terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Tarde demais


Então é assim? Eu vou embora e acabou, ponto final?

Fácil, pra você, não é mesmo?

Você tem ainda a vida inteira pela frente, vai encontrar outros melhores do que eu, mais atentos as suas necessidades, mais bem dispostos, mais prontos para o que der e vier, sem minhas fraquezas, sem minhas limitações.

Fácil, não é mesmo?

No fim das contas, quem vai ficar na mão sou eu, pra você as coisas vão andar como se eu nunca tivesse existido, como se todo o tempo que eu estive aqui não tivesse valido nada, não tivesse acrescentado nada, não tivesse significado nada.

Fácil, não é mesmo?

Eu deixei minha cidade par trás, pra tentar fazer valer a pena.

Eu tinha tudo lá, mas me arrisquei por acreditar que valeria a pena. Você me fez acreditar que valeria a pena.

Mas agora é fácil, quem vai embora sou eu, você e todos ao seu redor vão tocar as suas vidas pra frente como se eu nunca tivesse existido, mas eu existo.

E, você sabe, por tudo que eu me arrisquei para tentar fazer que isso tudo valesse a pena, eu sei que você sabe, não vai ser fácil recomeçar.

Talvez, me olhando com esse olharzinho arrogante de quem acha que está fazendo a coisa certa, a coisa que deve ser feita, você pense que me entenda, mas eu lhe asseguro, você não faz a menor ideia de como eu estou me sentindo.

Antes você tivesse me rejeitado no começo de tudo, mas, pior do que a sensação de ser rejeitado é a sensação de ser descartado.

Eu comprei uma briga com toda a minha família, por ter deixado tudo pra trás e apostar todas as minhas fichas nessa história, por jogar tudo o que eu tinha para o alto e mergulhar de cabeça nessa aventura quase inconseqüente.

Mas, agora acabou, não é mesmo? Pego minhas coisas, entrego as suas e vou-me embora, não é mesmo? Fácil, pra você, não é mesmo?

Amanhã você toca a sua vida pra frente como se nada tivesse acontecido, e eu que vou ter que dar um jeito de me refazer, de reconstruir a minha vida.

Você podia ter conversado comigo antes de chegar nesse ponto, eu poderia tentar mudar.

É fácil para quem está de fora apontar as falhas, os defeitos, as imperfeições. Mas eu não consegui perceber isso. Fácil agora me apontar os fatos, as falhas, mas por que não me disse nada quando a primeira aconteceu? Eu poderia ter mudado, sabia?

Não, você não sabia. Não sabia e não sabe.

Fica aí, com essa pose de superior, como se fosse melhor do que eu por não ter as minhas limitações, por não cometer os mesmos erros que eu, mas isso daqui é uma via de mão dupla, se você realmente quisesse fazer isso dar certo, se você realmente desse tanto valor a isso tudo quanto eu dou, ou dei, teria me indicado o caminho certo logo no começo.

Mas, não, é mais fácil colocar um ponto final em tudo, não é mesmo?

As pessoas podem melhorar, podem aprender com os seus erros, sabia? Especialmente quando não sabem que estão errando, sabia?

Talvez eu não tenha sido o suficiente pra você, mas Deus sabe o quanto eu tentei, o quanto eu me esforcei. Mas, tanto quanto eu me esforcei, eu senti dificuldades, e não tive a sua mão estendida ao meu lado para me ajudar, para me apoiar quando eu precisei.

Você sabia que eu estava precisando da sua ajuda, eu não.

Você sabia que eu estava errando, eu não.

Aliás, mesmo que agora não lhe valha nada, eu estava tentando acertar. Isso eu sabia, você não.

Você reclama, dizendo que eu não fiz a minha parte, mas eu estava lá, sempre ao seu lado, tentando acertar mesmo quando sabia que estava errando. Mas, mesmo que você não acredite em mim, eu tentei acertar.

E não me venha com essas acusaçõezinhas veladas, insinuando que eu não estava cem por cento nessa história, por que eu sempre me dediquei de corpo e alma. Mas sou imperfeito, fazer o quê?

Não se iluda, sei que daqui a pouco um outro vai surgir. Conhecendo você como eu conheço, sei que você não vai demorar para colocar outro no lugar que antes era meu, mas não se iluda, ele pode ser ainda pior do que eu.

E só quando você descobrir isso é que vai sentir a minha falta. Só quando isso acontecer, é que você vai se dar conta que eu não era tão ruim assim, como agora você insinua.

Você ainda vai sentir a minha falta, escreve o que estou dizendo, você ainda vai sentir muito a minha falta.

Chega, ficar aqui dizendo como vai ser difícil superar essa história, não vai mudar nada pra nenhum de nós dois.

Você vai continuar com essa pose de quem sabe que está fazendo a coisa certa, e eu vou continuar tendo sido descartado.

Essa situação toda já me humilha demais, não preciso ficar de discursinho para tentar fazer você se sentir culpada pela tristeza que agora eu estou sentindo, pela frustração que tomou o lugar da vontade que eu tinha de fazer isso dar certo.

Amanhã eu passo aqui e deixo tudo o que era seu. Não tinha nada meu de muito importante por aqui mesmo. Fique com o que eu deixar, caso tenha algo meu. Guarde de lembrança. Vai ser bom para você lembrar de mim quando se der conta de que eu não era tão ruim assim.


Virou as costas, bateu a porta e foi-se embora.

Ele não sabia, mas ela estava com o coração partido por causa daquele rompimento tão abrupto, mesmo apesar de todos os indícios tão evidentes. Aquilo era tão ou mais difícil para ela, quanto estava sendo para ele. Mas era necessário.

Apesar de ainda nova, recém saída da faculdade e um milhão de oportunidades pela frente, fora para aquilo que lhe contrataram. Analisar os números e definir quem era e quem não era rentável para a empresa.

E este já era o sexto mês consecutivo que ele não batia a sua meta.

Ela sabia que ele já tinha trinta e nove anos, nenhum curso superior, mulher, filhos, largara a cidadezinha do interior por acreditar que aquela seria a oportunidade de dar uma guinada de vez na sua vida depois de tantos sub-empregos.

Mas não batia a meta há seis meses, fazer o quê?

Ele não sabe, mas naquela noite ela dormiu angustiada, chorando com o coração apertado, sentindo-se a pior das criaturas sobre a face da terra.

Mas pelo menos ela dormiu.

Ele, não.

Disse para a esposa que não tinha fome, dormiria sem jantar pois estava com muita dor de cabeça, mas passaria a noite inteira acordado, chorando também. Entretanto, a dor da culpa por sentir-se cruel, talvez seja menor do que a dor do fracasso. E, sem dormir, naquela noite ele chorou também, tentando encontrar a maneira mais apropriada de dizer a mulher que fora demitido, que talvez o mais indicado fosse voltar para a cidadezinha de onde vieram, fazer seus filhos largarem os novos amigos que agora tinham, depois de tanto tempo sofrendo pelos outros tantos que haviam deixado para trás para que o pai tentasse oferecer a família uma vida melhor numa cidade estranha.

De qualquer modo, no dia seguinte isso não faria muita diferença. Amanhã ela permaneceria com o excelente salário que recebia para analisar quais funcionários eram receitas e quais eram despesas, para no fim de cada análise determinar quais cabeças deveriam rolar.

Ele não.

Ele permaneceria irremediavelmente demitido.

3 comentários:

Letícia Palmeira disse...

Vida cruel e desmantelada. A verdade é que, seja em ficção ou realidade, alguém precisa sofrer mais. É a lei.

Shuzy disse...

Phoda ¬¬

Mãããs... Cada um com a sua função!
hehe

Bruna Rafaella disse...

Faz parte da vida...
nem tudo é o que queremos,
as consequências vem de nós mesmos!