sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A trilogia da zona - Último capítulo: Um porre de verdade


Se tem uma coisa na vida que eu me arrependo profundamente, foi do infeliz dia em que eu tirei você do meio daquela rua. Devia ter deixado você lá, jogada no chão, sangrando até morrer. Nunca vi tanta ingratidão!

Eu fiz tudo por você, tudo! Até médico particular eu paguei do meu bolso, te acolhi como nem uma mãe acolheria uma filha, comprei uma briga com o dono desta espelunca para deixar você morando aqui sem trabalhar, até que você ficasse totalmente recuperada.

Em nenhum momento eu lhe pedi para que ficasse trabalhando aqui, só queria que você se recuperasse, ficasse bem para que depois pudesse tocar sua vida como uma mulher normal, e não trabalhando como puta. Mas você quis ficar aqui, tudo bem, eu aceitei, mas com a condição de que eu dissesse com quais clientes você se deitaria, tudo para te proteger, tudo por que quando vi você caída no meio da rua, lembrei de tudo o que meu pai fazia com a minha mãe, e quis tentar impedir que você acabasse morta como ela acabou. Nunca pedi nada em troca, apenas que você só se deitasse ou saísse com quem eu indicasse, e é assim que você retribui tudo o que eu fiz por você.

Já vi muita coisa nessa vida, trabalhando aqui então, a gente vê cada coisa que vocês nem imaginam, mas ingratidão como essa eu nunca vi!

Cada um dos clientes com quem você se deitou eu escolhi a dedo, pois sabia que eram inofensivos, que jamais fariam você passar o que passou com o filho da puta do seu ex-marido.

E, mais do que inofensivos, todos com muito dinheiro, para fazer com que você e seus filhos pelo menos agora passassem a ter tudo do bom e do melhor. E, você sabe, nas vezes em que você se excedeu com o dinheiro, eu tirei do meu bolso para que não faltasse nada aos seus filhos. Eu cuidei de você e dos seus filhos, sua putinha desgraçada, e é assim que você me agradece, desrespeitando o único pedido que eu te fiz!

Quantas vezes eu pedi para que você ficasse longe desse cara? Quantas vezes?

Foi a única coisa que eu te pedi, mas você não foi capaz de atender o meu único pedido. Foi só eu dar uma saidinha, e quando entrei aqui vi você de papinho com esse cara.

Quer saber a verdade? Eu te digo a verdade.

Esse cara vem aqui há muito tempo, bem antes de você chegar aqui. Quando eu comecei a trabalhar aqui, e isso já faz um tempão, me disseram que ele já era cativo dessa mesinha do canto, que devíamos deixá-lo bebendo sozinho, que ele só queria ficar aqui na dele, bebendo sozinho. Sempre desconfiei muito de caras assim, quietos. Mas que ficasse quieto, então, se era o que ele queria.

Mas logo nas suas primeiras semanas, pela primeira vez em mais de um ano, ele me chamou para conversar e perguntou por você. Eu tentei te proteger, disse que você não gostava de homens com bigode. Disse isso pra te proteger, pois tinha certeza que um cara que sempre veio aqui com a mesma cara, praticamente a mesma roupa, não ia raspar o bigode de tanto tempo só para impressionar uma putinha qualquer.

No dia em que esse cara veio dizer que ia chamar você para conversar, levei você lá pra trás e fiz você cheirar mais do que o normal, só para provocar uma pequena overdosesinha, para te manter longe dele. Eu estava te protegendo, manter você no hospital aquela noite, foi por cuidado, por proteção.

Mas você não foi capaz de compreender o meu cuidado, a minha proteção, e não atendeu ao único pedido que eu lhe fiz.

Eu fiz você ficar cativa do Flavinho, só para humilhar esse cara. Pois ele é baixinho, barrigudo e está ficando careca, com certeza se sentiria intimidado por um cara jovem, bonito, rico, que passava mais de duas horas por noite com você. Eu sabia há muito tempo que o Flavinho não era de nada, mas sabia mais ainda que aquilo te manteria protegida e bem paga.

Ninguém aqui viu, mas eu via como ele chorava escondido cada vez que você subia para os quartos com o Flavinho. Pensei que aquela decepção de ver você nos braços de um homem que, ao menos aparentemente era muito mais homem do que ele, seria suficiente para mantê-lo longe de você. Mas, pelo visto, não foi.

Agora, prestem bem atenção, vocês dois prestem bem atenção no que eu vou dizer, você, Michelle, suba, pegue suas coisas agora mesmo e dê o fora daqui, nunca mais apareça na minha frente, não quero ver sua cara nunca mais, entendeu bem? Entendeu bem? Nunca mais! Já que você agradeceu tudo o que eu fiz por você, toda a dedicação e o carinho que eu tive com você desse jeito, que você desapareça pra sempre da minha vida, não me interessa mais o que vai ser de você e dos seus filhos.

E quanto ao senhor, saiba que mesmo sendo assim, bruta, meio grosseira, tentando disfarçar minha feminilidade para que ela não pareça fraqueza, mesmo assim eu tenho sentimentos, sabia?

E mesmo que o senhor não se importe com isso, é importante que o senhor saiba. Eu só fiz isso tudo, só fiz tudo o que estava ao meu alcance para manter essa putinha longe do senhor, por que desde muito antes dessa desclassificada aparecer por aqui, há muito tempo que eu te amo.

3 comentários:

jean mafra em minúsculas disse...

hum, o surpresinha no fim!

Bruna Rafaella disse...

Puta que pariu...
ela ama a Maria e a Maria ama ele??
mais e ele??
faltou mais um pouco!!!!
eu quero saber da opinião dele sobre as duas...
eu fiquei no vento!!!??

Mais amei o texto, você sempre surpreende agente com o final, não é um simples texto com um toque mexicano, hahahhahaa...
Muito bom David, posso te chamar assim né??

Beijo.

Volte logo!!

e espero que a internet lá no meu trabalho volte logo também!

mundo da lu disse...

Pô Don, não era só ela dizer alguma coisa? a putinha tinha que falar alguma coisa, essa machorra aí é doida! Ah Don, faltou o final, o que acontece depois desse discurso todo?
kkk vc é um novelista!