terça-feira, 15 de junho de 2010

O Armário


Da primeira vez foi tão apressado, que nem reparei direito no que havia ao nosso redor. Não vi se sua parede era texturizada, ou se era algum papel decorativo que a estampava.

Não reparei se tinha criado mudo ao lado da cama, se a sua colcha era branca, rosa, preta, vermelha. Não reparei no bandô da cortina. Não reparei no tapete, se era porcelanato ou piso normal no chão do seu quarto.

Só reparei na nossa urgência. Dei graças a Deus por você estar de vestido, e agradeci ainda mais a Ele quando minha mão me contou que você estava sem calcinha.

Nada planejado, tudo instintivo, e por isso tão bom.

Mas de tudo aquilo que foi tão bom e inesperado, o mais surpreendente foi ouvir você dizer: “Caralho, o meu marido! Corre, entra no armário, rápido!”

Fiquei sem ação, você percebeu. Mas convenhamos, não é sempre que uma mulher de corpo perfeito, daquelas que se imagina não existir, e caso existam, jamais perceberão em pobres mortais como a maioria dos homens, como eu, um cara até bonitinho, mas desempregado e sem muito charme, se ajoelha a sua frente e no meio daquilo que de melhor a vida pode oferecer à um homem, pára e diz: “Caralho, o meu marido! Corre, entra no armário, rápido!”

Eu fui.

Fui por ter sido ordenado, sequer pensei no que estava fazendo, fui no piloto automático.

Não havia percebido na sua casa, no seu quarto, na sua decoração, mas até pelo tempo em que tive que ficar lá inerte, reparei em algo que talvez você não saiba: seu armário é lindo por dentro! Quer dizer, o seu eu não sei, mas o do seu marido é de muito bom gosto. Espaçoso, amplo, espaços bem planejados, quase me leva a crer que, de tão bem planejado, até naquela situação trajicômica o desenhista havia pensado quando o projetou.

Na segunda vez não tínhamos tanta pressa, você pediu para que eu escolhesse um vinho para que brindássemos àquela quinta-feira a tarde, pois você precisava ir ao quarto rapidinho pegar um presente para mim. Peguei um merlot. Os entendidos dizem que esta uva não é grande coisa, mas eu gosto, fazer o quê...

Você voltou de sobretudo, meias pretas, calçando um par de scarpin que deixava suas pernas ainda mais perfeitas, e eu que acreditava que não haveria maneira delas ficarem mais lindas... Você abriu o sobretudo e deixou a mostra seu corpo vestindo um corpete preto, com rendas que modelavam ainda mais o seu corpo inacreditável, uma calcinha menor que meu caráter e meias 7/8. Pensei comigo mesmo: “não sei por que ficam valorizando tanto a descoberta do fogo depois que foram inventadas as meias 7/8!”.

Fomos para o seu quarto, e desta vez reparei que havia alguns porta-retratos abaixados, presumi que fossem fotos de vocês e que você não se sentiria confortável com alguma cena romântica sua e do seu marido presenciando aquela nossa falta de pudor.

Sequer abrimos a garrafa do merlot, ela e as taças ficaram cândidas na mesa da sala, observando-nos à distância, mas nem tive tempo de soltar as suas ligas, e novamente veio a ordem: “puta merda, meu marido! Corre, para o armário!”

Já conhecia o caminho, e sabia que lá não estaria desconfortável.

Nas duas horas que fiquei lá dentro, pude reparar que seu marido se veste muito bem. Tem um blazer de veludo muito parecido com um que eu tenho, marrom escuro, mas o dele é de grife, muito mais bem cortado. Deve ter um caimento perfeito. Pela numeração percebi também que ele deveria ser um pouco mais alto que eu. Ternos de risca, cores sóbrias, tudo muito elegante.

Fiquei admirado com a sua frieza, fingindo que esperava por ele. Convenhamos, as taças intactas e o vinho fechado contribuíram para a sua cena.

Pela sinfonia que vocês entoavam, percebi que não era por frustração sexual que você me procurava. Ele parecia muito carinhoso, mas firme quando necessário. E pelo pouco que já conheço de você, sei bem que não era fingimento.

Ele não reparou nos porta-retratos caídos.

Na terceira vez você me ligou pedindo que eu fosse urgente ao seu apartamento, nada nos atrapalharia naquela tarde de terça-feira.

Óbvio, eu fui.

Você estava na banheira. Não encontro palavras para descrever aquela cena.

Mal comecei a desabotoar a minha camisa e você me olhou assustada quando ouviu passos no corredor. Eu nem esperei que você dissesse algo, e falei: “Já sei, para o armário.”, você sorriu, me mandou um beijinho, e lá fui eu.

Dentro do armário, ao lado dos ternos, vi que em cima das gavetas ficavam os perfumes dele. Todos amadeirados, importados, coisa fina mesmo.

De fora do armário, ouvi ele contando animado sobre um provável novo gerente para o setor de tecnologia. Há tempos ele procurava alguém, e agora o tal candidato parecia muito competente e se mostrava bastante interessado na vaga. Era o que a firma estava precisando, alguém competente e dedicado. Pegou os documentos que havia esquecido, e foi embora.

Na quarta vez, quando chegamos ao seu apartamento, ele havia coberto o chão com pétalas de rosas, velas por todos os cantos esperando para serem acesas, porcelanas finas e talheres de prata sobre a mesa, um outro merlot, de rótulo e safra melhores do que aquele primeiro, reservado junto à duas taças somelier.

Você ficou sem graça, disse que era aniversário de casamento, mas não esperava que ele fosse preparar aquilo tudo. Entendi você ter perdido a vontade, perguntei se você preferia que eu fosse embora, mas antes que você pudesse me responder, o barulho da chave girando ditou meu destino, e lá fui eu, mais uma vez, para dentro do armário.

Enquanto ouvia ele se declarar frustrado por não ter conseguido chegar antes de você para completar a surpresa com a orquídea tão rara quanto linda, que trazia para lhe presentear, olhando para baixo do chão do armário fiquei admirado com os tênis e sapatos do seu marido. Não é sempre que um homem calça 46.

Fui obrigado a passar quase a noite toda no armário, até você quase me matar de susto abrindo a porta na hora em que ele foi para o banho, após inacreditáveis três horas e meia e incontáveis orgasmos seus. Ele pediu e você cedeu lugares que eu sequer tive tempo e coragem de cogitar. Saí de fininho, ele não percebeu. Eu acho.

Hoje é a quinta vez que você me chama para ir ao seu apartamento, mas digo, desta vez eu não vou.

Estou mandando este email do meu blackberry.

Estou no motel, ao lado de uma garrafa vazia de um merlot delicioso.

Acabo de ter a tarde mais perfeita da minha vida.

Consegui o emprego de gerente de TI.

Seu marido está no banho.

Saí do armário.

Um comentário:

Anônimo disse...

Esse texto me fez recordar de muitas coisas engraçadas que vivi na minha adolecência. Não precisei colocar ninguém dentro do ármario e muito menos ser colocada, mas essa sensação de perigo, de que está fazendo algo errado era muito bom e estimulante.

Um abraço,

Carol