sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Oberdan


Acreditava-se irresistível. Julgava ter um charme exclusivo, tão particular que era impossível ser recusado por qualquer mulher que fosse. Bastava ele escolher a mulher de seu interesse, que na oportunidade de poder trocar dois minutos de conversa, a erudição que supunha ter faria com que a dama desejada se rendesse aos seus pretensos encantos.

Fernandos, Robertos, Ricardos, estes existem aos montes, mas me diga, minha princesa, quantos Oberdans você conhece? E era assim que ele, Oberdan, abordava suas pretendendidas.

Quando alguma mulher não cedia as suas investidas, exclamava que ele é quem se desinteressara, pois percebera logo no início da conversa que se tratava de uma vaca. Ele não gostava de vacas. Tem mulher interessante demais no mundo para que eu perca meu tempo com esta vaca, dizia, dispenso as vacas, tomo meu café preto, não preciso de leite. Vaca! Só mais uma vaca, dizia.

Um dia, ainda que a contragosto, foi a uma confraternização na casa de Fabíola, sua melhor amiga. Oberdan olhava ressabiado para aquelas pessoas todas ao seu redor, intelectuais, músicos, jovens escritores, alguns envolvidos com cinema, gente muito culta e descolada. Oberdan não gostava daquela gentinha e, além do mais, havia um certo desconforto cada vez que comparecia ao apartamento de Fabíola. Ao olhar para aqueles homens da festa, ele pensava, Pobrezinhos, acham que conseguem alguma coisa com esse papinho metido a cabeça. Eles não tinham o seu charme. Ninguém tinha. Se for do meu interesse, tenho qualquer uma destas mulheres, mesmo que estejam acompanhando alguns dos convidados intelectualóides de merda, dizia para si mesmo. Até por que, sabia que nenhum deles saberia tanto de tanta coisa quanto ele tinha certeza saber. Se quisesse, teria qualquer uma delas, qualquer uma! Exceto se fosse uma vaca. Detestava as vacas.

Fabíola estava linda, vestida com a beleza que só as mulheres que já passaram dos trinta possuem. Menininha nenhuma é capaz de portar uma beleza daquelas. Mulher inteligente, bem sucedida, pernas indefectíveis, sorriso indefectível, pescoço longo, pele alva, pura, olhos castanhos, tão impenetráveis quanto absorventes, exalava sensualidade até no modo como empunhava os talheres de prata. Mas ela era amiga, e Oberdan, diferente do que dizem muitos machistas por aí, acreditava sim, que existia amizade entre homens e mulheres. Além das vacas, Oberdan não envolvia-se também com as amigas. Era seu código de ética. Amigas são sagradas, vacas são malditas, dizia.

Enquanto observava Fabíola se abaixar para pegar a garrafa de um Pinot Noir que trouxera da última viagem que fizera com seu amor à Paris, Oberdan lembrou-se daquela vez, há muito tempo atrás, na época em que ainda era muito próximo dela, e tinha nela sua confidente primeira e última, em que a convidara para ir com ele à uma pizzaria para conhecer a mulher que acreditava piamente que seria a mãe do seu filho, a mãe do Oberdan Jr., que ele tanto e tantas vezes sonhara em trazer ao mundo.

Chamava-se Patrícia e, embora Oberdan estivesse certo de que era ela a mulher de sua vida, precisava da aprovação de Fabíola.

Patrícia achou estranho o fato de ele querer um encontro com a amiga, como quem leva a namorada para obter a aprovação dos pais, mas aceitou. Abriu a porta da pizzaria para que ambas adentrassem ao recinto, dizendo, Sivuplér. Ambas olharam com estranheza para ele, que tratou de esclarecer, Significa “A casa é sua”, em italiano.

Sentaram-se à mesa em silêncio, constrangidas.

Sua amada estava linda, ultrajantemente linda. De certo, vestiu-se daquele modo para demarcar território. Se outra mulher iria ao encontro, que ficasse claro para ela quem ali era a dona do macho da ocasião. Trajava um vestido solto, à altura dos joelhos, com um decote escancarado que deixava à mostra as curvas dos seios indecentemente lindos, inconfessavelmente desejáveis. As costas nuas prenunciavam a circunferência exata da bunda mais perfeita que Oberdan jamais sonhara em ter ao alcance das suas mãos. Sem contar a sutil demarcação que a minúscula calcinha fio dental sob o tecido fino e solto do vestido, que dependendo do modo como Patrícia caminhava, fazia-se notar.

Ele, por sua vez, trajava uma bermuda de tergal marrom, sandálias franciscanas, uma camiseta amarela com o desenho de dois coqueiros, que trouxera de uma excursão que fizera anos antes com o grupo de jovens à Fortaleza, e sua inseparável pochete de couro presa à cintura.

Oberdan quis impressionar Patrícia com toda a sua vasta cultura, e sem que qualquer uma das duas lhe houvesse solicitado, tratou de explicar a origem das coberturas das pizzas que o cardápio apresentava aos três. Funghi é uma ótima pedida, um molho a base de castanhas e nozes. Muito tradicional na Noruega.

Fabíola ficou com vergonha, mas não corrigiria o amigo diante da mulher que tentava impressionar.

Quando o garçom ofereceu a carta de vinhos, Oberdan antecipou-se e pediu, Um tinto seco, por favor, Qual? Perguntou o garçom. Oberdan sorriu com o canto da boca, o sorriso que acreditava ser o tiro certeiro de todas as facetas do seu charme másculo, e respondeu, Como, “qual”? Um tinto seco, oras. Tinto, aquele roxinho, sabe? Esses garçons... Quanto despreparo, disse com uma risada sarcástica. A não ser que as princesas prefiram um vinho suave, mulheres adoram vinhos docinhos. Um suco de laranja, por favor, disse Fabíola sem saber como disfarçar o desconforto, Dois, disse Patrícia. Bom, amigo, então traga dois sucos de laranja para as princesas, e para mim uma taça de tinto seco. Tá bem geladinho? Como, senhor? Perguntou o garçom, O tinto seco, tá bem geladinho? É... Bem, os vinhos ficam condicionados na adega, numa temperatura própria para cada origem e uva, mas não estão gelados, Então me veja um tinto seco numa taça com duas pedrinhas de gelo, Como o senhor quiser, respondeu o garçom, também encabulado. Não, não, suspenda o tinto seco, me traga uma malzibier, por favor.

E assim a noite transcorreu, entre fatias de pizza calabresa e toda uma disenteria verbal sobre os mais variados assuntos. Oberdan não permitia que qualquer das duas dissesse o que quer que fosse, apenas inundava-as com toda a sorte de despautérios incultos, que na sua inocência estúpida, presumia impressionar sua amada Patrícia.

Depois daquele dia, Patrícia sumiu. Não atendeu aos telefonemas de Oberdan, não retornou os inúmeros recados e emails, passou a fazer um trajeto duas vezes maior entre a sua casa e o trabalho, só para não correr o risco de encontrá-lo pelo caminho.

E agora, seis anos depois, lá estava Oberdan, no apartamento de sua amiga Fabíola. Enquanto ela pegava o Pinot Noir, Patrícia entrou na sala com taças e um frisante, para que todos os convidados brindassem o sexto aniversário da união de ambas.

Cada um dos presentes pegou uma das taças e, ao erguer o braço para o brinde, trajando um vestido tão provocante quanto aquele de tempos atrás, Patrícia mostrou para quem quisesse ver que o tempo em nada afetou a beleza obscena do seu corpo perfeito, e disse, Amigos, se vocês nos permitem, eu e a Bíola queremos brindar ao nosso querido Oberdan, pois sem ele não teríamos nos conhecido, e hoje não estaríamos aqui cercadas por pessoas tão queridas quanto vocês. A você, Oberdan. Ao Oberdan! Repetiram em uníssono os convidados com suas taças erguidas, alguns batendo palmas, todos com sorrisos estampados na face.

Oberdan ergueu a taça, sorriu com o canto da boca, aquele sorriso só dele, fez que sim com a cabeça, e murmurou apenas para si mesmo, Vaca!

7 comentários:

Shuzy disse...

Até então, esse é o " + melhor"

hsuahsuhashahusa

(Claro que sem tirar a perfeição dos outros... =D )

mar. disse...

hahahahahahahahahahahaha ahhh hahahaha

jean mafra em minúsculas disse...

david,
essa foi sem dúvida uma maravilhosa leitura pra esta sexta-feira!

valeuzão!!!

adorei o conto, e achei o personagem oberdam interessantíssimo, mas se me cabe aqui alguma sugestão, sugiro: tente diminuir os adjetivos do texto, eles nos distraem.

beijo.

luiza disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk


adoreiiiiii!

nop disse...

Meu Deus, que foto é essa??? HAHAHA não consigo parar de rir! GZUS!

Anônimo disse...

Tadinho do Oberdan... ele precisava ler o manual do falso erudito. Acho que viraria teu fã, não?

Beijocas, Xixa.

Fábio Andrade disse...

Oberdan tem o dom.
Invejo seu conhecimento em vinhos e gastronomia.

Um dia eu aprendo.