sexta-feira, 11 de março de 2011

Tudo acaba em pizza. Ou não.


Sentado na mesa de plástico do bar vendo um bando de velhos jogando dominó e rindo sem eles mesmos saberem do quê, tentava lembrar por que raios fora tão descuidado. Por qual maldito motivo aceitara para si mesmo que paixão era coisinha de adolescente, que depois de certa idade todos, homens e mulheres, tornam-se imunes àquele sentimento esquisito, trocando os suspiros que tanto se suspira no início da puberdade, pela escolha do par ideal balizada em afinidades e preferências equivalentes.

E suspirou lembrando dos olhos castanhos dela. Intensos, profundos e puros.

Um alguém desimportante parou ao seu lado, abriu uma mochila e lhe ofereceu filmes pirateados. Tinha de tudo, das últimas novidades recém chegadas aos cartazes dos cinemas, aos pornôs mais inimagináveis, de tão bizarras as combinações. Não, obrigado, ele respondeu para em seguida dizer, Sim, obrigado, ao garçom que lhe acenava com mais uma garrafa de cerveja.

E suspirou pensando em qual tipo de filme ela deveria gostar. Acho que comédias bobinhas, disse para si mesmo. Um romancezinho água com açúcar, talvez. Dublados, provavelmente. Deve ficar linda gargalhando num filme besta qualquer. Depois sentiu-se culpado por menosprezar as preferências dela. Vá que ela gostasse dos franceses, dos italianos. Vá que ela tenha um cartaz de algum Almodóvar na parede do quarto. Não deveria ter, seria perfeita demais.

O beijo indevido que lhe dera, sem que ela esperasse por aquele gesto e que retribuíra meio sem jeito, talvez pelo risco do local, do flagra, causara um estrago muito maior nele do que nela. Provavelmente, nela só tenha causado espanto. Nele, encanto.

Depois do beijo, deixou um bilhete de letras apressadas dizendo, Que tal uma pizza hoje a noite? Ela ficou linda com o rosto vermelho da timidez delatora, e instintivamente pensou que ela ficaria linda de lingerie vermelha, com aquela pele tão branquinha... Ela não disse nada, mas fez que sim com a cabeça.

Era tanta coisa importante que ele tinha pra pensar naquele momento, mas nenhuma delas capaz de se sobrepor a euforia pelo sim silencioso que ela lhe presenteara, que lhe dava vontade de abraçá-la, de gritar, de pegá-la no colo, de beijá-la de novo, agora na frente de todo mundo, com mais calma, do jeito que ela merecia, com o tempo medido para que se desprendesse daqueles lábios lindos e bem desenhados o sabor que ele sonhava há tanto tempo provar. E só conseguia pensar se aquela camisa que gostava estava limpa, será que tinha incluído ela na última maquinada de roupas que vencera a preguiça que ele sempre cultivara? Ainda que não fosse lá muito bonito, queria estar ao menos arrumado. Queria estar cheiroso. Queria saber o que dizer. Queria saber o jeito certo de se comportar para impressioná-la. Queria que ela gostasse do homem que veria. Queria estar parecido com o homem que ela sempre sonhara em ter. Queria ouvi-la dizer, Sim, eu também sinto o mesmo, foda-se o resto, fodam-se os outros, fiquemos juntos, oras.

Passados bem poucos minutos depois desse turbilhão de pensamentos , ele recebeu também um bilhete dela, agora virtual, na tela do computador, dizendo que havia se esquecido, que marcara há dias com as meninas de sair com elas. Não tinhas desculpas para desmarcar agora. Dizia com uma delicadeza buscando oferecer algum consolo, que talvez houvessem outras oportunidades. No futuro ela estaria presente, dizia o bilhete virtual.

Desligou o que havia para ser desligado, sorriu para ela um sorriso meio sem graça de compreensão frustrada, um sorriso um tantinho triste, e foi-se embora. Foi para o bar, observar os velhos jogarem dominó e rirem dos motivos que não conheciam. Foi beber, não para esquecer, mas para lembrar dela com a leveza que o álcool traz. Foi fumar os cigarros que ela não sabia que ele fumava. Talvez desconfiasse, mas certeza não tinha.

Desligou seu celular, já que não receberia um telefonema dela dizendo, Estou pronta, pode vir me buscar. Não tinha outro telefonema que lhe interessasse.

Quando terminou aquela cerveja que o garçom lhe oferecera há minutos, depois da recusa aos filmes piratas, percebeu ao ridículo a que se prestara. Não era o tipo de homem que ela gostava, por mais que se esforçasse em se tornar um homem do agrado dela, dificilmente viria a se tornar tal homem.

Voltou para a casa que sua irmã lhe emprestava por caridade, dada a dificuldade financeira pela qual passava, com dinheiro suficiente apenas para pagar uma pizza à mulher que há algumas semanas passara a amar desmesuradamente, arrumou seus poucos pertences numa mochila velha, e resolveu aceitar o convite do seu melhor amigo de montarem cada um na sua moto, deixar tudo pra trás e seguirem rumo a Goiás, à Bahia ao Chile. Que fique pra trás o que o retrovisor mostrar. Sem ela, nada daquilo lhe interessava. Como não a teria, foda-se o retrovisor.

Foi embora e nunca mais teve notícias dela. Passou o resto dos dias lembrando da intensidade daqueles olhos castanhos, de como adoraria ter tido uma filha com a mão delicada e pequena igual a dela, que algumas vezes ele alisara fingindo ser de brincadeira, em como prestava atenção nas curvas dela cada vez que ela mostrava-se de costas à ele, em como o sorriso dela fazia os seus dias valerem a pena.

O que ele nunca soube, é que segundos após ter desligado o celular, ela ligou de volta para dizer que havia desmarcado o encontro com as meninas, e que estaria disposta a todas as reprovações pelas quais certamente passaria para ficar ao lado dele. Que apesar das inúmeras diferenças, estava disposta a superá-las todas para ter um filho com os olhos dele, com as mãos firmes dele, com o sorriso amarelado pela nicotina mal disfarçada dele.

Mas ele foi embora.

Ela pensou que ele não havia gostado do beijo, do gosto dos seus lábios.

As noites todas depois da partida, ele dormiu rememorando aquele beijo desajeitado, o gosto daqueles lábios pequenos. Mas, disso, ela nunca soube.

Passado o tempo, ela casou com outro e foi feliz. Mas todas as noites após o beijo, ela dormiu pensando em qual sabor teria sido a pizza escolhida por ele. Seria quatro queijos, a preferida dela?

Ele nunca mais comeu pizza.

Um comentário:

Bruna Rafaella disse...

É estou vendo sempre um gostinho de quero mais no final dos seus textos...
é eu sei, terei que ficar querendo
o texto é seu e não meu, eu sei, eu sei!

ps- estava com saudades!!!

Beijo.