fato ele as amava. Não por muito tempo, mas ainda que fossem poucos os dias que aquele amor ocupava no calendário de cada uma delas, era provavelmente um amor maior e melhor do que o amor que recebiam e/ou receberiam dos outros homens que haviam jurado diante de um altar qualquer, amá-las para todo sempre.

Sempre dizia “eu te amo”, mas tomava o cuidado de nunca dizer, “pra sempre”. Sabia que a próxima mulher com ar carente que aparecesse na sua frente despertaria nele também um amor imenso. Imenso e breve.

É que, até então, ele não amava uma mulher. Ele amava as mulheres, todas elas.

Tinha consciência de que sabia tratar as mulheres como nenhum outro homem saberia, e não seria justo reservar tanto amor para uma única pessoa, ainda mais num mundo repleto de mulheres carentes como é esse de hoje em dia.

Eis que um belo dia, ele se deu conta que sentia por aquela mulher, aquela que sempre estivera ao seu lado, mas até então na condição de boa amiga, nada além disso, algo maior, algo que o deixava confuso. Ela fazia-o sentir um negócio meio estranho, diferente do que sentia pelas outras mulheres que amava tanto, todas elas.

Por mais que já tivesse sido o príncipe encantado de um bom número de mulheres, para ela fazia questão de ser indefectível. E o foi. Como já imaginava, não demorou para que ela também se apaixonasse por ele.

Contudo, por ser sua amiga há muito tempo, sabia da índole galanteadora do homem que passara a amar febrilmente. Tanto quanto ele sabia que ela sofria de ciúmes doentios, que mais pareciam cólicas, tamanha a transformação física que causavam na pequena.

Mas ela aceitou aventurar-se com o amigo transformado em amado, impondo-lhe para tanto a condição de que, enquanto estivesse com ela, não haveriam outras. E por conhecê-lo tanto e tão bem, sabia que não foram poucas as vezes em que ele mantivera amores simultâneos. Até então, aquelas histórias divertiam-na, mas agora era ela a protagonista, e não aceitaria qualquer outra coadjuvante.

Ele, que não era dado a juramentos, aceitou a condição, pois percebera que daquela vez era diferente o que sentia, aquela mulher realmente era especial. E, mais do que isso, sentia-se tão bem ao lado dela, que já não tinha o menor interesse em envolver-se com quem quer que fosse. Por mais carente que parecesse a mulher que viesse a conhecer, o encanto da carência não seria maior do que o encanto que o fazia passar as noites em claro pensando na mulher verdadeiramente amada.

Por ter sido tão próxima a ele antes daquele envolvimento emocional, era freqüentadora assídua do apartamento do galanteador. E, dada a freqüência da sua presença no ninho de amor daquele que até então fora apenas seu amigo, não foram poucas as vezes em que encontrou pelos cantos da casa uma tarraxa de brinco perdida, uma calcinha esquecida propositalmente, perfumes femininos pelos cômodos diversos, enfim, tanto quanto era dedicado as suas conquistas, era inversamente cuidadoso em apagar os vestígios das suas conquistadas.

Mas, agora, conforme prometido à ela, tudo seria diferente.

Na noite marcada para que fosse a primeira de muitas noites inesquecíveis que ambos viveriam juntos, abraçadinhos, se amando a cada novo dia ainda mais, ele a recebeu com o mais apropriado dos climas de romance. Pouca luz, boa música, bebida fina, cardápio sofisticado preparado por ele próprio – todo bom cafajeste cozinha muito bem! – enfim, o cenário perfeito para um amor de dimensões iguais àquele que ambos confessamente já sentiam.

Jantaram ouvindo Sinatra, e entre o bailado impreciso das chamas das velas do belo castiçal que ornava a mesa tão bem posta, ele sorriu, e disse, I’ve got you, under my skin! Os olhos dela brilharam.

Findado o jantar, ele pediu um minuto para ir ao banheiro. Foi escovar os dentes, queria o seu hálito tão atraente quanto o clima que criara para receber a mulher por quem estava disposto a renunciar a todas as outras.

Quando voltou para a sala, encontrou-a de semblante fechado sentada no sofá, erguendo na mão esquerda uma camisola de seda preta, curtíssima, com pequenos bordados nas extremidades. De quem é isso? Perguntou com a voz tensa, Como, de quem é? É sua, oras!

Ela abaixou a cabeça, mas não pode deixar de fazer notar o rubor transtornado nas faces, estava enfurecida, mas não alterou o tom da sua voz, Isso aqui pode ser de qualquer uma das piranhas que você se habituou a trazer para cá, mas meu não é, Não é ainda, meu amor, mas eu comprei para você, Pare com isso, para otária eu não sirvo, Que é isso, meu amor, eu comprei para você, juro! Com a presilha das costas cortadas? Como é que é? Sim, pois a presilha das costas estão cortadas, devem ter te vendido algo usado, Deixa eu explicar, Algumas coisas não tem explicação, Isso tem, eu juro, Você tem dois minutos, depois eu vou embora e você nunca mais vai me ver na sua vida, É que eu comprei num brechó, Realmente, você está me achando com cara de otária, Não, é verdade, eu juro! Não jure, você só piora a sua situação, É verdade, eu comprei num brechó, tentei encontrar algo que estivesse a sua altura numa loja normal, de lingeries novas, mas não encontrei nada que me parecesse adequado ao teu corpo tão lindo, quando estava quase desistindo, passei em frente a um brechó e vi esta camisola na manequim da vitrine, na hora eu vi que era a lingerie perfeita, a lingerie que foi feita para o teu corpo tão lindo, nem me dei conta que haviam cortado as presilhas das costas, Essa é a melhor história que você consegue inventar no improviso? É verdade, eu juro, é a mais pura verdade!

Ela não disse mais nada, levantou-se e foi embora para nunca mais encontrá-lo ou permitir que ele a encontrasse.

Naquela noite, ele dormiu muito, mas muito, mas muito triste mesmo.

Por que se haviam duas coisas que o deixavam realmente triste, era ver mulher sofrendo e perder dinheiro.

E ele sabia que naquela noite, ela estaria sofrendo profundamente por causa dele.

Tanto quanto sabia que o dono do brechó não aceitaria devolver o dinheiro pela camisola que comprara pensando nela, exclusivamente nela.

Um comentário:

Shuzy disse...

Acontece que o Sr. é meu 'pretenso escritor qualquer' favorito...
Por isso, sinto falta sim.

(*=