segunda-feira, 14 de março de 2011

Cicatriz


Não é engraçado?

Mal nos conhecemos, já nos amamos e já estamos em crise.

Não é engraçado?

E isso que não tenho Facebook.

Poderia postar fotos minhas fumando, bebendo, poderia postar fotos minhas tiradas por ti, com legendas que só nós dois entenderíamos. Eu sonho com fotos minhas tiradas por ti. Espero de verdade poder tirá-las.

E talvez já seja até uma cicatriz. Não a maior, não a melhor, mas acredito que também não a menor.

Pois você está sozinha, e dos cortes que acontecem quando estamos sozinhos, mesmo quando pequenos, guardamos as marcas com mais carinho.

Talvez seja exatamente por não nos conhecermos tão bem, que não compreendamos os motivos das nossas ausências. Talvez seja pela nossa solidão. Talvez a solidão, que dói mesmo quando é boa, faz o outro, ainda que longe, parecer um oásis tão bonito.

Nenhum de nós é bonito.

Quase nunca somos oásis.

Quase sempre somos deserto.

E é bastante provável que o que nos una tão fortemente seja essa sensação de oásis que um representa ao outro.

Mas, de um modo geral, oásis quase sempre é miragem. Não gostaria de ser apenas miragem.

Prefiro ser cicatriz. Ela é real.

Deixe ao menos gravar a marca das minhas mãos no teu pescoço.

Não quero te matar, mas quero te deixar um pouquinho sem ar.

Quero te dar um tapa.

Quero ver a marca vermelha dos meus dedos espalmados na tua bunda branca.

Ainda que em dois dias suma, quero a marca das tuas unhas nas minhas costas.

Por favor, não roa suas unhas.

E talvez não meta com força suficiente para te fazer feliz. Talvez sim. Mas com as mãos no teu pescoço talvez seja alguma maneira de te deixar sem ar por minha causa.

Que seja assim, então.

Prometo não te matar.

Prometo fazer o meu melhor para que gozemos juntos.

Talvez não seja o bastante, mas farei o meu melhor, eu garanto.

E talvez você goste da ideia de tirar fotos minhas, fumando, bebendo, pelado só do tronco pra cima, para que os outros vejam minhas tatuagens, mas que só você saiba que eu estava pelado naquela hora.

E talvez eu crie uma conta no Facebook para postá-las, para criar legendas que só nós dois entenderemos.

Mas, para que me torne cicatriz, permita-me ao menos te fazer sangrar.

São essas as cicatrizes que valem a pena.

Como o desenho que fica depois da agulha do tatuador. O resultado é sempre uma cicatriz que vale a pena. Mesmo quando feia.

É essa a cicatriz que eu quero ser, ainda que feia.

5 comentários:

jean mafra em minúsculas disse...

muito bom, david.

um novo caminho nego.

parabénsão!!!

Bruna Rafaella disse...

Que sadomasoquista
que fúria, que aflição, pareçe que é real, viagei...
me dá a impressão que o texto tem
tudo a ver com o autor, não sei
porquê, deve ser as tatuagens....
deve ser real.

adorei!!!

Beijo.

Luna Blanca disse...

Os poetas são como as rosas,
para pétalas um verso, para espinhos uma sensação.

Trév disse...

Depois de ler este texto orgástico, me peguei cantarolando:

'' Quero pesar feito cruz
Nas tuas costas
Que te retalha em postas
Mas no fundo gostas
Quando a noite vem...

...quero ser a cicatriz
Risonha e corrosiva
Marcada a frio
Ferro e fogo
Em carne viva...''



Beijos!

Alex disse...

Acho que este é o primeiro dos seus textos que eu gostaria de ter escrito.