segunda-feira, 21 de março de 2011

Last Kiss, ou, O homem que amava mulheres pequenas


Mesmo acostumado a chorar por mulheres pequenas que o abandonavam relacionamento após relacionamento, aquele abandono era diferente.

Tinha sono, mas não queria dormir. Não naquela noite.

Ela já havia mergulhado há horas no seu sono profundo e indiferente ao barulho da televisão.

Permanecia na casa mais por caridade do que por qualquer outra coisa, mas o prazo para recolher suas coisas e ir morar noutro lugar esgotava naquela noite.

Tivera insônia tantas vezes, por que justo naquela noite em que ele pretendia passar cada segundo contemplando-a, o sono resolveu dar as caras?

Cada vez que a cabeça pendia com força pra baixo, com os olhos traidores insistindo em fechar, levantava-se, ia até a geladeira e abria outra cerveja. Era a sétima longneck até então.

Em cada uma destas vezes, parava em frente à porta do quarto para vê-la dormindo. Que cena...

Em cada uma destas vezes, segurava o choro que vinha ao vê-la deitada sem poder se aninhar ao seu lado, e voltava ao sofá para deixar o choro lavar sua barba rala. Continha o soluço, não queria admitir o desespero que o possuíra como um demônio faminto, por saber que a partir de amanhã já não poderia gastar seus anos fazendo as vontades dela, fossem quais fossem.

Sempre teve um fraco por mulheres pequenas, delicadas. Encantavam-lhes os pés pequenos, as mãos pequenas, e nela tudo parecia ainda menor, de tão delicado que era cada milímetro que a compunha.

Calçou o all star velho sem pressa, pegou a caixa de papelão onde estavam seus discos e livros, e, com a lentidão de um acorrentado, desceu as escadas para acomodá-la no porta-malas do carro, ao lado da outra que continha suas roupas.

Voltou ao apartamento, voltou à cozinha, abriu a oitava Stella e tomou-a toda num só gole, iluminado pela porta aberta da geladeira como o artista em fim de carreira no centro de um palco escuro sem plateia, iluminado por um canhão de luz amarela. Limpou o bigode na manga da camisa xadrez, pegou mais quatro garrafas para ter companhia na viagem e voltou à porta do quarto dela.

Sabia que ela tinha o sono pesado. Aproximou-se devagar, acariciou-lhe as mãos pequenas, o rosto, inclinou-se e beijou-lhe muito de leve a testa. Nem quando fez naqueles cabelos macios um último afago, ela se mexeu. Só mostrou alguma reação instintiva, quando o gelado de uma lágrima fujona escapou dos olhos dele com destino a bochecha dela.

Fechou a porta devagar, entrou no carro, e dirigiu sem reconhecer nenhuma das ruas por onde rodava gastando a pouca gasolina, como se a cidade em que nascera e vivera desde sempre, sem ela, tornara-se um lugar estranho, desconhecido.

Desde o início a mulher fora clara, o fim do seu casamento era história mal resolvida, complicada de lidar. E a sombra do ex-marido pairava sobre eles como uma nuvem pesada, gorda e preta, só esperando o momento certo para fazer despencar o temporal guardado.

Mas estavam juntos já fazia sete meses, e da separação da mulher, fazia mais de ano.

Quando ele, o ex-marido, acenara com a intenção de um recomeço, ela não pensou duas vezes e mandou que arrumasse suas coisas e saísse de vez da vida dela.

Na verdade, estava pouco se fodendo para a mulher. Em poucas semanas de convivência descobrira que ela não era lá grande coisa.

A dor que o incinerava por dentro, era saber que quando grande, por mais que ele jamais viesse a se esquecer dela, a menina nem se lembraria dele. E imaginou tantas vezes que em mais dois ou três meses ela já estaria dando seus primeiros passinhos, dizendo suas primeiras palavrinhas e, provavelmente, uma delas seria “papai”, apontando para ele os dedinhos da mão pequena quando o visse chegando em casa.

Mas agora seria o outro, o filho da puta do ex-marido que seria chamado de papai pela pequena. Talvez ela jamais venha a saber que o filho da puta do marido ganhara o prefixo “ex”, exatamente quando descobriu que a mulher estava grávida, acusando-a de ter engravidado apenas para tentar salvar um casamento considerado por ele acabado, recusando estupidamente a delícia de conviver com aquela coisinha pequena e sorridente.

No auge do desespero, pensou até em raptá-la. Tinha certeza que, sozinho, seria melhor pai e mãe do que aquele casal de merda.

Mas desistiu da ideia por medo de causar na menina algum trauma, detestaria ser o motivo de algum sofrimento para aquela que tanto amava. Abriu mais uma cerveja e aceitou a sina que lhe coubera nesta vida, de chorar indefinidamente por mulheres pequenas, mas sabendo que, de todas, nenhuma seria igual àquela.

2 comentários:

Vickers disse...

Sinceramente, achei este um de seus melhores.

Bruna Rafaella disse...

Incrivelmente lindo.