quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Conto de Quinta: Fetiche



E se nós tentássemos de novo?

Oi?

Se nós tentássemos de novo, nós dois, talvez em outra cidade, longe dessa gente toda ao nosso redor.
Desculpe, você está falando comigo?

Sim, claro, com você. Não se faça de desentendida.
Como assim? Eu não te conheço, nós não temos, nunca tivemos nada um com o outro, do que você está falando?

De amor, do nosso amor. Não se faça de desentendida, eu vi o jeito que você me olhou na terça-feira passada.
Terça-feira?

Sim, você entrou neste mesmo ônibus cheia dos seus livros e apostilas, toda atrapalhada, tentando encontrar um jeito de se segurar sem deixar que algo caísse dos seus braços. Eu me ofereci para carregar suas coisas, você aceitou, agradeceu e me sorriu. Não foi um sorriso qualquer, você sabe.
Eu só sorri agradecida, não foi nada demais.

Não, nada disso, não se faça de dissimulada. Fosse apenas gratidão, agradecer já bastaria. Mas você sorriu, você sabe que sorriu.
Olha, não lembro se sorri, só quis retribuir a sua gentileza.

Aquilo foi mais que gentileza, você sabe. Ainda mais depois de quarta-feira.
O que teve na quarta-feira?

O meu lugar, eu lhe cedi o meu lugar.
Eu não pedi nada, você que ofereceu.

Você poderia ter dito não, mas ali, naquele momento em que você aceitou sentar no mesmo local onde eu estava sentado, naquele exato momento você sabe que alguma coisa mais forte aconteceu.
Você deve ser maluco!

Não precisa me agredir, tudo bem que nosso relacionamento pode estar passando por uma crise, mas não é motivo para você me agredir.
Relacionamento? Crise?

Claro, mas juntos iremos superar, sei que é só uma crise passageira, mas que não se repita!
Como é que é? Você está delirando!

E como você me explica o fato de na quinta feira, mesmo com um lugar vago ao meu lado, você ir sentar em outro banco, do lado daquele bombadinho? Olha, fiquei muito magoado, mas estou disposto a te perdoar, desde que você me prometa que não vai se repetir.
Você deve estar de brincadeira, né? Isso é armação com o pessoal da faculdade, fala a verdade?!

Brincadeira? Eu aqui tentando salvar nosso relacionamento e você me falando em brincadeira? Você tá querendo me tirar do sério, é isso?
Foi o Tavinho, né? Ele que armou isso tudo, né?

TAVINHO? QUE TAVINHO? QUE HISTÓRIA É ESSA DE TAVINHO? QUEM É ESSE DESGRAÇADO DESSE TAVINHO?
Olha, você é um ótimo ator, até que é bem convincente, mas, por favor, fale um pouco mais baixo, o pessoal do ônibus já tá achando ruim.

FALAR BAIXO COISA NENHUMA! EU NÃO TENHO QUE FALAR BAIXO COM A MINHA MULHER, EU SOU TEU HOMEM, ENTENDEU? EU, SÓ EU! VAI DESEMBUCHA, QUEM É ESSE TAVINHO?
Por favor, fale baixo, eu pego esse ônibus todo dia, não me faça passar mais vergonha do que já estou passando.

É O BOMBADINHO? É AQUELE MERDA DE BOMBADINHO ALI DO BANCO DO FUNDO?
Ei, o que é isso rapaz? Abaixe isso, escute, fique calmo, guarda esse negócio aí que você pode acabar machucando alguém, sente aqui, vamos conversar.

AGORA VOCÊ QUER CONVERSAR, NÉ? AGORA FICOU PREOCUPADA COM O QUE EU POSSO FAZER, NÉ? MAS QUANDO EU QUIS RESOLVER TUDO NUMA BOA, VOCÊ SE FEZ DE DESENTENDIDA E AINDA VEIO COM ESSE TAL DE FLAVINHO.
Tavinho.

TAVINHO, FLAVINHO, TUDO NOME DE VIADINHO. FALA, É O PORRA DO BOMBADINHO? EI, VOCÊ AÍ ATRÁS, TIRA ESSA PORRA DE FONE DE OUVIDO QUE EU TÔ FALANDO COM VOCÊ! É, VOCÊ MESMO, ACHA QUE EU TENHO MEDO DESSE TEU BRAÇO TALHADO NO ANABOLIZANTE, SEU BROCHA DE MERDA? TÁ COM MEDINHO, É? TÁ COM MEDINHO? É BOM FICAR MESMO, QUEM MANDOU FICAR MEXENDO COM A MINHA MULHER?!
Ei, eu não sou sua mulher! Por favor, abaixe esse negócio, vamos conversar.

ACABOU A CONVERSA, AGORA CHEGA, VOU ACERTAR AS CONTAS COM O TEU AMANTE TAVINHO.
Esse rapaz não é o Tavinho, pare com isso, por favor, eu nem conheço ele!

AH, ENTÃO VOCÊ TEM MAIS DE UM CASINHO, É ISSO?
Eu não tenho nada com ninguém, eu juro! Senta aqui, vamos conversar, por favor.

AGORA É TARDE, TARDE DEMAIS, EU TENTEI RESOLVER NA CONVERSA, NUMA BOA, MAS NÃO, VOCÊ FEZ QUESTÃO DE ESFREGAR O SEU AMANTE NA MINHA CARA, AZAR O DELE, VAGABUNDO NENHUM SE METE COM MULHER MINHA.
Não, por favor, não faça isso...NÃO!!!!

Havia cinco balas no revólver, mas apenas três foram disparadas contra o rapaz que se chamava Robson, e não Tavinho como ele havia suposto. Mais do que isso, sequer era ele o rapaz ao lado de quem ela havia sentado na quinta-feira. Após o terceiro tiro e Robson cair duro no chão, o motorista freou bruscamente, aterrorizado com a cena que presenciara através do espelho retrovisor, o cobrador de ônibus deitado no chão, assustado, e ele, numa tranqüilidade psicótica sentou-se novamente ao lado dela, Agora sim, podemos conversar. Vá, se explique.
Atônita e sem conseguir dizer palavra, não sabia se chorava ou desmaiava quando a polícia chegou ao ônibus e prendeu o maluco que a havia interpelado. Ele não ofereceu resistência.

Dias depois, o policial foi até a cela onde ele estava preso desde o dia do flagrante dizendo que havia uma moça esperando para falar com ele na sala do interrogatório.
Por que você fez aquilo?

Ah, eu encarnei o presonagem.
Poxa, era só pra fingirmos que éramos desconhecidos, era só uma brincadeira para fingirmos que iríamos pra cama com estranhos.

Eu sei, eu sei, passei um pouco dos limites...
Um pouco?

Ah, tinha que me chamar de Tavinho? Foi aí que perdi o controle...
Mas é o teu nome, poxa.

Mas eu era um estranho, esqueceu? Eu não era eu, aí fiquei com ciúme de mim, mas como eu não me conhecia, acabei improvisando o desfecho.
Agora você está preso...

Decepcionada?
Não é isso, é que, bem, a intenção era fingir que ia transar com um estranho, agora vou transar com um presidiário, um criminoso de verdade.

Gostou do upgrade, né?
Gostei! Deu um tesão te ver ali, todo agressivo, ai, quase te agarrei ali no ônibus mesmo, quase arranquei minha roupa e me joguei em cima de você, do lado do defunto mesmo.

Segunda-feira é dia da visita íntima, vou estar aqui te esperando, de regata, palito entre os dentes, já vou ter feito até uma daquelas tatuagens com ponta de compasso e tinta de caneta.
Jura?

E vou te bater na cara!
Eu vou trazer uma marmita com comida feita por mim.

Eu vou matar um companheiro de cela pra ganhar respeito aqui dentro.
Ai, que tesão.

Vou matar o grandão, o que trafica pra todo mundo.
Ai, não fala assim que eu não me agüento...

 
Moça?
Oi?

Moça, você quer que eu carregue os seus livros?
Ãhn? Ah, sim, desculpe, você pediu para carregar os meus livros e, por um segundo, veio um monte de coisas na minha cabeça, desculpe. Quero sim, muito obrigado

Você não prefere sentar?
Não, não, se você carregar para mim já está ótimo.

Então tá, se mudar de ideia é só falar.
Você anda armado?

O quê?
Nada não, deixa pra lá.

 

 

Um comentário:

Bruna Rafaella disse...

Kkkkkkkkkkk caramba que final louco, não esperava por isso!!! Muito bom, ótimo, viajei na história.
Imaginei as cenas, nossa (tava lendo no metrô cheio), que bom que você voltou, como eu senti falta disso!!!!!
Sensacional, sempre.
Parabéns!
Ahhh...
Vou querer um livro seu no natal!