sexta-feira, 8 de julho de 2011

Irreversível


As duas últimas coisas que conseguiu enxergar antes de morrer, foram, primeiro o brasão no lado esquerdo do peito, bordado com linha dourada que trazia um homem com porte nobre montado num cavalo, jogando pólo, na camisa de listras horizontais. A segunda e última imagem foi ele já de costas, as mesmas listras horizontais da mesma camisa, indo embora sem prestar socorro e, nas costas da tal camisa listrada, um número 3 costurado por cima das tais listras.

Antes destas lembranças, ela tentou se defender. Mas o grito de socorro que viera até o palato como o vômito apressado que vem depois de muitas doses tomadas ininterruptamente, fora sufocado pela mão grande e peluda do agora assassino.

Antes do grito mudo de socorro, dos dois dentes frontais que trazia no belo sorriso, um voou no carpete do quartinho que entrara voluntariamente, sem saber ao que teria que se prestar involuntariamente, o outro engoliu, ambos impulsionados pelo chute preciso de um pé esquerdo calçando um Democrata novinho em folha, 43, bico largo.

Antes do Democrata esquerdo 43 bico largo em seus bem desenhados lábios, o pé que calçava o par direito do mesmo sapato novinho em folha, golpeara-lhe por pelo menos seis vezes o ventre, causando uma dor desconhecida de tão intensa, mas, caso tivesse a oportunidade de saber a origem da dor que lhe penetrava por cada centímetro do corpo, saberia que era o baço que se havia rompido, fazendo inundar todo o organismo pelo sangue contido naquele pequeno órgão espremido entre o estômago e o diafragma.

Antes de romper-se o baço, sentiu a mão grande e peluda agarrar-lhe os cabelos por de trás da nuca, e forçar o belo rosto de traços finos contra a quina da escrivaninha do pequeno quarto, afudando-lhe os ossos zigomáticos.

Antes de ter sido feito farofa dos ossos zigomáticos, fora atirada no carpete que cobria o chão do pequeno quarto, deitada forçadamente de bruços, e sentira escorre-lhe na face ainda intacta as lágrimas ácidas da dor de quem jamais permitira ao homem amado ultrapassar determinados limites, ainda que vez ou outra tenha tentado, mas o desconforto fizera oposição suficientemente convincente para impedir novas investidas; causadas pela dilaceração do pênis de tamanho obsceno transpassar-lhe o ânus com arremetidas fortes e grosseiras, fazendo com que suas coxas bem torneadas tingissem-se do vermelho sangue que escorria das nádegas agredidas.

Antes do sangue que vinha dos sensíveis vasos sanguíneos que rodeavam seu ânus, a mão grande e peluda lhe deixara de imediato roxo um dos belos olhos castanhos, após um soco que a fizera perder o sentido de orientação e cair no carpete do quarto pequeno e, a mesma mão grande e peluda, rasgar-lhe a sensual lingerie que pretendia usar para seduzir o homem amado no fim daquela noite.

Antes de ter sido rasgada a sensual lingerie, entrara sorrindo no quarto pequeno, dizendo, O que você quer? Acho que você já bebeu demais, hein?!, enquanto do lado de lá da porta fechada do quarto pequeno, a música alta ocupava a atenção e a audição dos demais presentes, esbaldando-se todos com bebidas e alegrias diversas, confusas, ébrias e complementares.

Antes de ter aceito o convite para entrar no quarto pequeno, interrompera a dança que dançava de maneira tão sensual quanto a lingerie que trazia por baixo do vestido que expunha suas costas bem feitas e realçava as formas inequívocas dos belos seios naturais de tamanhos exatos, que balançavam firmes sob o fino pano, tomara a mão grande e peluda, e deu nela um beijo de felicidade e gratidão pelo momento que compartilhava com pessoas tão queridas, e disse, Ficou ótima a camisa!

Antes de reparar no caimento da camisa de listras horizontais, fora até a cozinha para buscar mais uma cerveja e, lá chegando, viu seu amado conversando animado com um amigo em comum. Interrompeu a conversa para beijar o amado com uma paixão que beirava a indecência.

Antes do beijo, percebera o modo invejoso como as demais mulheres da festa a olhavam quando percebiam os olhares cheios de apetite dos seus homens, cada vez que desfilava seu corpo sob o vestido de fino pano que expunha suas costas e contornava seus belos e firmes seios naturais. Era somente ao seu amado que pretendia oferecer as muitas delícias do corpo perfeito que sabia possuir, mas sentia-se mais mulher cada vez que percebia algum dos tantos olhares que salivavam com o seu ir e vir.

Antes das salivas que seu caminhar despertava, dançou com seu amado o mais junto que se é possível dançar em um ambiente público, a música swingada que alguém fizera tocar ainda no começo da festa.

Antes da dança, ela e o seu amado cumprimentaram praticamente todos os demais convidados que já estavam lá antes deles chegarem.

Antes de cumprimentarem os demais convidados que já estavam lá antes deles chegarem, se abraçaram emocionados e demoradamente, os três.

Antes do abraço emocionado, ele abrira o pacote que ambos lhe deram, ergueu a camisa de listras horizontais escolhida por ela, com um brasão no lado esquerdo do peito, bordado com linha dourada que trazia um homem com porte nobre montado num cavalo, jogando pólo, e o número 3 costurado nas costas.

Antes de abrir o pacote, ouviu ela exclamar, para em seguida alertar-lhe, Que festa linda! Só não vá beber demais, hein?! Você sempre faz coisas das quais acaba se arrependendo quando bebe muito, papai.

É que ele não gostava de camisas pólo.

Ainda mais com brasão no peito e número nas costas.

Listradas, então...



PS: Este texto é um plágio descarado do fantástico filme francês "Irreversível", que traz no elenco o orelhudo Vincent Cassel, e a indescritível Monica Belucci, uma mulher que, se você querida leitora, pegasse seu homem na cama com ela, diria algo como, "Tudo bem, amor, ela eu entendo. Vai fundo!"

Embora este texto não seja exatamente a história do filme, o mote e a forma de contar, são os mesmos. Por isso, a confissão de plágio.

3 comentários:

jean mafra em minúsculas disse...

david, querido,
quero lhe dizer duas coisas diferentes (ambas sobre o conto aí de cima...).

01) gostei tanto do teu texto, que acho que vou publicar algo que há anos guardo em uma pasta, disquete, cd...
02) se me cabe fazer uma crítica, faço (cabe?): acho que este teu texto tem um probleminha de excesso de adjetivos e de desvios com pormenores que não contribuem com o todo. explico: no caso dos adjetivos, penso que os seios dela não precisavam ser "belos, naturais e de tamanhos exatos"; quanto aos desvios, cito o "vômito apressado que vem depois de muitas doses tomadas initerruptamente"... penso que, por narrar uma cena de estupro, algo tão forte, o melhor seria ser mais econômico, mais direto, mais seco - como a próprio incidente.

é isso.

Daca disse...

Teu texto tem um baita peitão e isso é o que importa!!!

jean mafra em minúsculas disse...

david,
como você sabe, o daca é um querido, mas um bobo também... por isso acho que devemos desconsiderar este seu comentário.