
Nunca tivera condições para comprar algo seu. Trabalho ingrato, aquele.
Uma daquelas velhas histórias iguais as de todos nós.
Os donos do negócio, ricos, muito ricos, riquíssimos. Ele, coitado, só mais um operáriozinho, lá da base, lá do primeiro degrau de toda a cadeia, obrigado a cumprir seu expediente às sete da manhã, já ciente da impossibilidade de chegar ao topo.
Mas tudo bem, não tinha mesmo grandes ambições. Ter saído da roça, ter deixado Salto Veloso para trás já lhe parecia bastante bom. E, ainda que jamais acumulasse fortuna ou bens, ainda assim sabia que era o orgulho dos pais.
Tratava de cumprir suas obrigações com capricho, esmero e pontualidade. Não bastava ser bom no ofício, fazia questão de ser exemplar.
Por imposição das circunstâncias, morava num quartinho nos fundos do local de trabalho. O que não era de todo mal, já que não ganhava o suficiente para se comprometer com a Caixa Econômica Federal e seus tantos financiamentos de vinte, trinta anos, pelo menos com aluguel não gastava.
Nos fins de tarde dos dias de folga, gostava de sentar-se na praça, sozinho, ele e seu livro velho.
O livro era o disfarce.
O que ele gostava mesmo era de ficar vendo as meninas saindo da escola.
Pensou que devia ser mais interessante nos tempos de outrora, quando as meninas saíam das escolas trajando aquelas provocantes sainhas cheias de pregas, meias na altura dos joelhos. Devia ser linda a cena que nunca vira, mas tantas vezes imaginara.
Todavia, as calças de ginásticas que as pequenas usam de uniforme nos dias de hoje, mais justas que a conduta de Deus, tornava também as meninas bastante interessantes. Não tinha o charme daquela inocência do passado, mas tinha uma provocação nova naquelas roupas que marcavam as curvas tênues e imprecisas dos corpos infanto-juvenis, ainda decidindo a forma que hão de tomar.
Sentia-se mal com aquilo, mas também os garotos púberes lhe pareciam provocantemente interessantes. A voz aguda, a pele macia do rosto que ainda desconhece a frieza das lâminas de barbear, as pernas finas, tudo aquilo tinha algo que lhe acendia um desejo envergonhado pela consciência do pecado.
Às vezes, levava doces para oferecer-lhes. Eles aceitavam e, o toque puro das suas mãozinhas de unhas roídas, lhe provocava arrepios gelados.
Outro dia, quando encerrara o turno da noite e ligara a televisão para ter dos apresentadores do jornal a companhia que seu prato de sopa não trouxera consigo, assistiu a uma reportagem sobre uma elaborada operação da Polícia Federal que desmantelara uma extensa quadrilha que trafegava pornografias infantis pela internet.
Pensou em comprar um computador, mas achou melhor lavar a louça.
No dia seguinte, a mulher responsável pela limpeza do local onde trabalhava, e também do seu quartinho, viera acompanhada do seu filho menor. Juninho, era como a mãe o chamava.
Ele ofereceu-se para tomar conta do menino, enquanto a mãe cuidava dos seus aposentos.
Juninho derramou um copo de Nescau na sua roupa, a mãe repreendeu-o cheia de contrariedade. Ele intercedeu pelo pequeno, disse que cuidaria dele.
A mãe deixou, ele cuidou.
Levou-o até o banheiro, tirou a camiseta do menino e, muito lentamente, esfregou a sua própria toalha pelo peito do garoto. Fazia isso de olhos fechados.
O menino inerte, deixando-se limpar com a inocência que tanto provoca inveja nos adultos.
Sem muita razão para tanto, abaixou a bermuda de Juninho, e lentamente passou a acariciá-lo de um modo que o menino não entendia, mas achava bom. Foram poucos os minutos que assim ficaram.
Pronto, meu querido, pode ir lá com a sua mãe.
Naquela noite, ele teve sonhos que o inundavam de sensações eróticas, uma excitação profunda.
Revirava-se na cama com a mão por dentro das calças. Correu para o banheiro, banho frio. Sentia-se mal pelas sensações irresistíveis que aquelas lembranças lhe impingiam, mas não conseguia substituir dos seus pensamentos as memórias daquele corpo pequeno e magro. No seu banho, o sabonete lubrificava-lhe as palmas das mãos, que lavavam-no com o desinteresse pela sujeira externa, preocupadas apenas em fazer eclodir aquela sujeira interna, branca e viscosa que ele negava, mas não resistia.
No dia seguinte, pela primeira vez perdeu a hora para o trabalho.
Acordou com as batidas na porta da mulher da limpeza.
Anda, rapaz, você está atrasado.
Levantou assustado, tomou o banho mais rápido de todos os que já tomara, desta vez sem tempo para as impurezas da madrugada.
Secou-se com pressa, vestiu atabalhoado a mesma batina de ontem, e foi rezar a missa das sete.