sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Letícia Palmeira



Priscilla, minha noiva, futura mãe dos quatro filhos que eu hei de ter, disse: “Puta que o pariu! Até comentando ela é foda!” Disse isso depois do comentário que Letícia fez num dos meus textos. Priscilla é exigente, criteriosa, requintada, dificilmente gosta de qualquer coisa que não tenha verdadeira qualidade, gosta somente do que é realmente bom, tanto que vai casar comigo. É que eu sou foda, dig-din-dig-din-dig-din. E ela, assim como eu, se encantou por Letícia.

É que Letícia Palmeira (Letícia Palmeira pra você, que não sabe lá muita coisa sobre ela ou não tem tanta intimidade. Para mim, que tenho o privilégio da proximidade que a internet confere às pessoas distanciadas pelos quilômetros que separam Florianópolis de João Pessoa, é a Mendiga), é uma pessoa de um talento raro, raríssimo, singular, tão singular que chega a ser plural apenas nela mesma.

Letícia é escritora e muita coisa mais, mas, provavelmente, a única coisa que ela seja tão boa quanto é escritora, é ser mãe do Pedro. Pedro Palmeira, como gosta de ser chamado. Um menino novo e já alto e que em breve desfilará por ruas nordestinas com a camisa do Figueira trazendo nas costas o número 10 do Fernandes – o maior jogador de todos os tempos de todos os mundos – mas nas costas o nome do jovem menino alto.

Quando comecei a escrever, algo involuntário aconteceu. Não tenho Orkut, não tenho Twitter, não tenho Facebook e não quero ter nenhuma destas coisas. Talvez um dia tenha um ou outro, mas não pretendo tê-los, nenhum deles, para desespero de Jean Mafra. Aconteceu que, por não divulgar o que faço, pessoas que não conheço se aproximaram de mim. Aproximaram-se com a distância segura que a internet dá, mas se aproximaram o tanto que lhes era possível.

E, do mesmo modo, me aproximei de Letícia e hoje me sinto quase íntimo dela. Sorte minha, azar o seu que não teve concedido pela vida o mesmo privilégio que ela me deu.

Nessa de conhecer muita gente, boa parte das pessoas que vieram involuntariamente a mim também escreve. Contudo, embora a maior parte destas pessoas escreva bem, na sua maioria não escrevem nada demais. Desculpe, se o chapéu serviu. É que escrever bem se aprende, escrever como escritor, não. Qualquer um pode cozinhar uma boa comida, nutritiva e bem temperada, mas poucos se tornam gourmet. Letícia é Gourmet de letras e frases e textos e livros. Não me sinto um escritor-gourmet, mas trabalho para chegar lá. Não sei se um dia chegarei, mas morrerei tentando. Ela nasceu com isso de um modo tão natural quanto eu soube desde o primeiro instante pós-placenta, que para viver deveria respirar. Ela não respira, ela escreve.

É um desses casos nos quais se fica admirado em como a indústria da literatura é mal informada. Tem tanta coisa ruim e sem propósito sendo publicada e divulgada, que chega a ser inconcebível um talento raro como o que Letícia traz nas veias estar restrito à internet e umas poucas pessoas bem informadas que já adquiriram algum dos seus dois livros.

Enfim, me apossei de um dos recentes textos desta brilhante escritora, e segue no final deste post a transcrição literal do que ela postou em seu blogue. Não pedi sua autorização, mas acho que ela não vai se importar.

Em breve, publicarei um texto que iniciei e ela terminou. Espero que termine, mandei pra ela nesta expectativa. Em seguida, publicarei um texto que ela escreveu e eu dei sequência.

Agora, segue o texto que ela escreveu e eu fiquei com raiva por não tê-lo escrito.

Beijo, Mendiga, e seja lá o que for!



decora o roteiro


Acontece que aconteceu. E agora Inês é morta. E nós estamos vivos. E eu me encolho toda ao lembrar que não passaria de mais um dia comum se você não tivesse se metido a vir, com sua cara de perdido, amigo, soldado ferido, me visitar. Foi engraçado aquele dia. Conversamos muito até vir a noite e bater vontade de catar o mundo. Você me convidou para sair e disse que a noite seria só de nós dois. Saímos com vontade de beber. Beber e conversar. E veio riso, conversa, vinho que tirava roupa da alma e fomos para outro bar. Você, sempre com seu ar de produto fora de alcance, prateleira mais alta da estante, me olhava surpreso. Ria muito. E eu também. Lembro que nos sentamos de cara, um pro outro. Mesa perto da saída de emergência. Você disse que achava lindo algo em mim. Não retribui elogio. Escapei. Havia placas no lugar. Plaquinhas do tipo conselho avant-garde. Decidi anotar cada frase. Compartilhamos cigarro pelo estreito vão entre as vigas de madeira que cercavam o lugar. Sempre achei que aquele ato, fumar do mesmo trago, foi o início do estrago causado. Era como beijar. E veio mais riso e gente chamando para sentar à mesa e puxar conversar cheia de folga. Eu estava alta de azul e tequila. Você era homem mais que imaginava. Vamos para outro lugar que não quero cara passando a mão em você. E partimos sem companhia. Só nós dois: rindo de medo, frio na barriga, curiosidade em saber o que havia do outro lado do muro que era você, que era eu. Vai me beijar? Minha bravata caiu como luva. E veio beijo longo, completo, boca a boca para nos salvar da solidão. Minha fome era de alguém. A sua era a mesma. Mas já estávamos salvos. Beija outra vez. Agora em público. Duvido que você faça. Fez. Outro beijo. Meio inglês, tímido e educado ao demonstrar afeto. Ri ao ver você com medo de mim. Sou tão indefesa. Mais bebida porque a noite já seguia nos engolindo e a fome aumentava a cada minuto. No carro, o velho amasso desesperado de quem não come há dias. Você me escala, eu engulo você, tira o cinto com pressa, tiro tudo, a luz é forte, vamos para outro lugar. Você dirigia enquanto eu fazia o que não se diz a tantos. Chegamos. Tontos de loucura nós caímos na cama. Corpo meu no corpo seu, algumas ordens para coordenar movimentos, o clima, a fome, à beira do abismo. Mãos na cintura, eu obedeço, mãos no cabelo, eu faço por merecer o que recebo (de você). Mais e sempre a força dentro de mim. Medo e força e olhos fechados para não me ver porque era realmente uma mulher que você comia, que você invadia, que você amava. E chegamos juntos ao extremo. Tombamos na cama. Lembro do cigarro, do trago, da conversa, do silêncio no quarto, da música, um poema dito, mais beijo, tudo caindo no mesmo ritmo, tudo saindo do trilho. E veio dor de cabeça, um adeus esquisito, chá de sumiço e não se fala mais nisso. Sou boa em me calar. A história nem precisava mesmo continuar. Mas eu vou de cara, sem medo, largo na rua meu receio e digo que o seu azar começou faz tempo. Lembra de quando nos conhecemos?

3 comentários:

Letícia Palmeira disse...

Muito obrigada, muito obrigada e muito obrigada. Fiquei sem palavras.

Muda elogiada.

E será um prazer terminar seu texto.

Bruna Rafaella disse...

Que lindo....
Letícia, posso dizer uma coisa?
eu amei seu texto!!!!
eu sei que aqui é o seu lugar David e eu devo dizer isso á Ela, mas ela é sensacional, já vou seguir!!!!!
Linda Homenagem, merecidissíma.
Agora eu pensava que o Mendigo era você David.

Beijosss!!!

mundo da lu disse...

Lindíssimo o texto da Letícia, e a propósito, a carapuça serviu em mim, lógico, mas sou humilde e perseverante, se não tenho o dom, tenho a vida e o tempo para tentar aprender.
Valeu a dica, ela é foda.
um beijo
lu