terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Anybody Seen My Baby


Por que você pintou o cabelo, Paula?

Esse amarelo no cabelo te deixou com cara de puta, Paula.

Não basta ser, tem que parecer também?

Você não faz ideia do quanto eu tive que rodar por essa cidade de merda pra te achar. Mania desgraçada que vocês têm de não parar num lugar. Os donos de puteiro são patrões tão ruins assim, ou o rodízio faz parte do ofício? Mania desgraçada que vocês têm de ficar mudando o número de celular o tempo todo. As operadoras são tão ruins assim, ou mudar o número de telefone faz com que vocês tenham sempre cara de novidade?

Liguei pra você no meu aniversário, estava sozinho, nostálgico, melancólico, quase triste. Precisava de você, mas o número que eu tinha já não existia mais. Estava tão melancólico que só encontrar você poderia ajudar um pouco. Teve almoço na casa da minha mãe, mas foi um saco, minha irmã bebeu mais do que devia e puxou uma briga idiota qualquer com o meu pai, aquele barraco que família classe média adora.

Eu não ligo por você ser puta velha. Não, você não é velha, mas convenhamos que no seu ofício 19 é o auge, e você já tá com 28. Mas eu gosto de você, sei lá por quê. Você nem é a mais bonita, você nem é a mais gostosa, mas eu gosto de você, sei lá por quê.

Você sabe que eu vivo na zona, mas, mesmo que você não acredite, permita-me confessar-me, nunca comi ninguém.

Não na zona.

Não pagando.

Sabe aquela história que o animal predador, selvagem, não come comida morta, não vive em cativeiro? Não, você não sabe. Nunca deve ter assistido National Geographic. Você mal sabe assinar o seu nome, não é mesmo? Pois bem, ele, o animal predador, selvagem, precisa caçar para ter prazer no que come. Comida também é prazer, sabia? Não, você não sabe. Parte da saciedade da alimentação está no prazer da caça. Comer puta seria comida morta, de cativeiro. Eu nem casei, para evitar o cativeiro. Não que tenha me faltado oportunidade, foi questão de escolha mesmo. Você sabe que eu não sou de se jogar fora. Posso até não ser um cara bonitão, mas não sou de se jogar fora. E tenho algum dinheiro, também. Caso contrário, não viveria na zona. Zona é caro. Mas casamento custa mais ainda. Venho na zona para gastar pouco. Mesmo quando gasto muito, é menos gasto do que casamento. Mas, quando tenho fome, caço na selva, não na zona.

Sei lá por quê, mas gosto de você. Você me faz bem.

Não gosto desse cabelo amarelo que te deixa com cara de puta, mas gosto de você.

É peruca?

Bem que poderia ser. Adoraria que você tirasse a peruca e estivesse careca, cabeça raspada, só para ver uns fiapos de cabelos pretos na sua cabeça, você pareceria mais minha do que com essa cabeleira amarelo-puta.

No meu aniversário eu teria ido pra cama com você. Não pagaria, claro. Você me deve favores, você sabe. Mas, tanto quanto você sabe disso, você também sabe que me daria sem que eu precisasse pagar. Sei que, pelo menos na primeira noite em que nos encontramos, você daria pra mim sem que eu precisasse pagar. Você sabe, eu sei.

Aquele dia rolou algo diferente.

E não me venha dizer que você faz com que todos se sintam assim, eu sei que não. Eu sei que, aquele dia, rolou algo diferente entre nós.

Você sabe, eu sei, nós sabemos.

Foi romântico, você sabe.

Mesmo que você tenha tirado a roupa na frente de todo mundo, era pra mim, só pra mim que você olhava.

Até por que fui eu quem pagou para você tirar a roupa. Você ofereceu o strip no quarto, mas, mesmo tendo algum dinheiro, também tenho contas a pagar, o quarto seria caro demais. Foi no palco mesmo.

E o jeito que você tirou a roupa na frente daquela meia dúzia que ainda estava lá naquela hora avançada, olhando pra mim, foi como se você dissesse, Eu te amo.

Naquela noite você me disse, Eu te amo. Não com a boca, não com a voz, mas eu sei que você me disse.

Você queria fumar, e eu paguei vinte reais num maço que no posto me custaria quatro e cinqüenta, só para te ver feliz.

Você ficou feliz.

Eu te dei meu isqueiro de ferro, você ficou emocionada, disse que não podia aceitar, que devia ter me custado caro. Eu fiz questão de te dar, foi minha vez de te dizer eu te amo sem usar a voz.

Você ficou feliz de novo.

Mas, admito, o isqueiro não foi caro.

Foi de graça, na verdade.

Roubei do meu chefe.

Mas finja que foi caro, se te faz feliz, se te parecer um grande gesto da minha parte.

Naquela noite eu até poderia, mas não quis pagar para ter você. Eu até poderia, tenho algum dinheiro, já disse, mas não seria tão bom quanto foi o nada que tivemos.

Mas beijei você. Dizem que não se deve beijar puta, mas eu beijei você. E você viu que eu beijo bem. Deve ter pensado que eu sou bom de cama, só pelo meu beijo. E vou te dizer, não sou ruim não.

Mas você jamais saberia disso se eu tivesse que pagar pela sua descoberta.

Só não entendo por que você pintou o cabelo, Paula.

Por quê depois dos 28, Paula?

Meu nome não é Paula, meu cabelo não é pintado, sou loira de verdade, meus pais acham que eu saí de Xanxerê pra estudar na Federal e tenho dezoito anos. Escute aqui, você vai querer alguma coisa ou vai ficar de conversinha a noite inteira?

Escute aqui você! Eu rodei a cidade inteira atrás da Paula, mas ninguém a viu. Em todas as casas onde eu já encontrei a desgraçada da Paula, ninguém a viu. Eu estou pagando, não estou? Foda-se sua pressa profissional, não te interessa se eu vou fazer alguma coisa ou não. Estou pagando e ponto final. Enquanto o taxímetro estiver rodando para percorrer a distância que eu paguei, você se chama Paula, seu cabelo é pintado, você tem 28 e ponto final.

2 comentários:

Shuzy disse...

Ah se as pessoas fossem substituíveis assim...

jean mafra em minúsculas disse...

gostei.

mas me diga uma coisa, david, tu já leu trevisan?