sexta-feira, 15 de julho de 2011

Vintage


Oswaldo queria parecer moderno.

Mas é difícil parecer moderno quando se chama Oswaldo.

Fato é que Oswaldo se apaixonou por Letícia, menina linda, estudante de arquitetura, ela sim, moderna.

Letícia deu risada quando Oswaldo se declarou, Como posso levar a sério um cara que faz pedagogia? Perguntou Letícia entre risadas diante de Oswaldo, com os olhos marejados e rosa vermelha nas mãos, na tentativa de sensibilizar a mulher culpada pelas suas noites mal dormidas; Qual o problema com o meu curso? Retrucou Oswaldo, Cara, você faz uma disciplina que se chama “Cartaz em papel pardo”, não posso acreditar num homem que gasta seis meses da sua vida aprendendo a fazer cartaz em papel pardo. Vai fazer o quê? Uma declaração de amor pra mim em papel pardo, levar no estádio de futebol na esperança que o Galvão leia o teu cartaz? Se você quiser... Disse Oswaldo no desespero de tentar ser romântico. Letícia riu novamente, virou as costas e deixou Oswaldo plantado no banco da praça de alimentação da universidade, rosa em punho e coração partido.

Apesar das diferenças, esqueça aqueles velhos roteiros cantados por Renato Russo, ambos falavam alemão, ambos gostavam de Godard, ambos entendiam de astrologia, mas ele se chamava Oswaldo e fazia pedagogia, eram esses seus dois pecados. Graves demais para Letícia.

Oswaldo comprou um par de All Star, blazer de veludo, camiseta com a cara do Hitchcock estampada na frente, parou de fazer a barba, trocou a Skol Shot pelas cervejas uruguaias, começou a fumar, tudo para se parecer com os carinhas de geografia que Letícia tanto gostava.

No esforço de disfarçar o mau gosto dos pais na hora de escolher o seu nome, Oswaldo tentou convencer Letícia de que seu apelido de infância era Vadinho, pois sabia que ela era fã de Jorge Amado. Contudo, ao invés de sentir-se atraída pelo cafajeste que por ventura poderia existir num apelido daquele, debochadamente, Letícia passou a chamá-lo de “Dona Flor”.

Mais do que isso, a universidade inteira passou a chamá-lo de “Dona Flor”.

Tornar-se escárnio entre seus pares, não fez Oswaldo sofrer mais do que já sofria pelo desinteresse da mulher amada por suas tantas provas de amor.

Oswaldo mandou um buquê de flores lindo para Letícia, ficou esperando escondido atrás do ponto de ônibus pelo fim das aulas para ver o semblante de sua amada com o ramalhete que mal deveria caber no seu abraço.

Um a um, cada um dos alunos colegas de Letícia foram saindo da sala de aula com uma rosa nas mãos. Ela fez questão de oferecer a cada um dos homens de sua turma uma das flores recebidas, para que fosse ainda mais dolorida a humilhação de Oswaldo.

Do lado de fora da sacada do apartamento de dois quartos que Letícia dividia com cinco amigas, Oswaldo empunhou um violão e fez uma serenata. Esperava que ao menos ela abrisse a janela para lhe dizer uma porção de desaforos, pelo menos se faria notado. Mas ela sequer acendeu a luz, que dirá abrir a janela...

No fim de um dia nublado, cujas horas anteriores Oswaldo ficou se remoendo na dúvida se deveria ou não mandar um carro de tele-mensagem na porta da biblioteca onde Letícia estagiava, o pobre apaixonado aspirante a pedagogo resolveu encher a cara para afogar na cerveja a dor do amor não correspondido.

Horas mais tarde, quando a noite alta já derramava sobre as telhas do deck do bar uma garoa fina e gelada, eis que surge Letícia e seus vários amigos estilosos, modernosos, super cool’s. Oswaldo fez que não notou a presença daquela que lhe tirava do sério e, num gesto, pediu o garçom a vigésima segunda Skol Shot da noite. Estava bem altinho, o Oswaldo.

Diferente dele, que fizera não notar a presença dela no recinto, Letícia de fato não o havia percebido. Para que não se perca a beleza da cena de todo clichê que se preze, foi no momento em que se levantou para ir ao banheiro que Letícia reparou em Oswaldo sentado sozinho no lado de fora do bar, uma pilha de garrafas pequenas de cerveja vazias ornando sua mesa, e um cinzeiro transbordando bitucas de cigarro mentolado.

Letícia achou muito divertida aquela cena degradante, embora clichê, daquele que a tinha por musa. Para fazer ainda mais ardida a dor que sabia que ele estava sentindo, Letícia chamou um dos vários homens com quem dividia a mesa até a porta do bar, puxou-o pelo colarinho e beijou-lhe com fome na frente de Oswaldo.

Oswaldo abaixou a cabeça, sentiu nos lábios o salgado da lágrima que escorrera de um dos seus olhos, levantou lentamente, pegou uma das mini-garrafas que se amontoavam na pequena mesa de plástico, e espatifou-a no meio da testa do cidadão que, se já não entendera o beijo inesperado da amiga, tão menos compreendera a garrafada que veio a seguir.

Letícia arregalou os olhos e gritou impávida, Meu, ‘cê tá maluco?

Oswaldo olhou-a com os olhos chorosos, aos prantos, para em seguida acertar-lhe um soco firme no meio dos lábios, que fez com que dois dos belos dentes que compunham o sorriso sedutor de Letícia voassem rumo as ranhuras das madeiras do deck.

Os demais presentes no bar ficaram estáticos, atônitos. Oswaldo abriu a carteira e jogou sobre a mesa um punhado de notas, suficientes para pagar todas as cervejas que havia consumido, e mais uma bela gorjeta para o solícito garçom.

No dia seguinte, soou a campainha da kitinet que Oswaldo alugava. Cheio do peso da ressaca que lhe fazia parecer carregar um iceberg sobre o pescoço, Oswaldo surpreendeu-se quando, diante de si, estava Letícia. Olhos inchados de tanto chorar, lábios inchados do murro levado na noite anterior, sorriso banguela pela falta dos dentes que lhe foram furtados pelo punho que agora lhe abria a porta, e uma rosa vermelha nas mãos.

Que merda é essa? Perguntou Oswaldo sem entender coisa nenhuma.

O que você fez foi lindo! Disse Letícia.

Bater em você? Você gosta de homens modernos, nada mais antigo, ultrapassado, antepassado, neardenthal do que homem bater em mulher.

Isso não é antigo, é vintage. E nada mais moderno do que um bom vintage.

E, assim, Oswaldo e Letícia passaram a viver juntos, apaixonados, enamorados naquele amor esquisito. Sempre muito felizes.

É bem verdade que, volta e meia, Letícia aparecia com alguns hematomas, uma escoriaçãozinha aqui, outra ali, mas, ainda assim, plenamente realizada.

Não adianta, o amor só é feliz quando é antigo.

Digo, vintage.

5 comentários:

Shuzy disse...

Depois de tuuuudo isso, um lindo final feliz??
Só podia se chamar Oswaldo pra aceitar uma coisa dessas!

Karol Coelho disse...

E os dois viveram felizes para sempre.
Que lindo!!!
Esse texto é um máximo.

Bagual disse...

Nada mais vintage que mulher destrambelhada que insiste em cair da escada.

Carol Borba disse...

Você realmente acreditou que tem uma matéria chamada "Cartaz em papel pardo"? Eu tava brincando tá? Sei lá, só pra constar...

Mas o conto ficou massa, gostei mesmo ;D

Só espero que o Oswaldo não trate as crianças como a Leticia gosta de ser tratada ;P ahuahiuhiuhai

Bruna Rafaella disse...

Legal!!!
nada parecido com Eduardo e Mônica...
Só achei que ele não merecia ficar om a Laticia no final, ela era uma cachorra sadomasoquista, mas fazer o quê né?

Beijão