segunda-feira, 13 de junho de 2011

Horóscopo


Deve ser culpa do meu horóscopo.

Ele me havia prometido um amor para aquela quarta-feira, um amor de virar a cabeça, de me tirar o sono e fazer, quem sabe, com que finalmente eu te esquecesse. Desde que eu desse prioridade para o verde na hora de me vestir naquela quarta-feira. O horóscopo me garantiu também alguns trocados vindos de surpresa, meu bolso tá mesmo precisando. E disse que eu deveria cuidar da saúde, dar uma olhada com mais cuidado na minha alimentação. Li este alerta às sete da manhã, comendo um bolinho de carne gorduroso com pimenta e mostarda, e uma coca-cola que, mesmo o garçom tendo me garantido que estava trincando de gelada, deveria estar mais quente do que o café preto que serviram para o velho que sentou do meu lado e não tirava os olhos do meu decote.

Meus peitos ficaram lindos depois do silicone, talvez você nem me reconhecesse.

Preferia que meu horóscopo dissesse algo como: “Com a lua passando pela terceira casa, seu trânsito astrológico indica que você esquecerá para sempre que um dia aquele cachorro passou pela sua vida”. Mas, embora o horóscopo costume tentar ser gentil, me dizendo sempre coisas agradáveis e que, de um modo geral, eu até gosto de ler, ele não foi capaz de garantir uma amnésia teleguiada para a sua existência.

Tem mostarda no seu queixo, ele disse. Acho que era ele que o horóscopo tinha arranjado para tentar fazer com que eu te esquecesse.

Eu sorri envergonhada, limpei o queixo com aquele guardanapo de boteco, muito bom para fechar baseado, e virei a página do jornal para a parte de economia, para que ele não pensasse que eu era uma dessas mulheres bobinhas que não saem de casa sem ler o horóscopo para saber com qual cor devem se vestir, embora eu fosse mesmo uma dessas. Estava com um vestidinho que é uma graça, sabe daqueles que parecem vestidos de menininhas comportadas, mas com um decote generoso para deixar claro que a menina comportada é gostosa? Então, era um desses. Verde, o vestidinho, conforme determinou o meu horóscopo que seria adequado para aquela quarta-feira.


Desculpe a invasão no seu lanche, mas qual o seu nome? Ele perguntou, eu disse.

De quê? Ele retrucou.

De quê o quê? Eu retruquei.

Seu sobrenome. Ele perguntou, eu estranhei, mas disse.

Você não é daqui, né?

Sou de Porto Alegre.

Tá explicado.

Fiz cara de quem não entendeu nada, a cara que ele estava esperando que eu fizesse, e emendou sua cantada que deve ter dado um trabalhão do caramba para elaborar.

É que se você fosse daqui, depois do teu sobrenome já haveria também o meu, estaríamos casados, com filhos e tudo. Eu quero quatro, e até antes de entrar neste bar isso era inegociável, mas aceito rever a quantidade se você quiser menos, só não abro mão de que seja você a mãe deles.

O mal estar que aquilo me causou deve ser similar ao que sentem os homens quando levam um chute no saco. Dessa vez eu não sorri, só pedi a conta.

Sei que a cantada foi horrível, ele disse enquanto eu tirava a carteira da bolsa para pagar meu saudável café da manhã, mas é que essa foi a cantada que o Noel Rosa usou para chamar a atenção do grande amor da vida dele. Já que não sei fazer um samba igual aos que ele fazia, para te oferecer, só me restou tentar a cantada que ele usou.

Dessa vez eu sorri. Achei bonitinho. Gente fina, o horóscopo, se deu o trabalho de me arranjar um cara que gosta de Noel. Não só o que ele falou era bonitinho, ele próprio era bem interessante, como diriam as minhas amigas, o meu número. O problema é que eu olhava para aquele cara interessante, conhecedor de Noel, mas no rádio do bar o Xororó me fazia lembrar de você, cantando, “Quando digo que deixe de te amar, é por que te amo / Quando digo que não quero mais você, é por que eu te quero...” . Horóscopo devia vir também com trilha sonora, como ele vai me ajudar a esquecer de você com uma música dessas?

Mas resolvi dar uma chance para o carinha do Noel, vá que eu me apaixonasse. Dizem que quando estamos apaixonados esquecemos de todo o resto. Vá que eu esquecesse até de você.

E, vou dizer, as coisas iam até evoluindo satisfatoriamente bem, o carinha do Noel é realmente bem legal. Inteligente, divertido, tem algum dinheiro, um carro legal, e é bem bonzinho na cama. Achei até que conseguiria me fazer esquecer você. Talvez, por alguns momentos, até tenha conseguido. Até sábado passado, pelo menos.

Admito, a culpa não foi do meu horóscopo, foi minha mesmo. Eu cometi a loucura de sair de casa sem ler o meu horóscopo. Tivesse lido, ele teria me alertado que aquele era um bom dia para ficar em casa, fazer programas mais intimistas. Mas não li e, imprudente que fui, saí de casa, fui à uma festa, um churrasquinho na casa de um amigo de uma amiga de um conhecido qualquer. Mais imprudente ainda, saí de vermelho, quando o sábio horóscopo me indicava usar azul. Deve ter sido por isso que tudo desandou e, hoje, não faço nada além de ficar aqui chorando por sua causa.

Sei que fui eu quem te abandonou, eu que te deixei pra trás, que mudei de casa sem te dar meu novo endereço, mas não estava preparada para te ver nos braços de outra. Pior, você estava feliz nos braços da outra. Como você tem coragem de ser feliz longe de mim? Quanta ingratidão...

É horrível o que eu vou dizer, mas preferia saber que você morreu, do que saber que você está nos braços de outra. Nenhuma outra jamais será capaz de te dar um amor igual ao meu! Tudo bem que fui eu que te abandonei, mas isso não significa que eu não te amasse. Eu estava sofrendo, você não tinha o direito de estar feliz! Pior, quando vi você, no susto da surpresa chamei seu nome, você virou para mim e se mostrou feliz em me ver. Como você teve coragem de ficar feliz em me ver, se estava tão feliz nos braços dela? Ou o seu sorriso era algo irônico, algo sarcástico, como quem diz, Tá vendo, você não me quis, agora tenho alguém que me quer. Que fizesse ao menos uma cara de magoado, que estivesse com raiva de mim, não com aquela expressão de alegria por me ver, mas deixando claro que não vai voltar pra mim.

Voltei pra casa desolada, inconsolável. Minha mãe tentou me acalmar, eu só chorava. Aliás, só choro. Não que isso vá mudar alguma coisa, mas que fique registrado que há quatro dias que eu só choro por sua causa. Minha mãe me perguntou se eu tinha certeza que era você mesmo, se não era um outro parecido com você, mas não, eu sei que era você.

Ela pegou as fotos nossas, pelo menos aquelas que não foram perdidas na mudança, para eu ver bem os detalhes e ter certeza se era mesmo você quem eu vi nos braços daquelazinha. Depois de ver as fotos, tive mais certeza ainda, a mancha branca no focinho, o pelo marrom, o rabo cortado, as patas traseiras meio tortas.

Sei que fui eu quem abandonou você, mas você não tinha o direito de ser feliz sem mim. Você deveria entender, como eu poderia criar um Pit Bull num apartamento de dois quartos?

Desculpe o egoísmo, mas eu preferia que você tivesse morrido a te ver nos braços de outra.

Você não tinha o direito de ser feliz sem mim!

4 comentários:

Letícia Palmeira disse...

Vingança em palavras, silicone, boteco e Noel Rosa. Ela escapou de uma boa. Mal sabe a menina.

E eu preciso comprar seu livro.

Câmbio.

Bruna Rafaella disse...

Porquê eu sempre fico de boca aberta no final??
E queria te parabenizar pelo seu " don " de ententer um pouco as mulheres...
eu sei que é um texto e não tem nada a ver com a sua pessoa, mas foi você que o escreveu e tem lá os seus conhecimentos, é incrível a descrição sobre ler o horóscopo, ás vezes eu me pego tendo essa mania idiota...
Adorei!!!!!!!!!!

ansiosa estou!!!

Beijossssss boa semana!!!

Karla Koerich disse...

Você é um safadinho, não?!
Quer dizer que todo aquele amor e sofrimento era por causa de um cachorro?! Muito astuto...
Mulheres sempre sofrem por causa de cachorros mesmo...
Não, não estou amarga, antes que penses.
Pit bulls são realmente muito grandes e potencialmente agressivos. Melhor seria um pooodle, não? hehe

Nayana. disse...

é, fim das contas muda só sobre quantas patas eles andam...