terça-feira, 5 de julho de 2011

O grupo que às vezes frequento


O grupo que às vezes freqüento me disse para não tentar fazer tudo de uma vez só, que meus problemas podem ser resolvidos um de cada vez, que amontoá-los um em cima do outro não me ajudaria a fazer com que deixassem de existir. Um dia de cada vez, dizem as pessoas do grupo que às vezes freqüento. Um brinde a eles. Uma dose do que tiver de mais forte nas garrafas enfileiradas atrás do balcão para cada um deles, por favor. Por minha conta.

O grupo que às vezes freqüento alivia a culpa da minha família, como se estivessem terceirizando a responsabilidade pelas falhas que talvez tenham tido na minha educação, a culpa que sentem por cada vez em que acharam divertido o estado em que eu ficava nas festas de aniversário, natais, casamentos. Ficam orgulhosos meus pais e irmãos cada vez que sabem que fui ao grupo, como se eu deixasse de ser a anomalia da bem estruturada família modelo da classe média, para me tornar um exemplo de coragem, perseverança e superação. Um brinde a minha família. Duas cervejas, por favor, uma para meu pai, outra para meu irmão, um vinho para minha mãe, um Martini Bianco para minha irmã. Por minha conta.

Muito obrigado, dizem as pessoas do grupo que às vezes freqüento, cada vez que invento histórias com desfechos piores do que os que realmente tiveram as minhas, só para que me sinta merecedor de estar ao lado deles, cada um com sua mini-tragédia pessoal, todas regadas a lágrimas, famílias despedaçadas, empregos perdidos e vodca. Um dia de cada vez, dizem as pessoas do grupo que às vezes frequento. Um brinde a eles. Toda a vodca do mundo de cada vez para cada um deles. Por minha conta.

O grupo que às vezes frequento é gentil, mas não muito convincente. Fingem interesse nas mini-tragédias que gosto de inventar, fingem me entender, fingem saber bem o que eu sinto, fingem solidariedade, mas não são muito convincentes. Só estão interessados em fazer das mini-tragédias alheias uma espécie de espelho. Espelho, espelho meu, existe algum cachaceiro mais fodido do que eu? Mais uma mini-tragédia para cada um deles, por favor, sem gelo, mas com uma rodelinha de laranja. Por minha conta.

O grupo que às vezes frequento me diz para evitar o primeiro gole. Não poderia ser o segundo? O primeiro é o melhor de todos, ele não é o problema. O problema são os seguintes. Me dá ressaca, o grupo que às vezes frequento. Um Engov para cada um, por favor. Por minha conta.

As pessoas do grupo que às vezes freqüento acham que têm dores de verdade para sentir. A minha dor, perto da deles, é brincadeira de criança. Pelo menos é o que eles pensam. Eu nunca bati na minha mulher, igual a alguns deles. Eu nunca espanquei meus filhos, igual a alguns deles. Eu nunca cheguei atrasado a uma reunião imprescindível para fechar um contrato de vários zeros após o número inicial da cifra, igual a alguns deles. Eu nunca despedacei a família alheia jogando o carro em cima de um ponto de ônibus, como fez um deles. Eu nunca roubei dinheiro da bolsa da minha mãe para alimentar o vício que todos nós do grupo temos, igual já fizeram alguns deles. Mas eles nunca perderam uma mulher igual a minha. Duvido que pensariam em parar se perdessem uma mulher igual a minha. Um brinde a minha mulher. Uma dose do melhor malte que tiver na mais cara garrafa dessa casa. Por minha conta.

É que lá no grupo que às vezes freqüento, todos se habituaram a fingir que sede é verruga. Sabe aquela mandinga de avó, que diz que se colocarmos um esparadrapo em cima da verruga ela morre por falta de ar? É o que fingem acreditar as pessoas do grupo que às vezes freqüento. Mas sede não se mata com falta de ar. Sede se mata com líquido. Sem ele, ela não acaba. Não tem jeito. Sede se mata com líquido. Mata-se não, sacia-se. Depois ela volta, pede mais, reivindica mais, exige mais. Um brinde a minha sede. Uma dose da mais vagabunda cachaça que tiver nessa espelunca para minha sede. Por minha conta.

Se eles, qualquer um daqueles tantos cachaceiros que se visitam no grupo que às vezes freqüento tivessem perdido uma mulher igual a minha, saberiam do que eu estou falando. E beberiam comigo. Brindariam comigo. Se vissem a desforra dela, saindo com um cara melhor do que eu, um cara que fica bem de chapéu, que bebe quando sai, mas pára quando a civilidade lhe mostra que as doses já foram suficientes, saberiam do que estou falando. Beberiam comigo. Mais do que isso, me proporiam um brinde. Mandariam eu escolher qualquer um dos líquidos das tantas garrafas dos tantos bares que me servem de conforto desde sempre. Por conta deles.

Alcoolatras anônimos não conseguiriam mulheres iguais a minha. Só bêbados conhecidos como eu são capazes de mulheres iguais a minha. Só bêbados que fazem os amigos terem vergonha de admitirem-se amigos de um bêbado igual a mim, são capazes de mulheres iguais a minha. Um brinde a ela. Uma dose do que tiver o maior teor alcoolico. Por minha conta.

O quê?

Você não ouviu nada do que eu disse?

Tudo bem, entendo, você tinha que servir as outras mesas. Tudo bem, é seu trabalho, eu entendo.

Era nada não, falava de um grupo que às vezes freqüento. Coisa sem importância.

Não, não fiquei chateado, esqueça, deixe isso pra lá. Você tem que trabalhar, eu entendo. Já não tenho mais a mulher que um dia tive, mas ainda tenho suas doses bem servidas. Tudo pela sua fiel amizade à gorjeta que você sabe que sempre deixo.

Desce outra.

Por sua conta.

Você me deve essa.

Um comentário:

Bruna Rafaella disse...

Os bêbados no final semprem acabam falando sozinhos.

Beijos!