segunda-feira, 12 de julho de 2010

Gourmet


Não apague ainda, meu amor, deixe que eu enxugue as suas lágrimas. Quero que você me enxergue bem enquanto eu estiver falando, não quero sua visão nublada por uma nuvem de água.

Foi você que perguntou quem eu era para o garçom, quando você e suas amigas foram fazer um happy hour lá no pub anexo ao restaurante.
Eu estava chegando para assumir a cozinha, e você, já meio bêbada, quis saber quem eu era.
Trocamos telefones, emails, mas achei que não daria em nada.

Você impressiona e, particularmente, tenho um fraco por mulheres altas. Negras então, sou vítima fácil.

Eis que você me mandou uma mensagem convidando para jantarmos em algum lugar, era dia 29 e você conhecia uma cantina ótima que servia o nhoque da fortuna, com tudo o que o ritual pede. Davam, inclusive, uma nota de um dólar para cada um dos clientes fazer a tal da simpatia de São Genaro.
Mas claro, não perderia a oportunidade de exibir meus anos de estudos culinários, levando uma mulher linda como você para comer num restaurantezinho qualquer.

Você aceitou vir ao meu apartamento.
Enquanto eu preparava a massa do nhoque, sovando lentamente as batatas com a farinha, lhe servi uma taça de frisante brut.
Você fez cara feia após o primeiro gole, e disse que preferia sidra. Da rosinha.

Foi como se você tivesse arrancado o meu dedo mínimo com um alicate de desossar aves.

Servi finas fatias de Pata Negra para que você saboreasse como entrada, você disse que preferia mortadela, ou melhor, “mortãdela”.
Meu amor, aquele presunto custa mais do que o seu décimo terceiro inteiro. Não é justo que você o compare com “mortãdela”.

Foi como se você tivesse feito uma incisão no meu abdome, insuficiente para me matar, mas de tamanho bastante para que minhas entranhas aparecessem.

Quando servi o nhoque com molho calabrês, você disse que não sabia para que tanto trabalho, falou que eu devia ter comprado meio quilo de nhoque Massita, daria na mesma.

Não, meu amor, não daria na mesma.

Essa sua observação foi como se você enfiasse alfinetes enferrujados embaixo das unhas dos dedos dos meus pés.

Mas você é linda, e a habilidade desinibida que você demonstrou após o jantar, no chão da minha sala, me fizeram esquecer as suas indelicadas observações.
E foi por saudade da sua falta de pudor e total ausência de restrições para o sexo, que acabei por lhe convidar para jantar novamente na minha casa.

Preparei um risoto de camarão que, modéstia a parte, ninguém faz igual a mim.
Você me perguntou por que eu coloquei colorau no arroz.

Foi como se você tivesse me amarrado numa cadeira, vedado a minha boca e, bem devagar, fosse cortando com uma faca bem afiada o meu couro cabeludo, sem pressa, só para que eu sentisse lentamente a dor da lâmina escalpelando minha cabeça.

Não, meu amor, aquilo não é colorau. Colorau é o que provavelmente a sua mãe colocou na comida do seu pai, considerando a diferença entre a cor da sua pele e a dele. Aquilo que eu coloquei no arroz se chama açafrão, é espanhol, e daquela qualidade você só encontra em uma única barraca do Mercado Municipal de São Paulo. O quilo deste tempero é certamente mais caro do que a prestação do seu carro popular.

Como eu lamento esta sua estupidez sem precedentes, meu amor.

Mas, considerando o fato de que após o jantar, você pediu para que eu permanecesse sentado na cadeira, quietinho, enquanto você me agradeceria a sua maneira, eu relevei mais uma vez a insensibilidade do seu paladar.
E foi na esperança de receber mais uma vez este mesmo agradecimento, que pela terceira vez eu lhe chamei para jantar na minha casa.

Resolvi preparar algo mais simples, mas muito saboroso.
Preparei um farfalle com massa dura italiana, tentei lhe explicar as nuances do sabor, da textura da massa, mas ouvir você dizer, Ah, se fosse um macarrão Galo, Isabela, pra mim ia dar tudo na mesma, foi como se você cortasse fora os meus mamilos com uma faca para cortes especiais de peixes.

Não, meu amor, não dá tudo na mesma.

Um cachorro vira-latas sente diferença no sabor de dois pacotes diferentes de ração, mas você não consegue diferenciar uma massa dura italiana de um macarrão Galo, Isabela.

Como você é estúpida, meu amor.

Servi um Pinot Noir, e você disse, Ui, que coisa ruim, parece vinagre. Não tem nenhum vinho docinho aí não?

Não, meu amor, não tenho nenhum vinho docinho. Vinhos docinhos não são vinhos, meu amor.

É incrível como a beleza do seu corpo é inversamente proporcional à sua desenvoltura intelectual.

Você colocou gelo numa taça de Pinot Noir.

Você quis colocar açúcar, no Pinot Noir.

Desta vez não consegui sequer aguardar a retribuição que seu corpo perfeito me ofereceu nas oportunidades anteriores.

Você devia ser presa, condenada a reclusão perpétua por desacato à civilização.
Mas a prisão não seria pena suficiente para tamanhas atrocidades ditas por você.

Você consegue me entender?

Entende agora por que arranquei o seu dedinho mínimo com o alicate para desossar aves?

Entende agora por que suas entranhas estão começando a aparecer, nessa incisão que fiz no seu abdome?

Entende agora por que eu enfiei esses alfinetes enferrujados embaixo das unhas dos dedos dos seus pés?

Entende agora por que arranquei lentamente o seu couro cabeludo?

Entende agora por que extirpei os seus mamilos com a faca de cortar peixes?

Imagino que deva estar doendo bastante. Não sei se tanto quanto a dor que as agressões da sua estupidez causaram na minha alma, mas, ainda assim, acredito que seja muito.

Mas fique tranqüila, meu amor, você já perdeu bastante sangue.

Já, já o seu sofrimento acaba.

O seu, e o meu.

6 comentários:

mar. disse...

a d o r e i !!!

Shuzy disse...

Presente pra gente estúúúpida ! hsuahsuahsuahsuahua

Anônimo disse...

Que cara burro! A mulher de certo aborrecidíssima e dando todas as dicas de que "tanto fazia o que eles iam jantar" pois o forte dela e o que mais interessava era a sobremesa e ele insistindo no erro!
Três vezes o mesmo erro!

Tsc.

Beijocas, Xixa!

luba disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

O texto estava perfeito até a metade, depois você se perdeu...

luiza disse...

ahahaha Adorei!

Eu, com meu paladar infantil e infame, que adora danone e vinho suave, adorei!