quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Quartos de hotel


No 601 ele abriu uma cerveja e sorriu olhando-se no espelho enquanto esperava a pessoa para quem ligara, atender no outro lado da linha. Tinham desconfiado da sua intuição, e, de certo modo, sabia que aquela era sua última chance. Mas agora poderia provar pra todo mundo que nascera sim para aquilo. Finalmente um flagrante a altura da expectativa que depositaram desde sempre nas suas costas. Tiraria fotos, o safado algemado, seu distintivo ao lado de tudo aquilo que sabia que o safado trazia na mala, não havia dúvidas, esfregaria na cara de todo mundo que escritório é o caralho, o seu lugar era na rua, caçando vagabundos. Coitados dos vagabundos com ele nas ruas. Acenderia um com um pouco do tanto que apreenderia, o stress justificava aquela necessidade de relaxamento. Daria um teco com um pouco do tanto que não entregaria e manteria junto dos seus pertences. A ocasião justificava a comemoração, o brinde entre ele e sua narina. Aquela era sua noite.

No 504 ela se amaldiçoava pensando no por que não escutara sua avó e fora estudar. Agora estava ali, vestida de freira sexy, hábito na altura onde as coxas cedem espaço para as virilhas, meias 7/8 pretas e ouvindo aquele careca asqueroso dizendo, Rebola!, ela rebolava. Mostra os peitinhos, ela mostrava puta da cara, a despeito da profissão que exercia com tanto esmero, pensando no tanto que gastar naquelas gigantescas próteses de silicone para agora ter seus peitos que vestem 48 serem chamados de peitinhos, mas mostrava. Mostra a bundinha, ele dizia, ela virava mostrava, revoltada por saber que sem precisar da intervenção de qualquer cirurgião, nascera com a bunda que toda mulher sonhava ter, mas virava e mostrava. Rebola mais, eu tô pagando, ele dizia, ela pensava que tinha cobrado pouco, se soubesse que era um merdinha daquele que encontraria, um desses padres que se escondem em quartos de hotéis vagabundos para manter imaculada a sua falsa imagem de santidade perante a estúpida paróquia, teria cobrado mais, muito mais. Aquela não era sua noite.

No 409 ele pensava até em começar a beber. Aquilo merecia uma comemoração, porra. Não sabia de que jeito falar a esposa que não queria mais olhar na cara dela, e de repente, voltando do trabalho, encontra a vagabunda com outro na cama. Porra, era sorte demais. Se não se separara antes, foi por fazer e refazer os cálculos do tanto que teria que pagar de pensão para a piranha que trazia no anelar esquerdo um anel dourado com o seu nome gravado. Mas agora, agora não. Agora a desgraçada não ia ter coragem de lhe enfiar a faca. Pois maior do que o amor da safada pelo dinheiro, era o amor da safada pelas aparências. E agora tinha na manga o trunfo do adultério do qual fora vítima. Se ela quisesse lhe extorquir, bastaria lhe extorquir dizendo, Tudo bem, pago o que estás pedindo, mas todo mundo saberá por que nos separamos. Não, isso ela não admitiria. Tornar-se a vagabunda dos grupos que freqüentavam, isso não, nem pensar. Definitivamente, apesar do quarto de hotel que deixava a desejar no quesito conforto, só por não precisar gastar ainda mais com aquela desqualificada, não havia dúvidas, aquela era a sua noite!

No 303 ela já estava tão bêbada, que até se esquecera de que não teria dinheiro para pagar o estrago que causava no frigobar. Mas, também, haviam a convencido de que aquele seria um bom emprego. Porra, viajar de segunda a sábado, voltando para a estrada no domingo a noite, para dar treinamentos para pedreiros semi-analfabetos de como utilizar uma trena laser, e ter que ouvir aquele bando de estúpidos ignorantes dizer que aquilo não funcionava, que bom mesmo é a trena manual, que eles sabem, que eles veem a distância medida certinha na fita, e pensar que depois de ouvir estas asneiras ainda teria que explicar por que o nível a laser é melhor do que o que estavam habituados a usar, que as paredes que ergueriam teriam menos chance de cair, e depois disso ouvir aquele bando de débeis-mentais dando risadas como se ela não entendesse nada de construção, só por ser mulher, ô trabalhinho de merda foi arranjar. E ainda tinha que ficar num hotelzinho safado daquele sabendo que aquele merda daquele gurizinho dez anos mais novo do que ela ocupava um cargo muito melhor do que o dela, sem ter a metade da capacidade que ela tinha certeza ter, e ganhava um salário duas vezes maior do que o dela, sem fazer por merecer receber metade do que ela recebia, ah, aquilo não era justo... Aquela não era sua noite.

No 207 ele vibrava! E, mesmo já tendo descido para jantar, pediu um lanche no quarto. Nunca tivera as maiores notas da faculdade, nunca fora dos alunos mais assíduos, e na hora do vamos ver, lá no processo de trainee, mesmo com todos os cdf’s ali, concorrendo com ele, fora ele o escolhido. É que não adianta, malandragem não se ensina nos livros. Mais importante do que saber o que se ensina, é parecer saber. Se os idiotas dos cdf’s tivessem prestado atenção na maneira como ele parecia entendido cada vez que discorria sobre os livros que os professores mandavam ler, e que todos quase decoravam, mas ele ficava ali quietinho, esperando uma meia dúzia dar suas opiniões para depois discorrer sua oratória contrária aos pontos de vista previamente apresentados, mostrando argumentações mais convincentes pela entonação do que pelo sentido, certamente eles teriam entendido por que agora, ali, naquele momento era ele quem estava naquele quarto de hotel com tudo pago pela empresa que fizera a seleção, enquanto os outros teriam que se inscrever em mais um, dois, sabe-se lá quantos processos seletivos até conseguir um emprego que pagasse o tanto que ele passaria a receber já no próximo mês. Que viesse mais um, dois, três lanches, ele merecia. Aquela era a sua noite!

No 102 alguém ligou, mas ele não lembrava quem. Seja lá quem fosse, tinha dito que um dos contatos, alguém do hotel, inclusive, tinha avisado que a barra tinha sujado. Não sabiam como, tudo tinha sido muito bem planejado, mas o fato é que alguém tinha dado com a língua nos dentes de algum meganha de merda sabia que ele estava lá, cheio do que a lei diz que não se deve ter. No dia seguinte, talvez antes, arrebentariam a porta do quarto e dariam o flagrante. Ele não levou a sério. Pô, se fosse numa cidade de verdade tudo bem, mas ali, naquele fim do mundo, ali não, nem fodendo. Acendeu unzinho, relaxou, não tinha como dar errado. Não ia sair dali, àquela hora para tentar esconder o bagulho todo. Se tivesse que esconder, esconderia amanhã, não naquela hora. É que ele não sabia, mas aquela não era a sua noite.

No subsolo, seu Adílson, homem direito, simples, humilde, mas inquestionavelmente um homem de bem, ouviu um som estranho vindo ali do fundo, mas não ia parar agora para ver do que se tratava. Já, já olhava, não agora. Não justamente agora, quando aos 46 do segundo o bandido do juiz resolveu finalmente ser justo e marcar um pênalti a favor do seu time. O barulho era mesmo estranho e só aumentava, mas que esperasse mais uns segundinhos. Era só o desgraçado do camisa nove colocar a bola pra dentro, garantir a permanência do seu time do coração na segundona, e ele já veria de onde vinha aquele barulhinho irritante que só aumentava.

Antes mesmo do narrador do rádio entoar emocionantemente que o atacante corria para a bola para cobrar o penal, o barulho irritante que seu Adílson não quis verificar, mas vinha de uma das caldeiras do hotel que apresentava-se super-aquecida, fez explodir aquele amontoado de concreto e ferro, mandando todos os habitantes provisórios dos quartos supracitados para o quinto dos infernos. Literalmente.

Tudo estava até relativamente justo, um pela soberba, um pela luxúria, um pela inveja, outro pela avareza, um pela gula, outro pela preguiça, só seu Adílson não entendia o que fazia ali, na companhia do capeta, naquele calor pior do que o calor da sua terra natal.

Mas o capeta, gente boa que só ele, apesar de cruel, fez questão de lhe explicar que, mesmo tendo sido um homem muito bom durante toda a vida Severina que vivera nos dias que teve para transitar pela face da terra, ele não teve tempo suficiente para ouvir o desfecho da cobrança de pênalti do seu time do coração. Se tivesse, saberia que da ira não escaparia.

É que os homens não sabem, mas este é o único pecado que até mesmo Ele aceita a condenação presumida.

3 comentários:

Priscilla disse...

Esse vídeo me fez lembrar do final de semana! Parabéns meu querido, o texto ficou como de costume, formidável!

Beijos

Bruna Rafaella disse...

Hummmm...
gostinho de quem quer mais!!!!
nunca imaginei que teria a ver
com os 7 pecados capitais, e o final? a Ira!

Adorei!

ahhh...

o video do engenheiros, muito bom!
do fundo do baú hein!


Beijos!!!

Bruna Rafaella disse...

Comentei ontem!!
foi ou não foi?