sexta-feira, 23 de julho de 2010

Ambíguo


Tô aqui matutando, matutando, tentando entender o que o senhor quis me dizer.

Sou burra, não sou boa nessas coisas de interpretar o que se quis dizer, tendo dito outra coisa. Fala direto, preto é preto, branco é branco e ponto final, sem complicação.

Sou burra, me desculpe. Até por isso não leio muito, não sei captar o que foi dito nas entrelinhas, e toda merda de livro sempre tem as merdas das entrelinhas que não estão ali, mas todo mundo diz que tá, é só interpretar. Eu não quero interpretar, eu não sei interpretar, então olha pra mim e diga na minha cara o que significa isso.

Vamos por partes.

Talvez tenha entendido tudo errado, talvez não.

Sei como no começo tudo pareceu muito estranho, o senhor precisava de um novo mestre de obras para a reforma, só não imaginava que seria uma mulher, tudo bem, normal o estranhamento. Já estou acostumada.

Como estou acostumada a cada novo trabalho ter que convencer uma equipe composta só de homens, de que tenho capacidade para tocar a empreitada.

Já estou calejada com isso, sempre dou um jeito de me virar e no fim das contas o resultado sempre sai bom. Admito, sou boa no que faço. Posso não ser a melhor, mas entendo do riscado.

Enfim, lidar com o estranhamento, rejeição inicial, essas pequenas dificuldades, isso tudo eu tiro de letra, o que eu não contava era com o senhor.

Puta merda, precisava ser tão bonito?

Puta merda, precisava ser tão charmoso?

Puta merda, precisava ser tão cheiroso?

Puta merda, precisava ser tão elegante?

Assim o senhor me quebra. Precisa sorrir desse jeito cada vez que me vê? Precisa?

Pra que ser tão educado, tão gentil?

Talvez o senhor tenha faltado na aula que as pessoas aprendem como se trata pedreiro, mas eu explico, pedreiro se trata na pedrada! Não tem essa de sorrisinho, lanchinho surpresa no meio da tarde, “por favor”, “muito obrigado”, “me desculpe”, não tem nada disso!

Pedreiro é na pedrada, se não fica folgado!

Entenda, senhor, não era para o senhor se preocupar comigo. Não tinha nada que ficar reparando se na última semana eu tava mais quieta, no meu canto. Eu só estava um pouco triste. Mas o fato de eu ter andado uns dias tristinha, não te dá o direito de se preocupar comigo!

Pra que, me explica pra que o senhor me chamou no seu escritório só para saber como eu estava? Por qual maldito motivo o senhor fez questão de ficar sozinho comigo na sua sala, de portas fechadas? O senhor falava, falava, falava, e eu não escutava coisa nenhuma, só ficava hipnotizada pela sua boca, que merda, como ela é apetitosa...

E agora, como que eu fico?

Tô que não acerto mais o prumo dos tijolos de tanto que fico pensando no senhor, que merda...

Com toda essa sua educação, esse cuidado, essa atenção, o senhor tem uma cara de quem sabe fazer a coisa do jeito que ela deve ser feita, que não gosto nem de pensar muito nisso que já começa a dar aquelas quenturas que deuzolivre.

Aí, numa dessas quenturas, na sala da minha casa enquanto os meus guris dormiam no quarto, resolvi tomar um negocinho, fui ficando alegre, e sabe como é, bêbado fica corajoso, tive a infeliz ideia de mandar uma mensagem para o senhor confessando que quando ficamos sozinhos na sua sala, tive vontade de te beijar.

Não satisfeito em ocupar meu pensamento o tempo todo, o senhor ainda inventou de me responder a mensagem, apenas com um enigmático: “Eu sei...”.

QUE MERDA! O que o senhor quis dizer com isso???

Eu sou burra, não sei interpretar, já falei.

O “Eu sei...” significa que o senhor quis dizer: “Eu sei, tá na tua cara que tu estás de quatro por mim, isso é normal, todas ficam de quatro por mim.”

Ou o “Eu sei...” significa que o senhor quis dizer: “Eu também!”?

E agora, abandono a obra ou me agarro no seu pescoço?