segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Desencontro




59 minutos depois de você ter ido embora, eu cheguei.

57 minutos completam-se agora, acho que já deu, né?

Apressadinho você, não?

Precisa estar sempre atrasada?

Mulher se atrasa, sabia não?

Não sei se isso cabe a todos os homens, mas eu, particularmente, sou pontual.

A gente tem que fazer maquiagem, escolher sapato, bolsa que combine com sapato que combine com o esmalte que esteja de acordo com o corte que fizemos ontem e não ficou lá essas coisas. Pensa que é fácil achar que a roupa escolhida logo cedo ficou uma porcaria, vestir outras dezenove, combiná-las de trinta e duas maneiras diferentes, para no fim escolher aquela primeira que havíamos escolhido logo cedo? Isso é muito difícil, sabia não?

E tive que inventar um compromisso para escapar da reunião que meu chefe quis fazer na última hora de trabalho, e abastecer o carro, e ir voando pra casa, e explicar para os vizinhos amontoados na garagem que não sou proprietário, portanto, não tenho obrigação de ficar na reunião de condomínio, e subir as escadas voando, e tomar um banho instantâneo, sem tempo para escolher uma roupa a sua altura, mas sabendo com qual não faria feio.

Foi o garçom que me disse que você havia saído não fazia uma hora. Cinquenta e nove minutos, para ele ser exato. Disse que sabia o tempo exato pois foi na hora que ele teve que tirar a moto da farmácia da frente, antes que fechassem o estacionamento e ele ficasse com a condução trancada até amanhã.

O garçom riu da minha cara depois da terceira garrafa, dizendo “acho que tu perdeu, mermão, hoje ela esqueceu de tu, já trago tua conta, só deixa tirar minha moto ali da frente da farmácia, ou só volto pra baia amanhã, mermão”.

Azar o seu, se pela manhã você me disse que sou linda, precisava me ver agora, estou um arraso!

E ainda me dei ao trabalho de comprar e usar aquele perfume que você disse gostar. Estou com ele, pra ninguém cheirar...

Aí eu vou embora e você vai me dizer que não pode me ligar por causa do interurbano.

E você vai voltar pra casa dos seus pais, e vou ser obrigado a dizer que não te ligarei por causa do interurbano, só para não ter que passar pelo constrangimento de ter que dizer para sua mãe que quero falar com você, como fosse um adolescente do colegial.

Pobre!

Faça-me o favor!

Se você não é capaz de pagar um interurbano pra falar comigo, imagine para me impressionar pagando o uísque que eu gosto de beber.

O problema não é o interurbano, mas morar com os pais depois dos trinta...

Pobre!

Faça-me o favor!

Pobre de grana, paupérrimo de espírito, miserável de paciência!

Faça-me o favor, você já está bem grandinha!

Demorei um pouquinho por que estava me arrumando pra você. Demorei por que enquanto me arrumava parei pra ver a lua linda que apareceu na minha janela depois de tanta chuva.

Eu podia ter me arrumado melhor, ter ido ao shopping comprar uma roupa nova, mas não queria te deixar esperando, ainda mais com a lua linda lá fora implorando para que eu perdesse tempo olhando pra ela, ainda mais depois de tanta chuva.

Apressadinho!

Não sei por que ainda me surpreendo, sempre atrasada...

Se você não fosse tão apressadinho e tivesse esperado um bocadinho mais uns anos atrás, seria teu o filho meu. E, de verdade, teria aceitado batizá-lo com o nome de apóstolo que você sempre disse querer batizar um filho seu. Só de raiva, dei a ele o teu nome. Mas ele não é teu, sorry.

Se você fosse um pouco mais ligeira, entenderia meus sentimentos e, talvez, até teríamos tido um filho. E não me importaria de batizá-lo com o nome que você escolhesse, mesmo que não fosse cristão, mesmo que nem passasse perto daquele que sempre quis dar a um filho meu! Depois de tanta demora, batizar um filho teu com o nome meu, não me serve de consolo. O segundo colocado é o primeiro perdedor, mas não precisa se desculpar pela minha derrota, ela é minha, não sua.

Sorry o caramba, bem feito, apressadinho.

Se bem que a derrota é sua. Ainda que já não estivéssemos juntos, pai melhor do que aquele merda, certamente eu teria sido. Mas você demorou para perceber isso. Talvez ainda não tenha percebido.

E o meu filho, aquele que não é teu, gosta de rock, a despeito do teu samba. É divertido ver teu nome gostando de rock, a despeito do teu samba. Orgulho da mamãe!

E agora, pela maldição hereditária que teu rebento traz no sangue, ele deve preferir três pobres notas do que os acordes dissonantes que meus genomas fariam que ele apreciasse. Três acordes, desgosto para um pai...

E amanhã você vai me mandar um email dizendo que falou para eu escolher o horário, de tal modo que chegaria na hora que eu escolhesse e não tivesse desculpas para me atrasar, pois você tolera muita coisa, sua paciência só não absorve falta de pontualidade. Azar o seu, estou um arraso! Você gostaria da roupa que eu escolhi, embora tenha demorado um pouquinho para me decidir por ela. Você a teria escolhido de imediato, talvez por isso tenha vindo com ela.

E amanhã você vai me mandar um email dizendo que demorou por que estava se preparando para mim. Azar o seu, teria adorado mesmo que você estivesse vestindo o pior dos trapos, te ver já me seria o suficiente.

É que eu já fui muito dura, um pouco seca, mas estou gostando da minha fase mais mulherzinha sensível. Estou entendendo o prazer que há na escolha de uma nova cor para os cabelos, coisa que sempre julguei superficial, quase fútil.

É que eu sempre fui muito dócil, muito passivo, mas começo a gostar dessa minha fase mais centrado nos meus interesses do que no dos outros. Estou gostando da minha fase mais macho alfa. Estou entendendo o prazer que há em valorizar meus atos ao invés de baixar a cabeça para tudo que me fazem.

Um pouquinho de futilidade é sempre bom. Estou mais leve, mesmo com uns quilinhos a mais do que quando você me conheceu.

Um pouquinho de aspereza sempre cai bem. Estou mais seguro, mesmo com uns fios de cabelo a menos do que os que tinha quando você me conheceu.

Fiquei pensando sobre o que conversaríamos, em algum momento você teorizaria sobre a superficialidade do BBB, a busca da fama pela exposição ao invés do reconhecimento pelo mérito, parafrasearia Mutarelli, “A arte de causar efeito sem causa”, e eu te diria que pelo menos tem uns caras bem gostosinhos, e você responderia em tom indignado que eu não sou mais a mesma, eu daria risada, depois me entediaria. É que às vezes você é legal, um charme só, outras um tédio de dar pena.

Fiquei pensando sobre o que conversaríamos, em algum momento você faria aquela cara de quem espera uma frase de impacto, mas já passei dessa fase, minha idade já não dá tanta bola para aquela baboseira toda que antes me incomodava. É que às vezes, além de linda, você é interessantíssima, outras, uma previsibilidade de dar sono.

Contudo, mesmo entediada, seria legal se você tivesse ficado para acender o meu cigarro, ao menos isso. Sei que você não viria pra mim com um daqueles discursos chatos de ex-fumantes que falam da vitória sobre o vício como se fosse uma regeneração do caráter.

Contudo, mesmo previsível, teria sido legal gastar umas horas do meu dia do teu lado, talvez acender o seu cigarro, quem sabe até fumar unzinho com você, pelos velhos tempos.

Se você tivesse esperado 59 minutos, talvez eu ficasse por aqui mais umas 59 semanas, talvez não suportasse sua companhia por 59 segundos, talvez você me desse uns 59 orgasmos, mesmo eu já não tendo idade para te dar 59 filhos. 59 mais 10 e poderíamos estar nos satisfazendo reciprocamente no quarto do hotel onde estou hospedada, mas não te direi qual é nem que você implore 59 vezes.

Se você tivesse chego em 58 minutos, talvez eu ficasse do teu lado por mais umas 58 semanas, talvez não suportasse sua companhia por 58 segundos, talvez te desse uns 58 orgasmos, mesmo eu já não tendo idade para 58 ereções. 58 mais nove mais nós dois, e estaríamos na minha casa nos satisfazendo reciprocamente, você não precisaria ter voltado para a frieza de um quarto de hotel, mas já não te aceito, por mais que você me dê 58 justificativas para o seu atraso.

Não entenda essas palavras como desilusão, você não chega a me fazer sofrer, antes fizesse. Eu prefiro o inferno da solidão que o purgatório da sua pressa.

Não entenda essas palavras como desilusão, você não chega a me fazer sofrer, antes fizesse.
Eu prefiro o inferno da solidão que o purgatório da sua demora.

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