sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Finge que me engana, mas não vou fingir que acredito (A palhaçada da proibição das Doulas e outros absurdos cotidianos)



Não sou contrário à cirurgia cesariana, pelo contrário, acho que ela é uma das coisas mais maravilhosas que o ser-humano criou, pois graças a ela várias vidas podem ser salvas.

A cirurgia cesariana salva vidas, mas vidas só devem ser salvas quando estão em risco.
Já escrevi sobre isso, mas volto ao tema por dois motivos: a palhaçada da proibição de Doulas nos hospitais-maternidade do grupo paulista Santa Joana, e a frustração por ver a postura de alguns novos médicos que hoje se manifestaram no meu Facebook.

O grupo Pro Matre Santa Joana, economicamente um dos mais fortes do nosso país na área médica, não quer Doulas presentes nos partos que realiza. Alegam, em sua defesa, que não proíbem a presença da Doula, mas restringiram o número de acompanhantes na hora do parto para apenas um, logo, como a tendência natural é que a mãe escolha a presença do pai, sai de cena a Doula. Argumentam, também, que menos uma pessoa na hora do nascimento diminui o risco de infecção hospitalar. Só não dizem pra ninguém que o risco de infecção numa cirurgia cesariana é muito mais alto do que num parto natural.
Mas por que essa restrição se está mais do que comprovado que a presença de uma Doula diminui drasticamente a incidência de cirurgias cesarianas, a necessidade de analgesia e de ocitocina artificial? A proibição se dá exatamente por estes motivos.

Hoje, a taxa de cirurgia cesariana do grupo Pro Matre Santa Joana é uma das mais altas do país. Mais de 90% dos partos realizados naquela instituição comercial de saúde, são cirurgias cesarianas eletivas (cirurgias com data e hora marcada).
Com esta proibição o Hospital deixa claro que a sua preocupação não é, em nenhum momento, o bem estar da mulher e da criança, e sim com a última linha da DRE (Demonstração do Resultado do Exercício) que aponta para os investidores o seu Lucro Operacional Líquido ao final de um ano. O que vale é grana no bolso e ponto final.

Hospitais com esta conduta são iguais à clássica cena do filme “Tempos Modernos” de Charles Chaplin, em que o personagem fica robotizado pela repetição de uma linha de produção. A tristeza em se constatar isso, é que aquele filme era uma sátira das consequências da Revolução Industrial, mas que hoje ainda se aplica não só em linhas de produção e atendimentos de operadores de telemarketing, mas também no trato da saúde.
Ter uma Doula representa um sério risco para a fortuna que é movimentada por essa indústria das cesarianas eletivas, pois ela sabe técnicas para relaxamento e alívio da dor da parturiente, que podem acabar por dispensar a analgesia que constaria no valor final da fatura paga ao hospital. Ela, por ser PROFISSIONAL da saúde, irá intervir a favor da mãe quando algum médico com pressa em desocupar o leito, resolver romper precocemente a placenta da mãe. Ela está do lado da mãe, ela tem consciência que naquele cenário o centro das atenções É A MÃE, não o médico. Ela não se importará em esperar pela dilatação, impedindo que o médico faça uso da quase sempre desnecessária episiotomia.

Mas essa calma que a mãe precisa para vivenciar toda a beleza de um nascimento, em hospitais desta natureza só a Doula tem. Na maioria esmagadora dos hospitais, uma parturiente é estatística, não ser-humano. É como se eles fossem donos de boteco que ficam putos quando amigos se reúnem para jogar conversa fora, tomam suas cervejinhas sem pressa, e ficam ocupando mesas de outras pessoas que poderiam estar consumindo mais e mais rápido se estivessem sozinhas. Quanto mais rápido realizarem seus partos eletivos, mais rápido terão outras grávidas nas suas salas cirúrgicas e, assim, aumenta-se o ganho em escala.
Um rapaz que eu conheço há tempos, mais novo do que eu, recém-formado em medicina, adora fazer piada da minha cara, pois se acha autoridade no assunto por ter a titulação de bacharel em medicina, enquanto a minha é em administração empresarial, o que automaticamente invalida, para ele, meus argumentos. “Você não é da área, não sabe do que tá falando”, diz ele.

Mais do que isso, escreveu textualmente num e-mail: “David, você é administrador, deveria melhor do que eu saber como o mundo funciona. A máquina não pode parar, eu não posso manter toda uma estrutura hospitalar se não tiver um ganho com isso, eu preciso de produção mesmo, preciso de velocidade. Nada que coloque em risco as pacientes, mas pra que vou esperar 20 horas vendo uma mulher sofrer de dor, se posso fazer um procedimento em 20 minutos onde ela não sentirá nada. É até desumano isso que você defende, parece que você gosta de ver mulher sofrer.”
Sim, eu sou administrador e me orgulho muito da minha profissão e formação.

Não, eu não sou desumano.
Administradores não são escravos do sistema capitalista que visam o lucro acima de qualquer coisa. Administradores são profissionais que tornam negócios viáveis através de métodos, controles e planejamento. Administradores PRECISAM ENTENDER E GOSTAR de pessoas, é para elas que os negócios existem.

Se a minha formação me levasse a crer que o lucro final é a única coisa que importa, eu jamais teria uma filha, pois sei que ela ocupará boa parte do meu orçamento, das minhas horas de sono, das horas de lazer que antes eram só minhas e da Priscilla. Sei que em alguns momentos não poderemos mais decidir na hora irmos à um restaurante legal, pois talvez a grana esteja curta, talvez a Clara esteja com febre pois um dentinho vai estar nascendo, talvez eu esteja esgotado fisicamente por ter corrido atrás dela uma tarde inteira quando ela aprender seus primeiros passinhos.
Repito o que já disse em outros textos, a obstetrícia assim como a maternidade/paternidade, é uma missão. Não se deve ter um filho para segurar o namorado, por convenção social – “todos os meus amigos já tiveram, preciso ter um para mostrar que também evoluí como pessoa” – ou seja lá por qual motivo fútil. Deve-se ter um filho por acreditar que é capaz de receber, criar, educar um ser-humano que ajudará este mundo em que vivemos a se tornar um lugar melhor para todos vivermos. Quem fizer contas ou pensar em comodidade e ganho financeiro, jamais terá filho, não é um negócio lucrativo. Quem escolhe a obstetrícia, deve ter o mesmo sentimento. Não é uma profissão, é algo maior do que isso. Se teu objetivo é grana, caia de cabeça nas próteses de silicone, não numa sala de parto.

Um médico que indica a cirurgia cesariana quando não há necessidade da mesma, NÃO MERECE RESPEITO. Um médico que, além disso, sugere o agendamento da cirurgia cesariana, além de não merecer respeito, está deixando claro que não se importa nem um pouco com você, sua esposa ou seu filho, ele está interessado única e exclusivamente no próprio bolso e comodismo. É o típico cara que se acha melhor do que os outros pela profissão que exerce, que exige ser chamado de doutor mesmo sem a devida titulação. E, mesmo que tivesse, "doutor" é titulação acadêmica, não pronome de tratamento.
Salas cirúrgicas são feitas para tratamento de doenças, e uma criança não é uma bactéria que contaminou a mãe com a mazela da gravidez a espera da cura cesariana. A criança sabe desde muito antes da medicina virar ciência, quando e de que jeito deve nascer.

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