domingo, 4 de abril de 2010

I me mine


Sei que me exponho neste espaço, muitas vezes desnecessariamente. Mas ainda que por mais paradoxal que seja, quem (só) me lê, não me conhece. Não me sabe, por mais tempo que faça que tenha sido apresentado a mim. Ainda que minha presença lhes tenha sido imposta pela equivocada e irresistível força da natureza, não os torna necessariamente sabedores dos meus verdadeiros e tantos defeitos, nem das minhas poucas e sinceras virtudes. Poucas pessoas têm a exata dimensão dos dois lados da minha libriana balança, sempre tão descompensada.

Faz meses que convivo comigo, só comigo. Uma convivência tão reveladora que me é quase agressiva. Durante os trinta anos da minha vida, disfarcei minha presença no conforto das tantas presenças alheias, que sempre me ajudaram a evitar-me, protegeram-me de mim. E isso foi importantíssimo, pois em outras épocas se fosse exposto à mim, não suportaria me encarar. Agora estou nessa disputada queda de braço entre aquele que eu deveria ser, e aquele que de fato sou.

A minha vida, como tantas outras, talvez a sua, a dele, a dela, talvez todas, foi forjada à fogo brando com o tempero das ideias externas sobre nós e sobre o mundo. Eu me considero um privilegiado, pois ao longo destes trinta anos, foram personalidades tão intensas e fortes que moldaram o que sou, que nas vezes em que me acovardo, é por reverência à elas; nas vezes em que me encorajo, é por inspiração delas. Ofereço justiça a quem não faz questão dela, e sou cruel com quem não merece. A maior vilania da minha vida foi direcionada a pessoa que mais bem me fez. A maior benfeitoria da minha vida é dedicada à um casal de gatos vira-latas, sem os quais não vivo. Ria, se quiser, mas é verdade.

Pensei em citar nomes, na intenção da homenagem. Mas minhas intenções têm sido constantemente mal interpretadas, e se já não gosto de me expor, pior ainda seria expor terceiros, ainda que no anseio do agradecimento. Até por que sei que são reservados, e essa reserva é o que neles me cativa. Não exigem estar presentes em todas as páginas da minha biografia, nem mesmo em todos os capítulos, mas sabem que são imprescindíveis no conjunto da obra que sou. São o silêncio imprescindível antes do refrão apoteótico. São minha fermata, me prolongam quando necessário, me calam quando preciso. E por isso os amo desmedidamente. Sabem quando ouvir, sabem quando não me dar ouvidos, sabem quando calar, sabem quando falar, sabem quando vir, sabem quando se afastar. Eles raramente comentam aqui, mas trocamos emails, telefonemas, dividimos cafés, cervejas, vinhos brancos com macarrão com molho de salmão e ostras; tanto para falar sobre o que aqui foi escrito, para saber se vou votar no Serra, na Dilma ou na Marina, ou apenas para saber como é mesmo aquela receita de yakissoba que eu sei fazer.

Tornar algo meu público, seja para expor algum talento que talvez tenha, ou mesmo a falta dele, desvia o foco das luzes daquele que de fato sou, concentrando as atenções numa pequena e superficial parte minha, uma parte que é totalmente dissimulada, proposital, premeditada.

Sou só, mas não sou sozinho. Tenho vivido assim por opção, eu na minha caverna. Achei que ela fosse pequena e que seria fácil me acomodar. Mas a cada novo fósforo que eu risco para iluminar o seu interior, vou me dando conta do quão grande ela é. Minha demora dentro dela é conseqüência direta do tanto que há para ser explorado. Tenho ainda que enxotar alguns morcegos que me incomodam e, vez ou outra, assustam. Tem uma parte dela que é úmida, fria, me dá dores de garganta e uma impertinente dor no ouvido direito, já quase crônica. Têm outros tantos espaços que são confortáveis e me oferecem uma segurança como até então não havia sentido. Eu vivo descalço na caverna, e os pedregulhos que cobrem o chão machucam meus pés, mas também tornam as solas que me sustentam mais resistentes. Eu vou caminhando descalço - nu, na verdade - pois desde que adentrei, ouço um barulho de água corrente em algum lugar do interior da caverna. Quero encontrar essa nascente e tomar um banho, talvez depois disto me sinta limpo, preparado para dar um novo passeio lá fora. Talvez eu me afogue.

9 comentários:

Tio Ronnie disse...

Tu és, praticamente, o Armando Nogueira do Kobrasol!

Nayana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Oi meu irmão, feliz páscoa, e seja apenas você, aquele david legal, amável, sincero mas não agressivo, e não te afastes daqueles que te amam... hoje fiz um bacalhau e levei na mãe... mas não estavas... te cuida.
beijo
mary

Vó Rita Festas disse...

Se a gente tivesse consciência do quanto nossa vida é breve...
Talvez pensássemos duas vezes antes de jogar fora as oportunidades que temos de ser e de fazer os outros felizes.

Muitas flores são colhidas cedo demais.
Algumas, mesmo ainda em botão.
Há sementes que nunca brotam e há aquelas flores que vivem a vida inteira até que, pétala por pétala, tranqüilas, vividas, se entregam ao vento.

Nos entristecemos por coisas pequenas e perdemos minutos e horas preciosos.
Perdemos dias, às vezes anos.


Nos calamos quando deveríamos falar...
Falamos demais quando deveríamos ficar em silêncio...
Não damos o abraço que tanto nossa alma pede...
Não dizemos que gostamos por achar que o outro já sabe!!
E passa a noite e chega o dia...

E continuamos os mesmos, fechados...
Quanta gente passa pela vida e não vive!!
Apenas sobrevive!

Até que, inesperadamente, acordamos e olhamos pra trás.
E então nos perguntamos:
E agora?!

Agora, hoje, ainda é tempo de reconstruir alguma coisa, de dar o abraço, de dizer uma palavra carinhosa, de agradecer pelo que temos...

Não olhe para trás.
O que passou, passou.
Olhe para frente!
Pense!...
Ainda tem tempo!!!
Não o perca mais!...

SAIA DA CAVERNA!!!

jean mafra em minúsculas disse...

david, querido, um abraço de quem te ama.

Márcio disse...

Cuidado com essa história de sair da caverna, olha só o exemplo do Ricky Martin.
Sair da caverna é como torcer para o avaí, tá na moda. Depois não adianta dar uma de Ney Matogrosso e sair cantando "...por que eu sou é homem...", que ninguém vai acreditar!
Fica aí quietinho que é mais seguro pra você, de preferência encostado na parede.
Mas se preferir, viva la vida loca!

Lamaringoni disse...

...

nossa cerveja já é certa, precisamos apenas marcar a data.

o texto é lindo.

fica bem, que nós gostamos de você.

beijo grande!

Josué Mattos disse...

Eu te amo meu irmão!
Na caverna ou no quintal..
..tocando pandeiro na missa ou atabaque no terreiro..
.. tomando coca-cola enquanto nos embriagávamos à caminho de Camboriú ou se embriagando enquanto tomamos coca-cola..
.. contestando ou concordando..
Esta eterna busca pelo desencontro, o charme em ser anti-herói..
.. fugindo do barulho para ter sossego ou fazendo barulho para espantar o sossego..
só não te entoca demais, você faz muita falta aqui fora..

jean mafra em minúsculas disse...

gente, quem é esse marcio?!? ahahahahahahahaahah