sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O amor segundo Francisco


Vou me mandar daqui, já está decidido.

Vou romper com o mundo, queimar meus navios.

Vou largar tudo do jeito que tudo estiver, sem pensar nas contas, nos três ou quatro amores que alimento meio que a míngua, no trabalho, nas multas vencidas, na consulta que o cachorro está devendo ao veterinário, na grama que não cortei sábado passado, no retorno ao ortopedista para dar um jeito nessa minha coluna envergada, sem pensar em nada. Fica tudo do jeito que tudo estiver.

Vou aí, vou pra ficar com você, sem saber se você me quer.

Depois, só você me dirá para onde vou poder ir.

Vamos, enfim, fazer samba e amor até mais tarde.

Samba já estava na programação, amor é a novidade que não te apresento, te imponho.

E será tanto samba e amor, que deixaremos pra lá as horas, mesmo que sejam avançadas, e não terá problema o muito sono que sentiremos de manhã. Não acordaremos de manhã. Acordaremos com o sol já bem alto, já do outro lado da curva do dia.

E falaremos dos nossos amores, de todos eles.

Beberemos e soluçaremos como se fôssemos náufragos. Dançaremos e gargalharemos como se ouvíssemos música. E tropeçaremos no céu como se estivéssemos bêbados. E flutuaremos no ar como se fôssemos pássaros.

E quando for noite de novo, faremos mais sambas e mais amor. E não pararemos mesmo que a fábrica buzine no útero dos nossos tímpanos. E você, bem-vinda companheira, ficará num eterno espreguiçar enquanto eu abraço o corpo do bendito violão.

E estaremos em nossos corpos feito tatuagem, tatuaremos algo nosso. Nós dois gostamos de fazer dos nossos corpos papel para as tintas dos tatuadores. Não que isso signifique que necessitemos de coragem, mas apenas para perpetuarmo-nos escravos um do outro, escravos que reciprocamente nos pegaremos, esfregaremos, negaremos, mas, não largaremos. E quando eu já estiver pesando feito cruz nas suas costas, talvez você já não goste, mas amarei cada uma das suas postas retalhadas por mim.

Quando você estiver cansada de mim, vou dizer que procurarei trabalho, sairei com meu terno mais bonito pra causar boa impressão, vou jurar não me atrasar, vou te provar que posso ser operário aí nesse país estranho. E, de certo, encontrarei por aí bons bares onde possa sentar e conversar com um ninguém qualquer, falaremos de futebol, sei que há futebol aí, e eu e o estranho-amigo falaremos das meninas brancas, descoloridas pela deliciosa falta do sol nessa época do ano, e, na volta, sei que você vai esquentar meu prato, beijará o meu retrato e há de abrir os braços para mim.

No dia seguinte, quando voltar para o bar com meu estranho-amigo, vou dizer que você não é criativa, que todo dia faz tudo sempre igual, que me oferece sempre o mesmo sorriso pontual, com beijo de sabores pouco variados, ora hortelã, ora café, ora feijão. Mas, à noitinha, lá pelas seis da tarde, você vai me esperar no portão, e agora o seu beijo será de paixão e de juras de amor eterno.

E quando eu sair de novo para fingir que procuro trabalho, você falará para suas amigas que eu, o seu amor, tenho um jeito manso que é só meu, que roubo seus sentidos, que violo seus ouvidos com minhas indecências, que terias vergonha de mostrar as tantas marcas que meus dentes deixam na tua pele alva, mas que gostas desse modo de seres a minha menina.

Mas um dia eu desconfiarei do seu comportamento, e vou falar para o meu estranho-amigo, Essa moça tá diferente! Vou delatar que você anda me guardando desdém.

Quando você já estiver explodindo do enfado que minha cara e minhas manias vão te causar, você me mandará ser feliz, passar bem. E você não se importará com minhas crises de ciúmes, mesmo que eu enlouqueça, e você me dirá, Sem você eu passo bem demais.

E vou jogar na sua cara que me atirei assim, de trampolim, dei meu quinhão, botei minha mão no fogo com meu coração de fiador.

Você me dirá, Mentira.

Vou falar que comprei anel, que reservei hotel, que fui muito fiel e que já estava no papel da minha vida o nosso grande amor.

Você me dirá, Mentira.

Vou dizer que você arrancou o coração do meu peito, e hoje lá, por sua causa, mora uma pedra, mas que agora, por sua causa, não sou mais um sonhador, e rejeito as flores da calçada, e rio copiosamente da possibilidade do grande amor.

Você me dirá, Mentira.

E quando nos encontrarmos, você só vai dançar com ele, vai sorrir pra mim e dizer que é sem compromisso. E vou ter que me segurar para não fazer um bate-boca dentro do salão.

Quando você se fartar dos meus destemperos, você me dirá que me deu seu corpo, sua alegria, e agora, no desfecho do fim da nossa festa, você só me pedirá para deixar em paz o seu coração, convertido num pote até aqui de mágoa.

E te ver partir, será perder um pedaço de mim.

Será arrumar o quarto do filho que não chegamos a ter.

E um dia, quando te encontrar já nos braços de outro, vou te exigir explicações, mas em meio aos meus berros você me dirá cheia de uma calma irritante, Te perdoo por te trair.

Vou gritar que você não tem o direito de não me amar, de não me ser submissa, vou explicar que você é a metade adorada de mim, e a outra, que sou eu sem você, não me terá qualquer serventia.

Vou tentar comover você dizendo que você levou meu sorriso, meu assunto e, por sua causa, o meu violão, que antes tocava samba na prévia do amor que fazíamos, agora está mudo.

Mas você me desprezará, dizendo que prefere amar com qualquer nego torto, do mangue, do cais do porto, do que voltar a ser minha namorada, por maior que seja a quantidade de ouro e cobre que eu te ofereça.

E me dirá que mesmo que eu te procure sem minhas tantas fantasias, você sabe melhor do que qualquer outra mulher que não será da noite para o dia que eu vou crescer.

E eu vou suplicar para que você não evite meu amor, que aceite pelo menos meus convites, vou implorar para que você se perca em meus braços, vou pedir que você me aceite fraco, tolo, todo seu.

Mas você não vai voltar e, sem mim, vai ser feliz.

Eu não.

Mas, não tem problema.Vou aí, vou pra ficar com você, mesmo sem saber se você vai me querer.

E amanhã, faremos samba e amor até mais tarde.

Do samba você já sabe, mas, mesmo que não tenha lhe avisado antes, lhe aviso agora, antes que eu sofra, além do samba faremos amor também.

E antes que você acorde, eu vou embora a tempo de você não me fazer sofrer, mas deixarei sobre o travesseiro amassado ao lado do seu, ainda com um bocadinho de cheiro meu, um papel qualquer escrito com minha letra – coisa rara em tempos de digitação – a letra de “Eu te amo”, música daquele compositor tupiniquim metido a escritor que sei que você gosta.

2 comentários:

Bruna Rafaella disse...

Então com relação ao seu texto sobre o Chico...
fica apenas o meu Espetacular ou
Sensacional???!
dá no mesmo pra mim...
lindo texto, tu sabe né?



ps- só pra não passar em branco,
tinha que ter um comentário meu aqui né?
acho que é mania de fã...

=D


Beijo

Laura disse...

Me desculpe o termo um pouco atrevido, porém verdadeiro.. Puta que pariu! De longe é o melhor texto que já li.