terça-feira, 31 de maio de 2011

Não ria de mim


Não ria de mim só por que estou sozinho.

Não ria de mim hoje, não num dia tão frio em que, quando ainda era cedo e o céu estava azul, resolvi lavar o edredon para tirar aquele cheiro de guardado, sei lá, talvez você resolvesse vir aqui dormir comigo, só mais uma vez. Queria deixar o cobertor cheiroso para você. Na verdade, queria deixá-lo cheiroso para mim mesmo, mas gosto de me enganar pensando que talvez você possa mudar de ideia, e vir aqui dormir comigo mais uma vez. Umazinha só, que fosse. Mas sei que você não viria. Sei que você não virá. Além do mais, esqueci o cobertor no varal. Choveu no fim do dia. Vou ter que dormir de calça jeans, blusa de lã e jaqueta.

Não ria de mim, vou passar frio essa noite.

Não ria de mim só por que tentei te proteger, mesmo que você nunca tenha merecido o menor esforço meu. Mesmo que você não tenha feito o menor esforço para tentar entender o meu lado.

Não ria de mim por causa das minhas fraquezas, por que eu bebo mais do que devia, por saber que não deveria beber e, mesmo assim, beber e beber e beber.

A bebida não me abandona, você me abandona.

Não ria de mim hoje, justo hoje que não tem mais vinho pra mim. Nem a música, nem o livro, nem o vinho propriamente dito.

Não ria de mim só por que eu tive coragem de dizer que te amo. Talvez você não esperasse ouvir isso de um homem, mas é verdade, eu te amo.

Não ria de mim só por que eu fui um tanto quanto ciumento, um tanto quanto possessivo. Minha insegurança teve um lado bom para você, te ajudou a se auto-afirmar, a se tornar mais seguro de si mesmo.

Não ria de mim só por que você escolheu ficar com ela.

Talvez, no seu lugar, eu também a escolhesse.

Eu já a escolhi uma vez, não deu certo, uma pena. Não só por minha culpa, embora pareça que sim. Não deu certo, culpados não vêm ao caso. Uma pena.

Quem sabe com você as coisas deem mais certo, as coisas funcionem. Não acredito muito nessa possibilidade, mas, enfim, quem sabe...

Não ria de mim só por que o juiz me autorizou chegar perto de você apenas um sábado a cada quinze dias. Eu sei que você não quer nem essa esmola que eu recebi. Não vou te forçar a isso.

Não vou te forçar a me dar a esmola da tua presença quinzenal, que o juiz julgou ser minha por direito.

Vá, meu filho, pode ir embora com a sua mãe. Sejam a família onde eu já não caibo. Que entre a felicidade na vaga que eu ocupava, eu e minhas bebidinhas.

Só não ria de mim, por favor.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Bulling


Eduardo, pai de Vinícius, conhecido entre os amiguinhos da escola como Vico, havia recém entrado no seu carro, quando, ainda no estacionamento do prédio da receita federal, onde Eduardo trabalhava, um estranho bateu no vidro para que ele o abaixasse. Ele fez descer o vidro, mas, antes mesmo de codificar a imagem daquele que estava a sua frente, a bala de um 38 negro, frio e insensível perfurou o encosto do banco do carona, percorrendo antes toda a extensão do seu crânio.

Carlos, pai de Fábio, conhecido entre os amiguinhos da escola como Binho, guardava o cortador de grama nos fundos da garagem, quando se deu conta que havia um homem atrás de si. No momento em que se virou para ver de quem se tratava, levou um soco na boca que lhe fez cuspir dois dos seus dentes. Pegou o cabo da enxada para revidar a agressão, mas antes mesmo de erguer o braço que trazia na mão a ferramenta, a bala de um 38 negro, frio e insensível adentrou pela lateral interna do seu olho esquerdo e fez dos miolos de Carlos sua derradeira morada.

Fernando, pai de Roberto, conhecido entre os amiguinhos da escola como Beto, estava em casa naquele dia. Não tinha ido trabalhar por causa de uma gripe muito forte. Como era dia de folga da empregada, ele mesmo desceu para atender a campainha impertinente que não cansava de se esgoelar. Abriu uma fresta da porta para ver do que se tratava, mas um chute seco e firme vindo do lado de lá da porta de entrada, atirou-o longe, foi parar ao lado do sofá. Pela fraqueza da gripe e tontura provocada pelo impacto do chute, não teve tempo sequer de se virar, a bala de um 38 negro, frio e insensível fez jorrar dos seus olhos lágrimas de sangue, após ter penetrado em sua cabeça pela nuca.

Ricardo, pai de Ricardo Jr., conhecido entre os amiguinhos da escola como Juninho, voltava da padaria pela rua de trás, aquela pouco iluminada, quando um soco vindo de trás acertou em cheio a sua orelha direita e o derrubou no chão. Pensou em dizer, Calma, meu amigo, pode levar tudo o que eu tenho, devo ter uns sessenta reais na carteira, não é muito, mas pode ficar com tudo, mas antes mesmo de abrir a boca, a bala de um 38 negro, frio e insensível esfarelou o seu nariz e encontrou um abrigo muito acolhedor na viscosidade da sua massa encefálica.

Marcos, pai de Maria Luíza, chamada no aconchego do seu lar de Malú, entrou em casa e sua filhinha veio correndo abraçar o pai que demorara mais do que o normal para voltar. Saudades de você, papai, disse Malú. Marcos beijou a testa da filha, passou a mão sobre seus cabelos castanhos e lisos, acariciou seu rostinho redondo, e disse com os olhos cheios de ternura, Meu amor, quando algum daqueles teus quatro amiguinhos te chamar de novo de gorducha, bolota, orca, balofa, gordinha, rolha de poço, quando te chamarem de qualquer uma destas coisas, sorria e diga assim, “daqui a pouco chega agosto, pelo menos eu tenho um pai para dar um abraço no segundo domingo do mês.”

segunda-feira, 23 de maio de 2011

E o ganhador do meu primeiro livro é...


GABRIEL FELIPE JACOMEL!!!
(o cara da foto esquisita aí de cima. Espero que você não se importe por eu tê-la usado. Qualquer coisa, só mandar um alô que eu retiro a imagem.)

Parabéns, meu caro, você é o merecido ganhador do livro mais fantástico do primeiro semestre de 2011.

Seus argumentos para ganhá-lo são justíssimos e irrefutáveis, agora você poderá ornamentar a parede da sua casa com a belíssima imagem criada pelo meu grande ídolo Mausé, além de contar com um bom passatempo para ocupar as tuas horas de reflexão intestinal.

O texto que dia desses você disse nos comentários que é o teu preferido, "As três bitucas", não está neste livro, mas certamente estará no próximo.

Espero que você goste da seleção escolhida, e que continue a aparecer por aqui para acompanhar meus devaneios criativos em forma de prosa.

Agora, só peço que você me envie um email (donmattos79@gmail.com) para que eu possa fazer a entrega do livro.

Aos demais, muitíssimo obrigado pela audiência, pelos comentários de congratulações, pelos emails de incentivo e pelas compras já realizadas deste meu primeiro livro.

Não fique triste se você não ganhou, basta comprar clicando ali do lado, e você tambem poderá receber na sua casa por míseros R$34,99 esta obra prima da literatura mundial! Se preferir, por menos de R$15,00 você pode também adquirir a versão e-book.

Voltem sempre, divulguem nos seus twitters, facebooks e afins, e, apesar de não terem ganho o livro, ganharão para todo o sempre a minha gratidão eterna. Não que isso valha muita coisa, mas pelo menos vão poder dormir com a nobre sensação de ter feito um inscipiente escritor muito feliz!

Até o próximo conto!

(PS: Nayana, deixa de ser folgada e abre essa carteira!)

terça-feira, 17 de maio de 2011

A melhor de todas as dicas do Don: MEU LIVRO!!!


Meus queridos e prezadíssimos leitores, é com imensa alegria que faço este post para lhes comunicar que já está a venda meu primeiro livro: "Sobre deus, morte, amor e outras mentiras sinceras (Contos)".

Depois de muito esperar (a promessa de lançamento era para fevereiro deste ano), finalmente meu primeiro filhinho veio ao mundo. Espero que seja o primeiro de uma família extremamente numerosa.

Não é o primeiro que escrevo, uma vez que tenho um romance pronto desde 2009, e outro em vias de conclusão, mas é o primeiro que publico e isso o torna muito especial para mim.

Ele é especial não só pelo fato de estar sendo publicado, mas também por que ele é resultado de uma série de esforços somados, de amigos valiosíssimos que contribuíram para a realização dele, seja através de atuação direta ou da simples motivação para que eu o realizasse. Por mais que eu passasse a semana inteira escrevendo, não seria tempo suficiente para demonstrar o quão grato sou por todo esse apoio.

Se você acompanha este blogue com alguma regularidade, é possível que já tenha lido boa parte dos textos que estão no livro, mas, nem por isso, você perderá a inestimável oportunidade de tê-lo na sua estante, é claro. Trata-se de uma reunião de contos publicados neste espaço, de maio à dezembro de 2010.

São 42 contos selecionados por mim, e pelos quais eu tenho um imenso carinho e orgulho de ter feito.

Além de estar orgulhoso por lançar meu primeiro livro, também fico extremamente envaidecido e honrado, pois, tive o privilégio de estampar na capa da minha primeira obra, uma gravura feita exclusivamente para esta reunião de contos pelo talentosíssimo artista plástico Mausé, que por mais que esteja habituado a receber cifras generosas e merecidas por cada uma de suas telas, me deu de presente esta imagem que eu acho linda, e que desde a quinta-feira passada trago gravada em tinta na parte interna do meu braço direito. O texto que inspirou o dioturnamente inspirado Mausé para criar esta imagem, foi o conto "Vermelho", segundo conto do livro.

Outras pessoas também merecem ser citadas, pois, não fosse a participação delas, não teria realizado este meu sonho.

Muito obrigado Maittê, a quem dedico o livro, que revisou e deu pitacos importantíssimos em cada um dos textos, fazendo com que, muitas vezes, tirando uma vírgula daqui e colocando-a ali, o texto crescesse em verdade.

Muito obrigado Alexandre Aimbiré, vulgo "Alex Bagual", grande designer responsável pela diagramação e arte-finalização do livro.

Muito obrigado Kika Cedro, que, mesmo depois de ter sofrido com minha constante antissociabilidade, ainda assim teve a generosidade de levar meu nome ao Hércules, editor da PerSe, editora pela qual o livro foi publicado.

Muito obrigado Daca, que me apresentou a Kika e que me deu um fone de ouvido fodasso de presente. Minha vida mudou depois deste fone de ouvido! Foi ouvindo os detalhes que antes passavam despercebidos nas músicas, que consegui as trilhas sonoras ideais para escrever cada um destes contos.

Muito obrigado a Cínthia Fortini, que deixou o texto "Pilar & José", do jeito que eu sempre quis que ele fosse.

E, principalmente, muito obrigado a cada um de vocês que me acompanham, que leem meus textos ainda que esporadicamente, que me seguem ali do lado, que me fazem ter vontade de escrever cada vez mais!

Espero que gostem, que se divirtam, que se emocionem, que sintam nojo, que deem risadas, que chorem, que fiquem felizes, que fiquem incomodados, que fiquem com raiva, mas que, de alguma maneira, os textos interfiram um tantinho que seja nas suas zonas de conforto, seja falando de deus, morte, amor ou qualquer outras das minhas tantas mentiras sinceras.

E, claro, principalmente, espero que vocês comprem!


Ah, o preço?

Baratinho, baratinho!

Clicando ali na imagem do topo da coluna da direita deste blogue, você irá diretamente para o site da editora PerSe, e por módicos R$34,99 receberá em uma semana o exemplar do seu mais novo livro predileto.

Você terá também a opção de comprá-lo na versão E-book, pela mixaria de R$14,61.

Seja esperto, compre os dois! Sua vida vai ser muito mais feliz depois desta compra!

Mas eu estou feliz, e quando fico feliz, fico bonzinho. Sendo assim, darei um livro de presente para um de vocês, estimados leitores. Quem tiver interesse, basta colocar um comentário neste post, tentando me convencer, me dando um motivo interessante para que seja você, e não o outro, que merece ganhar o livro.

Para concorrer, duas regrinhas básicas:

1 - Tem que deixar o comentário neste post;
2 - Tem que ser seguidor do blogue.

Preenchendo os pré-requisitos, e destilando o seu dom do Chá-lá-lá, quem sabe você não leva inteiramente grátis o maior lançamento da literatura mundial do ano de 2011! E, caso queira, vai até autografado. Digo caso queira, por que, se preferir, eu não assino e assim fica mais fácil de vender no Sebo mais perto da sua casa depois que recebê-lo.

Beijo do magro barrigudo!

domingo, 15 de maio de 2011

Auto-ajuda


Apesar de ter se tornado quase que instantaneamente um sucesso colossal de vendas, não poderia ser chamado exatamente de escritor. Autor, talvez fosse mais apropriado.

Seus três primeiros livros, “A vitória está dentro de você”, “Vencer é uma questão de querer” e “Superando os limites da própria vitória!” caíram de imediato no gosto dos leitores daquele tipo de obra. Contudo, foi no seu quarto livro que se tornou uma verdadeira celebridade da auto-ajuda. Mesmo sendo baixinho, careca, estrábico, magro, mas barrigudo, ainda assim, com o sucesso do seu quarto livro passara a ser admirado pelos homens e desejado pelas mulheres, já que viam nele alguém que era capaz não só de entender a vida e suas dificuldades, como de superá-las com a simples conjugação do verbo querer, isso tudo além de também passar a ser um homem que, notoriamente, tanto conhecia as mais íntimas necessidades femininas, quanto era capaz de dar a receita para que, qualquer homem, chegasse até elas e as satisfizessem por completo.

Quando lançou “A vitória conjugal – vencendo a dois, da cama aos negócios”, nem ele imaginava o impacto que causaria. Tornou-se o palestrante mais requisitado do país, cobrava por duas horas de discurso motivacional uma quantia indecente de reais, os quais as pessoas pagavam entusiasmadas, certas de que depois daqueles cento e vinte minutos suas vidas estariam completamente transformadas.

Quando Alice mostrou o panfleto da palestra para Fábio, seu marido, ele caiu na gargalhada. Nosso negócio está uma maravilha, Alice, nunca nossa padaria esteve tão bem, o que você quer com uma palestra dessas? Os negócios vão uma maravilha, Fábio, não a nossa vida, não o nosso casamento... Não a nossa intimidade.

Fábio gelou, ficou em silêncio olhando-a assustado.

Ambos sabiam que, mesmo com o grande sucesso que tinham nos negócios, na intimidade eram um fracasso retumbante. Por mais que amasse o marido, ele nunca fora capaz de satisfazê-la na cama. Não bastasse o fato de Fábio ter vindo ao mundo com o seu membro ostentando proporções bastante acanhadas, diminutas, o coitado ainda sofria de ejaculação precoce. Bastava sua esposa tirar a roupa, deitar-se ao lado dele, que no terceiro ou quarto beijo, antes mesmo de ensaiar uma leve penetração que, dadas as dimensões reservadas de Fábio, não haveria jeito de ser muito profunda, o lençol da cama do casal já exibia a mancha melada de mais um insucesso do pobre cônjuge.

Contudo, nunca conversaram abertamente sobre o assunto. Dada a educação cristã extremamente conservadora que tiveram, ficavam encabulados a cada nova tentativa, ela beijava a testa do marido com ar de resignada compreensão, e ligavam a televisão para esperar o sono juntar-se a eles na cama king size. Fábio tentava compensar sua incapacidade sexual com toda espécie de agrados, enchia a mulher de mimos e presentes dos mais variados preços. Excetuando-se o desempenho enquanto amante, era de fato um marido exemplar. Alice procurava relevar sua frustração sexual, substituindo o desejo ardente que sentia todas as noites pelo carinho terno que recebia do marido. Era um bom homem, oras, sexo não é tão importante assim, tentava iludir a si mesma.

Alice já tinha ouvido falar no tal palestrante milagroso, algumas amigas suas tinham depoimentos calorosos sobre como suas vidas conjugais haviam mudado da água para o vinho após a palestra do guru do sucesso infalível. Quando viu o panfleto da palestra no pára-brisa do seu carro, não hesitou nem um segundo. Por mais constrangedor que fosse admitir a ineficiência sexual do marido, precisavam dar um jeito naquilo. Eram muito jovens ainda para aceitarem tão passivamente aquela situação. Não era justo que até a mocreia da Fernanda soubesse o que é um orgasmo, e ela, que além de muito competente profissionalmente era também linda, nunca tivesse experimentado a tal descarga de energia que deixa as pernas bambas de saciedade. Já que Fábio recusava-se a ir procurar um médico, que resolvesse seu problema apelando para o psicológico-motivacional.

Mesmo que a contragosto, Fábio aceitou ir a tal palestra e, a cada nova frase de impacto que o palestrante dizia, com uma entonação tão contundente que tornava o óbvio em espetacular, os olhos do casal brilhavam como se estivessem escutando a grande revelação das suas vidas.

A certa altura da palestra, as luzes do auditório foram diminuídas, uma música erótica começou a tocar no recinto e, no telão onde o palestrante exibia os slides em PowerPoint da sua apresentação, imagens sensuais surgiram diante do público atônito e excitado. Mulheres com roupas sensuais, homens másculos e fortes tirando a camisa, lingeries, jantares a luz de velas, rosas vermelhas, taças com vinhos apetitosos. Alice sentiu um calor úmido entre as pernas, Fábio sentiu-se capaz de satisfazer a mais insaciável das mulheres. Com o auditório ainda a meia luz, Fábio pegou na mão da esposa e disse baixinho, ao pé do ouvido, Hoje vai ser diferente...Gostosa!

Alice gelou! Dadas as consecutivas falhas do marido, ele nunca ousara provocá-la daquele jeito, nunca a havia chamado de “Gostosa”. Ficou com vontade de erguer o vestido e sentar no colo do seu amado ali mesmo, na frente de todo mundo, mas controlou seus impulsos para o pós-palestra, para quando chegassem em casa.

Na saída do hotel onde havia sido realizada a palestra, Fábio posicionou-se para abrir a porta do carro para Alice. Desde os tempos de namoro que ele não abria a porta do carro. Antes de abri-la, contudo, Fábio empurrou a esposa contra a lateral do carro e beijou-lhe na boca, com uma vontade, uma volúpia que, nem nos tempos de namoro, ele havia demonstrado. Escorregou a mão pelo corpo da mulher, e apertou-lhe a bunda com vontade. Ela adorou!

Vamos logo pra casa, disse Alice, Não, respondeu Fábio, hoje nós não vamos para casa. Alice ferveu. Foram à melhor suíte do melhor motel da cidade, entraram no quarto se beijando com vontade, com força, Fábio percorria com as mãos cada menor pedacinho do corpo lindo de Alice. Pegou a mulher nos braços e levou-a à cama redonda, ela ficou deitada se admirando no espelho do teto, enquanto ele abria a garrafa de champagne. Serviu a esposa, colocou sua taça na mesa de vidro no centro do quarto e começou a desabotoar devagar a sua camisa, fazendo uma espécie de strip-tease desajeitado para a esposa que assistia a tudo maravilhada.

Aproximou-se de joelhos da esposa deitada, beijou-lhe as canelas, foi erguendo o vestido devagar, beijou-lhe as coxas, tirou devagar a calcinha da esposa e, pela primeira vez desde que haviam se casado, há mais de dez anos, experimentou nos lábios o sabor mais recluso e intenso da sua esposa. Ela contorcia-se de prazer, por que demoraram tanto para ir àquela palestra, pensava enquanto apertava os lençóis com ambas as mãos ao ver o marido entre suas coxas.

Fábio tirou toda a roupa da esposa e, muito lentamente, derramou champagne sobre os seios da mulher amada, para depois, com a língua, beber lentamente a bebida que naquela pele perfeita, ficava muito mais saborosa do que na taça de cristal.

Alice trocou de posição com o marido, ele agora deitado, ela sentada em cima dele, de olhos fechados, movia os quadris lentamente enquanto apertava os seios ainda úmidos de champagne e saliva. Fábio estava maravilhado, ora olhava para a esposa, ora para o espelho do teto, experimentando aquela visão tão linda sob uma nova perspectiva.

Na intenção de retribuir as carícias iniciais do marido, foi até os pés da cama e começou a beijar-lhe devagar, a partir dos pés, subindo pelas pernas, desabotoou lentamente a calça de Fábio e, no exato momento em que posicionou-se para tirar a cueca do homem amado, ele, mais uma vez, não teve forças para conter sua disfunção sexual e seu pequeno membro lambuzou todo o tecido da cueca ainda vestida.

Alice levantou-se com os olhos marejados e trancou-se no banheiro do quarto do motel. Do outro lado da porta, Fábio pedia-lhe desculpas morrendo de vergonha, tentou de fato tornar-se o amante que a esposa tanto desejava ter em seus lençóis, mas seu problema era orgânico, até que tentava, mas não tinha domínio sobre ele.

Ela ligou o chuveiro e sentou-se encolhida no chão, na espera que aquela água levasse, além da imensa frustração, o calor que não arrefecia no seu corpo. Chorando e fervendo com os braços abraçando as pernas encolhidas, resolveu levantar-se, tomar o banho direito e poderem, depois de mais uma tentativa frustrada, voltarem para casa. Pegou o sabonete e passou a se alisar. O calor não passava. Lavou os seios com mais demora do que lavava habitualmente, o sabonete deixava aquela fina película cremosa na pele, aquilo era bom, muito bom. O calor não passava. Desceu o sabonete às coxas, sem pressa, e num resvalo, tocou-se de um jeito que nunca havia feito. Sua mãe convenceu-a desde muito pequena que fazer aquilo era pecado, pecado mortal. Como é bom o pecado, pensava enquanto descobria os movimentos certos a serem feitos, Meu Deus, como é bom esse pecado, e acelerava os movimentos, e o calor não passava. Apoiou-se com a mão esquerda numa das paredes, e com a direita aumentava a freqüência dos movimentos circulares que fazia com dois dos seus dedos.

Sentado e chorando do outro lado da porta, como uma criança arrependida por ter feito algo muito errado, mas que não tinha condições de fazer diferente, de repente Fábio ouviu a mulher gritar na parte de dentro do banheiro. Ficou preocupado, ela poderia ter caído, poderia ter feito uma besteira qualquer. Com um chute, colocou a porta do banheiro abaixo e viu a mulher sentada no chão do banheiro, sorrindo um sorriso diferente, com os olhos fechados. Alice levantou devagar os olhos na direção do marido assustado, sorriu e disse, Ai, ai, Fábio, eu te amo!

Ele não entendeu nada, mas, a partir daquele dia, ainda que jamais tivesse conseguido manter uma ereção por mais de alguns mínimos minutos, a vida deles melhorou muito, além de bem sucedidos profissionalmente, Alice já não parecia descontente com a intimidade do casal.

Quando uma amiga perguntou a Alice se tinha gostado da palestra, ela sorriu e respondeu realizada, É, por mais que desmereçam, sou obrigada a concordar, auto-ajuda funciona mesmo!

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Saudades dela


06:00, toca o despertador, ele olha para o aparelho com raiva por ter interrompido o sono que custou tanto para chegar. Sentiu saudades dela. Lamentou não estar com dor de garganta, com uma crise de sinusite, com uma febre, uma diarreia, o que fosse, mas que fosse suficiente para justificar a falta no trabalho. Sentiu saudades dela. Foda-se, disse para si mesmo, virou para o lado e voltou a dormir. Antes, claro, estraçalhou o despertador na parede. Rolou na cama por mais cinco minutos, depois levantou preocupado com os gatos, vá que um deles cortasse as patinhas nos cacos do despertador estilhaçado. Gatos são espertos, malandros, sabem se mover em áreas perigosas com bastante cuidado, com leveza, mas até eles andam com passos sonolentos as 06:00 da manhã. 06:05, que seja. Recolheu os cacos, jogou-os no lixo do banheiro. Sentiu saudades dela. Abriu a geladeira, nada pra comer. Sentiu saudades dela. Mas tinha cigarro e uma cerveja. Sentiu saudades dela. Cerveja tem trigo, trigo é cereal, praticamente um sucrilhos, disse para si mesmo. Sentiu saudades dela. Acendeu o cigarro. Sentiu saudades dela. Abriu a cerveja. Sentiu saudades dela. Voltou para a cama com a cerveja nas mãos e o cigarro entre os lábios, antes, passou na mesa da sala e pegou o pacote de amendoim que ainda abrigava um terço do seu conteúdo, abandonado por ele na metade do segundo bloco do Jô Soares. Sentiu saudades dela. Que espécie de mentecapto abandona alguém como ela?, pergunta para si mesmo enquanto tentava, em vão, fazer círculos com a fumaça do cigarro. Engasgou-se com a fumaça, cuspiu um gole de cerveja em cima do edredon encardido, a espera de um banho há quase três invernos. Sentiu saudades dela. Pegou o controle remoto na cabeceira da cama, ligou a televisão e ficou vendo uma receita de doce de leite com côco no Globo Rural. Uma tiazinha feia e gorda com sotaque do interior paulista era quem dava as dicas de culinária. Sentiu saudades dela. Bem que eu poderia enfartar agora, fulminantemente, pensou enquanto dava mais uma tragada, depois de parar de tossir pela tentativa frustrada de imitar os círculos de fumaça que a Juliette Lewis fazia com tanta facilidade em Natural Born Killers. Ficou pensando no que diria no trabalho, já que estava decidido que, aquele dia, não sairia de casa. Sentiu saudades dela. Cigarro é um assassino de merda, se pilotasse na fórmula um chegaria depois do Rubinho, pensou enquanto acendia outro. Sentiu saudades dela. Bem que eu poderia ter uma arma. Sentiu saudades dela. Mas acho que se pular da janela, até que dá para morrer. Se bem que, do quarto andar, o mais provável é que o máximo que eu consiga seja uma cadeira de rodas. Sentiu saudades dela. Televisão de merda, o único programa que presta só começa daqui a cinco horas. Bem que poderia ter um canal que passasse Os Simpsons 24 horas por dia. Sentiu saudades dela. Lembrou da janela dos fundos do apartamento, havia uma obra ali, com um pouquinho de coordenação, poderia pular em cima dos vergalhões de aço apontados para o céu. Com certeza, caindo do quarto andar eles vão me atravessar, ainda que não morra na hora, uma hemorragia interna qualquer pode resolver o meu problema, tétano, que seja, mas acho que pulando ali eu não escapo. Sentiu saudades dela. Vou pular pelado, deve dar um pouco mais de dramaticidade, pensou enquanto conferia quantos cigarros ainda tinha no maço. Sentiu saudades dela. Como pude perdê-la? Como pude ser tão descuidado a ponto de ela partir com outro, com um qualquer? Acendeu os dois últimos cigarros ao mesmo tempo. Virou o resto de cerveja que ainda tinha no fundo da garrafa verde. Adoro as holandesas, pensou e deu um arroto de volume suficiente para aposentar os despertadores de todos os vizinhos do prédio. Sentiu saudades dela. Levantou-se, tirou a roupa, olhou-se no espelho e disse observando a imagem refletida, Essa barriga não vai fazer falta pra muita gente. Sentiu saudades dela. Começou a chorar convulsivamente, como uma criança, como um bebê com fome, um bebê com cólicas assassinas. Sentiu saudades dela. Assoou o nariz. Sentiu saudades dela. Caminhou até a janela dos fundos. Sentiu saudades dela. Com alguma dificuldade, apoiou a mão na beirada da janela e conseguiu ficar em pé sentindo o ar gelado da manhã no seu corpo nu. Sentiu saudades dela. Olhou pra baixo e sorriu. Sentiu saudades dela. Não vou escapar. Sentiu saudades dela. Melhor assim. Sentiu saudades dela. Olhou para o alto, o céu estava azul apesar da chuvinha fina. Sentiu saudades dela. Respirou fundo. Sentiu saudades dela. Soltou uma mão. Sentiu saudades dela. Soltou a outra. Sentiu saudades dela. Brincava de se equilibrar somente com os pés na janela aberta. Sentiu saudades dela. O telefone tocou, deveria ser notícias dela, ficou eufórico, Ela vai voltar, ela vai me perdoar, gritou sorrindo, mesmo sem saber se era para isso mesmo que o telefone o requisitava. Quando tentou segurar com uma das mãos na beira da janela para voltar ao interior do quarto e atender o telefonema que, se deus quisesse, traria notícias dela, escorregou e despencou do quarto andar. Caiu de costas em cima dos vergalhões de ferro. Não foi necessária a hemorragia, tampouco o tétano, um dos vergalhões transpassou-lhe o coração, a morte foi praticamente instantânea.

De fato, o telefonema trazia notícias dela.

Era da delegacia, haviam encontrado sua Harley Davidson Softail Deluxe que ele tanto amava, que ele economizou a vida inteira para poder comprar, e que, por preguiça, resolveu deixá-la uns minutinhos em frente ao prédio, e quando voltou para guardá-la na garagem coberta, algum filho de uma safada de uma puta desgraçada a havia roubado. Não via sentido viver sem sua Harley. Toda a sua vida foi dedicada em poder comprá-la, e, quando pode, descuidou-se da sua amada motocicleta por alguns minutos, suficientes, contudo, para perdê-la. Não se perdoava. Não viveria sem sua Harley.

Mas poderia ter vivido ainda muitos anos ao lado dela, o ladrão a abandonou poucos quilômetros depois do prédio, tão logo a gasolina acabara.

Entretanto, agora ele morreu, e a bela Softail Deluxe ficou viúva.

Agora, quem sente saudades é ela. Sente muita saudades dele, tadinha, pois sabia o quanto ele a amava. Outro jamais a amaria com tamanha intensidade.

Por que, talvez você não saiba, motos são motos, Harley’s, não. Harley’s são diferentes.

Harley’s têm sentimentos.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Almas Gêmeas


As almas têm uma paciência que beira o infinito, mas, uma hora, até elas cansam.

Mas não havia o que discutir, eram almas gêmeas, disso ambos sabiam bem.

Na primeira das encarnações, ela nascera princesa e ele plebeu. O pai dela, rei de um império gigantesco, além da lonjura que os olhos conseguiam alcançar, havia prometido a filha ao primeiro príncipe que conseguisse derrotar o dragão que habitava o fosso em frente ao castelo do seu reinado. Teria que ser um homem bravo, corajoso, que para ser merecedor do coração de sua única filha e, consequentemente, herdeiro de todo o seu império, deveria confrontar o temível dragão, matá-lo e, aí sim, teria a benção do rei e a mão de sua filha.

Nessas épocas, eles já namoravam as escondidas. Ele, assistente do almoxarifado do castelo, tivera o privilégio de cativar a princesa num dos tantos banhos de sol que ela tomava todos os dias ao lado da vigília preguiçosa das suas criadas. Num destes passeios, ela o viu e apaixonou-se pelo plebeu. Desde então, passaram a se encontrar e namorar as escondidas. A princesa, sabedora de que seu pai jamais aceitaria que se casasse com um plebeu, propôs a ele que fugissem para longe, além das divisas do império do rei, e ainda que vivessem na pobreza, que pudessem envelhecer um ao lado do outro. Ele disse que não, prometeu fazer por merecer a mão da princesa, disse que faria o que fosse preciso, mas ficaria com ela somente com a benção do rei.

Depois de mais de uma dúzia de pretendentes mortos nas garras do dragão, eis que ele, o plebeu, resolveu desafiar a fera pelo amor de sua princesa adorada. O rei achou divertido, e aceitou que ele enfrentasse o dragão. A luta foi ferrenha, e por alguns instantes ele deu sinais de que conseguiria derrotar o monstro feroz, contudo, quando percebeu que o dragão começava a dar sinais de cansaço, olhou para a princesa que assistia a tudo do alto da torre onde vivia na companhia de suas inúmeras criadas, e quando foi acenar para a sua amada indicando que a vitória estava prestes a vir, o dragão revidou e engoliu-o de uma só vez. Contudo, acabou engasgando com o plebeu e, no fim do embate, ambos morreram. Um asfixiado, o outro no suco gástrico do primeiro. Por conseqüência da fatalidade, o próximo pretendente da fila, um príncipe muito feio e com péssimo hálito de terras distantes, acabou levando a princesa por W.O. Ela não foi feliz ao lado do príncipe que lhe restara, mas aceitou resignada a sina que lhe coube.

Na encarnação seguinte, ele veio como um monge do alto clero, ela, por sua vez, como plebeia. Em meio a balbúrdia causada pela sagrada inquisição, mais uma vez ela propôs que ambos fugissem para viverem o amor que lhes estava destinado. Mais uma vez, ele disse que não.

Conversaria com seus superiores, e pediria para que lhe concedessem o direito de abandonar a batina e poder viver sua vida ao lado da mulher que amava, sob os preceitos determinados nas sagradas escrituras.

Sua solicitação não só foi negada, como acabaram condenando a pobre plebeia as fogueiras da santa inquisição, acusando-a de ter enfeitiçado o sacerdote com seus dons bruxólicos.

Ele terminou seus dias enclausurado num monastério em penitência eterna, ela virou carvão.

Na terceira encarnação em que seus caminhos se cruzaram, tudo levava a crer que agora poderiam enfim viver o grande amor ansiado há tantos séculos. Ela, filha de um importante fazendeiro norte-americano, ele, aspirante a operador da bolsa de valores de Nova Iorque. Isso no finzinho de 1928. As famílias aceitaram bem a união de ambos, ela tinha um belo dote, e ele parecia um jovem com futuro profissional bastante promissor.

Contudo, foi quando convenceu o pai da sua jovem noiva a investir todo o seu dinheiro em ações, que veio a grande crise que quebrou a bolsa de valores de Nova Iorque. Sem coragem para contar ao sogro que o havia levado a falência, atirou-se do alto de um edifício e, mais uma vez, adiou a vida de amor e felicidades ao lado da sua alma gêmea.

Na quarta vez em que suas almas se encontraram, nada parecia capaz de atrapalhar aquele amor tão lindo. Ele disse a ela que queria trocar alianças na virada do ano, em alto mar. Ela tentou lhe alertar, pediu para que não fosse assim, ela morria de medo de água, e não estava com um bom pressentimento, o mar andava agitado por aqueles dias. Mas ele era persuasivo, se uma encarnação atrás conseguiu convencer um experiente fazendeiro a investir toda a sua fortuna no mercado de ações, não seria agora que teria dificuldade para convencer sua futura esposa a celebrarem o noivado em alto mar.

No dia 31 de dezembro de 1988 embarcaram no Bateau Mouche, e enquanto os fogos espocavam no céu de Copacabana, ambos naufragaram junto com a imponente embarcação.

Eis que, na quinta vez em que suas almas se cruzaram, ele tocava violão num trio de forró que agitava as noites da Lagoa da Conceição. Ela recém tinha entrado na aula de dança, e foi com a turma pela primeira vez à gafieira mais famosa da cidade. Dançou com um, dançou com outro, com mais outro, e, desde o momento em que ela adentrada no salão vestindo uma saia rodada branca e sapatilhas típicas de quem vai para dançar a noite inteira, ele não tirou os olhos da pequena. Estava encantado.

No fim da noite, ele pegou o microfone e dedicou a última música à ela, e dedilhou no violão o refrão da música da banda mais famosa do momento: “Eu quero viver mais uns cem anos / Pra reparar os danos / E um dia te encontrar por aí / Deixa eu fazer parte dos teus planos / Pra consertar enganos / É que eu estou aqui”.

Terminada a música ele se aproximou da sua amada alma gêmea, pegou sua mão pequena e disse, Dança uma comigo?

Ela olhou no fundo dos olhos do violeiro apaixonado, e respondeu, Ah, vá se foder!

Meses mais tarde ela casou com o zabumbeiro do trio de forró e viveu feliz para sempre.

Ele envelheceu cantando os maiores hits do sertanejo universitário em barzinhos de baixa audiência, como se cada uma daquelas letras de corno tivessem sido escritas em sua única e exclusiva homenagem.

terça-feira, 10 de maio de 2011

O Índio da lua cheia


Amaldiçoados sejam os sites de compra coletiva, não fossem eles, jamais teriam passado um final de semana como aquele, todo ele inteiro num hotel de frente para o mar, em plena temporada numa praia linda. E, mesmo que o hotel estivesse repleto de argentinos e do péssimo hábito que parece congênito aos hermanos de falar num volume excessivo, como se todos os que estão ao seu lado fossem surdos, mesmo assim a companhia de um fazia o outro esquecer do ruído portenho e sentir somente o prazer que reciprocamente proporcionavam-se.

Não bastasse o hotel, havia a lua cheia, exagerada como uma pintura brega, de tão perfeita. Mas ela estava lá, gorda e orgulhosa da sua imagem espelhada no mar tranqüilo da noite quente. O restaurante servia uma janta ótima, mesmo que eles tenham decido tarde e pego já o final do jantar, ainda assim a comida estava ótima.

Para fugir do barulho irritante dos gringos e suas crianças que, mesmo com a noite já alta e imponente ainda corriam ao redor da piscina, retiraram-se ao deck em frente ao hotel, onde luminárias abaloadas, estilo japonês, tentavam em vão competir com o clarão da lua e seu reflexo derramado no oceano.

Aquilo era o mais próximo do amor que ele viria a sentir. Ela não.

Não bastava para ele a lua, o mar e ela, precisava ainda da cerveja. Sentia falta também do cigarro, seria perfeito, mas sabia que ela não gostava daquele hábito catinguento, e preferia saber que ela estava feliz ao seu lado, do que ir atrás do imenso prazer que uma boa baforada lhe daria. A companhia dela era prazer maior, inigualável.

Mas, para tentar fugir da vontade orgânica que a nicotina impregnada na sua corrente sanguínea impunha impiedosa, abandonava-a de tempos em tempos para ir até o bar buscar uma nova cerveja.

A cada saída, ela sentia mais e mais forte um cheiro de tabaco e perfume amadeirado. Em princípio, chegou a pensar que ele saía para fumar escondido, mas não demorou para perceber que aquele cheiro não era do cigarro que ele fumava. Era um cheiro mais forte, mais puro, mais virgem, cheiro que, embora soubesse que se tratava de cheiro de cigarro, não poderia ser de cigarro comum. Era uma espécie de cheiro antepassado, um cigarro antigo, marcante.

Quando ele disse que sairia para buscar outra cerveja, mas antes passaria no banheiro para atender as solicitações orgânicas impostas depois de tanto álcool, o cheiro de tabaco e perfume apareceu ao seu lado, marcante, presente. Em outras circunstâncias ela teria se assustado, mas ele era tão lindo que não teve como conter o encantamento.

Quando ele voltou com a nova garrafa de cerveja nas mãos, por mais que a procurasse, não a encontrou.

Nenhum dos funcionários do hotel a tinham visto, e falavam que não havia por que acionar a polícia, uma vez que ela estava ali há poucos minutos, deveria ter ido dar uma caminhada na praia, já, já estaria de volta.

Desesperado que estava, viu-se obrigado a acender um cigarro para tentar acalmar sua angústia. Ela não sairia assim, justo numa noite tão especial, justo quando a despeito das intermináveis dívidas que lhes corroia o sono de todo dia, haviam conseguido se retirar para um final de semana romântico num lugar distante de todos e de tudo. Era o final de semana só deles, ela não sumiria assim, do nada.

Quando a lua retirava-se discreta para que o sol viesse cumprir seu turno, ele acendia o penúltimo cigarro da terceira carteira que fumara na angústia da espera, e foi neste momento que a viu caminhando com passos lentos em direção ao deck do hotel. Vinha pela praia, deixando que a água gelada do mar acariciasse seus pés lindos, que ele tanto amava, mesmo quando ela usava aquela sapatilha que dava um chulé pior do que o cheiro do pior dos cigarros. Mesmo assim, ele os amava.

Ele correu para abraçá-la, ela o repeliu.

Com um olhar frio e distante, disse a ele que estava tudo acabado. Que poderia voltar, ela ficaria por lá. Ele quis saber por quê, mas não havia muito o que ser dito, ela só não queria mais estar ao lado dele, não parecia coisa válida a ser feita com as horas que ainda tinha para viver. Preferia passar o resto da vida sofrendo por não encontrar nunca mais aquele cheiro de tabaco e perfume amadeirado, do que tentar se consolar ao lado de um homem que não lhe parecia bastante.

Ele, o outro, tinha um nome estranho, ela não conseguia se lembrar, mas do resto, não esquecia. E fora tanta coisa vivida em tão poucas horas nos braços daquele desconhecido, que sequer seria capaz de descrever. Mas, do estranho, não disse nada. Apenas falou que já não o amava, e não via razão para continuar ao lado dele.

Ele voltou para a cidade de onde saíra com ela, sem ela. Jamais entendeu o que sucedera na noite do fim de semana que deveria ser o melhor das suas vidas até então.

Voltou sem entender, por que numa das tantas vezes em que fora buscar cerveja, não deu atenção para a história que um dos garçons contava para os turistas argentinos, de que ali, naquele terreno onde estava edificado o hotel, há muito tempo atrás existiu uma aldeia indígena e, segundo a lenda, o principal guerreiro da tribo era também o grande conquistador, mas, por mais mulheres que tivesse a sua disposição, era apenas uma a quem ele realmente amava. Eis que, justamente esta, apaixonara-se por um outro índio, de uma tribo vizinha, que ainda que não fosse rival, não era exatamente amistosa na convivência com a primeira. Ao perder sua amada para o índio vizinho, que para piorar a situação do índio apaixonado nem guerreiro era, pelo contrário, era um índio ocioso, ébrio, que passava as noites bebendo e fumando toda a espécie de vícios disponíveis à época, o índio guerreiro passou a conquistar toda mulher distante que aparecesse diante dele, fazia com que ela se apaixonasse por seu porte másculo e atlético de guerreiro, que se inebriasse com seu cheiro de tabaco indígena e outras essências aromáticas que as índias velhas faziam com cascas de árvores da região, e, tendo perdido a mulher que amava para um vizinho, tiraria de todo o forasteiro que passasse por perto de sua aldeia a mulher que por ventura amassem. Dizia o garçom que, segundo os pescadores da região, ainda nos dias de hoje, nas noites de lua cheia, o índio abandonado aparece justamente para as mulheres cujos companheiros descuidavam-se delas para dar atenção a qualquer espécie de vício.

Mas ele não deu atenção à história, e foi embora sem sua amada e sem entender o que ocorrera naquele final de semana que deveria ter sido perfeito.

Fato é, que, desde então, a cada nova lua cheia, ele contorce-se de náuseas e enjoos, dado o cheiro forte de fumo antigo que toma o ar que respira, como uma praga, e não há jeito de fazer o cheiro ir embora, o único remédio é esperar a lua virar.

Ela, por sua vez, abandonou o cargo de gerência que ocupava na cidade, e conseguiu, depois de muito apelo, um trabalho subalterno qualquer no mesmo hotel.

Embora jamais tenha tornado a ver aquele homem que alterara para sempre a rota da sua vida, todas as noites de lua cheia arrumava-se, perfumava-se, fazia de tudo para estar mais linda do que jamais havia estado e ficava no mesmo deck onde o havia encontrado pela primeira e única vez.

E, mesmo sem jamais tendo o encontrado novamente, o cheiro forte de tabaco e perfume amadeirado que as ondas do mar traziam a cada noite de lua cheia, cheiro do homem que jamais voltaria a ter, era melhor do que a presença do homem que, caso ela quisesse, estaria imediatamente ao seu lado.

sábado, 7 de maio de 2011

"União homo-afetiva é coisa de bicha!"


Às vezes morro de vergonha de pertencer à espécie humana.

Já escrevi algumas vezes que sou antissocial, que prefiro a companhia dos meus três gatos do que da maior parte dos exemplares homo sapiens que rodeiam meu cotidiano, mas mesmo alimentando esse rancorzinha contra a minha matilha, às vezes me acostumo, e quase me torno simpático. Quase.

Contudo, entretanto, porém e todavia, vez ou outra, esta espécie a qual pertenço faz questão de renovar meus laços de insatisfação com ela através de alguma atitude camuflada sob a égide da civilidade, mas que na verdade não passa de regurgitar nossos valores que, a despeito dos avanços tecnológicos, ainda são neardenthais.

É raro abrir mão dos meus contos para mandar um texto opinativo, mas esta semana não deu para fugir. Tentei, mas o mundo insistiu e eu vou abrir esta exceção. É raro também eu publicar algo no sábado, procuro sempre ater-me as segundas, quartas e sextas, mas ontem entrei de férias e, desde ontem as 18:00, meu ritmo mudou, desacelerou, até o fim de maio vou publicar quando der na telha, se tiver posts diários, eles serão diários, se só escrever mais um até o fim do mês, talvez este seja o último e o próximo venha só na primeira segunda de junho. Voltemos ao texto.

No início da semana estava com um texto quase pronto sobre a morte do Osama, mas gente melhor habilitada para argumentações geo-políticas do que eu, o fizeram e fizeram muito bem, gente como meu grande amigo Jean Mafra, leia aqui.

A morte de Osama virou uma espécie de malhação do Judas moderno. Não sei se aí na sua cidade existe isso, mas aqui na terra que me pariu, com seus ranços da colonização açoriana, toda santa quinta-feira santa, faz-se farra do boi, uma barbárie onde um amontoado de débeis-mentais (no sentido pejorativo da expressão, não no da doença de fato) acuam um pobre boi, perseguindo-o pelas ruas dos bairros do interior, maltratando-o até matá-lo de cansaço e agressões. Depois disso, voltam para suas casas para arrumarem-se para a missa de sexta-feira santa, comerem canjica e peixe, por que comer carne vermelha na sexta-feira santa é pecado.

Além disso, malha-se o Judas. Aquele que traiu o magrão cabeludo e de barba com cara de cantor inglês, é personificado num boneco de pano, pendurado no poste, e vários dos mesmos débeis-mentais revezam-se em desferir pauladas e golpes no boneco Judas de pano, até que por fim ateiam fogo no pobrezinho e, finalmente, vingam a morte do nosso senhor Jesus Cristo, filho mais velho de deus. Ah, como é lindo ter a prova de que, sim, deus é amor! Aqueles que são sua imagem e semelhança que o digam.

O mundo todo se tornou açoriano e vibrou eufórico com a malhação do Judas afegão. Não entendo por que cargas d’água o senhor Obama abriu mão de fazer a diferença de verdade na condenada postura imperialista norte-americana, mostrando ao mundo que podemos ser melhores do que aqueles que não nos deram opção, e ao invés de capturar o maior terrorista de todos os tempos e levá-lo a julgamento, optou por executá-lo sumariamente como um justiceiro que quer limpar a sujeira com as próprias mãos. As próprias, não, as de terceiros, mas a ordem partiu dele. Não defendo Osama, ataco Obama. Condenamos Bin-Laden por suas atrocidades com mais atrocidade. No fim da conta, entre um e outro só muda uma consoante, nada de muito diferente. Na verdade, entendo sim por que ele fez isso, ano que vem tem eleições, e agora está garantido mais quatro anos de moradia grátis na Casa Branca. Ao invés de agir com justiça e inteligência, provando ao mundo que somos diferentes de terroristas, fomos terroristas também e, mais do que isso, provavelmente depois deste assassinato pop-star, foi deflagrada a maior crise entre ocidente e oriente de todos os tempos, as semanas vindouras nos mostrarão o impacto desta atitude.

Mas não é disso que eu quero falar, disso o Jean já falou melhor do que eu. Disso e do papa santo. O papa ainda é pop! O antigo, o santo, não este que aí está que tem cara de mau.

Toda essa divagação é para falar da lei aprovada ontem, que me mata de vergonha: a aprovação da “União Homo-afetiva”. Calma, calma, calma, deixa eu continuar.

O que me mata de vergonha é que, em pleno 2011, ainda estejamos discutindo um assunto como este, é ridículo! Uma prova linda da nossa estupidez hipócrita!

A lei, que deveria garantir direitos iguais a todos, exclui da proteção das suas asas pessoas que optam por uma orientação sexual diferente daquela escolhida pelos senhores (será?) que, há dois séculos, escreveram nossas constituições.

É sério, eu fico assustado quando penso que isso é discutido, que algumas pessoas revoltam-se contra a decisão tomada. Caralho, estas pessoas, tão pessoas quanto eu, você, ele, ela, você e ele, você e ela, ele e ele, ela e ela, merecem respeito. O que fazem nas suas vidas privadas não pode servir de argumento para cercear seus direitos civis.

Preâmbulo da nossa constituição federal vigente:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

E lá nas entrelinhas, nas letrinhas pequenas que ninguém lê, deve estar escrito:

“Desde que você não de ré no quibe ou cole o velcro!”

Artigo terceiro, inciso primeiro:

“I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;”

Entrelinhas: “Desde que você não morda a fronha!”

Artigo terceiro, inciso quarto:

“IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

NÃO PODE HAVER ENTRELINHAS!

Gente é gente, não interessa o que ela faz na cama! Não interessa com quem ela faz na cama!

Se o Brasil fosse um país sério, deveria pagar indenizações milionárias a toda e qualquer pessoa homossexual que alguma vez tentou valer-se dos benefícios que a constituição diz assegurar aos por ela protegidos, mas que foram impedidos em função da sua opção sexual!

Mas este não é um país sério, e os puritanos malhadores de bois e Judas, justiceiros matadores de Osamas, alegam que esta não é a vontade de deus, que não foi para isso que deus criou o homem e a mulher.

Artigo cinco, inciso sexto:

“VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”

E se minha religião não tiver nada contra a união de pessoas do mesmo sexo, a lei me garante o direito ao casamento civil? Qual lei vale mais? E seu eu for ateu, também tenho direito a lei?

Porra, o filho do homem, como todos sabemos, morreu solteiro aos 33 cercado por doze amiguinhos que o seguiam aonde quer que ele fosse! E se Jesus fosse gay? E se Jesus FOR gay? Qual o problema? Talvez, neste caso, a maior parte das pessoas passem a achar justa a sua crucificação.

Uma amiga minha, que já pegou mais mulher do que eu e todos os meus amigos héteros juntos, me disse essa semana: “União homo-afetiva é coisa de bicha! Gay quer é casar! Queremos ser marido e marido, mulher e mulher, e não homo-afetivo e home-afetivo! Sou cidadã, quero ser tratada como uma!”

O supremo tribunal decretou que, agora, gays também podem ser tratados como cidadãos. Grande avanço! Atrasado, tardio, neardenthal, mas não deixa de ser um avanço. Algo como ganhar um walkmann, quando o seu sobrinho já tem há tempos um MP5 e o considera obsoleto. Mas, não deixa de ser um avanço.

Mas estamos no Brasil, e este não é um país sério. Aliás, não existem países sérios.

No fim das contas, sejamos nós gays ou não, todo mundo acaba tomando no rabo.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Ao lado do lado vazio da cama


Desculpe não ter te abraçado na última noite, é que eu estava bêbado demais.

Não que eu não quisesse, mas estava muito bêbado.

Bêbado como estou agora.

E, quando bêbado, não consigo virar para o lado. Tenho que ficar olhando para cima, pra ver se o mundo pára de girar. Você não vai lembrar, mas, na noite da tequila, você também dormiu de barriga pra cima.

Mas, mesmo bêbado, me odiei profundamente. Diferente de você quando fica bêbada, eu me lembro de cada coisa que faço, quando alcoolizado. Até por isso, não faço nada errado quando fico bêbado. Meus erros, que sabemos, não são poucos, são todos sóbrios. Talvez seja por isso que tenha vivido os últimos meses a base de cerveja, para evitar cometer os mesmos velhos erros.

Claro, te fazer passar vergonha quando ficava bêbado, é algo muito errado, mas digamos que nada que eu tenha feito enquanto bêbado, tenha ferido o dia mais lindo da minha vida, o único em que jurei algo que realmente tive vontade de cumprir, embora não tenha cumprido.

Mas quando te vi, horas antes de ficar bêbado, quando fui te buscar e ainda estava sóbrio, não lembro se fui suficientemente efusivo para te deixar claro o quanto você estava linda, o quanto fiquei encantado com você, como se a visse pela primeira vez, mas uma primeira vez diferente, a primeira vez depois de ter te visto tantas e tantas vezes. Como é difícil sentir a sensação de primeira vez depois de ter visto tantas vezes a mesma pessoa. E isso, sóbrio ou bêbado, eu lembro bem, você tinha o dom de me fazer sentir. Sempre o mesmo calor gelado da primeira vez. Acho que, cada vez que eu via você, sentia a sensação da primeira vez. Acho não, tenho certeza. Talvez seja por que cada vez que via você, a sensação não fosse de primeira vez, e sim, de última.

Se não fui claro, serei agora, você estava linda. Linda, linda, linda! E sexy!

E, talvez também não tenha sido muito claro quanto a isso também, mas independente do estado em que você estava, da roupa que você usava, para mim você sempre esteve irresistivelmente sexy!

Mas esqueça da última noite, lembre das anteriores, as recentes. Se você fizer um esforço, vai lembrar que em todas elas, ainda que não tenham sido muitas, não tantas quanto um amor igual ao nosso merecia, em todas elas eu dormi abraçado com você. Quando não te abraçava, virava para o meu lado da cama e te puxava pelo braço, para que você me abraçasse.

Esse abraço no meio da noite era meu jeito desajeitado, esquisito de dizer para você, Sim, eu te amo, muito, tanto que não sei sequer dizer.

Desculpe não ter te abraçado na última noite, é que eu estava bêbado demais.

Não que eu não quisesse, mas estava muito bêbado.

Bêbado como estou agora.

Mas, agora, mesmo bêbado, virei para abraçar você.

Você não estava lá.

Virei para puxar o seu braço, para que você me abraçasse.

Você não estava lá.

Queria te dizer de novo do mesmo jeito desajeitado e esquisito, Eu te amo.

Mas você não estava lá.

Desculpe não ter te abraçado na última noite, é que eu estava bêbado demais.

Não que eu não quisesse, mas estava muito bêbado.

Bêbado como estou agora.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

You're so fucking special, but I'm a creep


Covardia?

Covardia não, por favor, me respeite. Sou muita coisa, uma ou outra coisa boa e uma porção de coisas ruins, mas, covarde, não.

É um direito que tenho, quem pode me condenar por isso?

Nem você, que é tão boa, tão especial, que é uma porção de coisas boas e, neste momento, não me ocorre qualquer coisa ruim que você seja, tem esse direito.

Talvez seja o único direito genuíno que eu tenha, que todos temos, tanto quanto ninguém tem o direito de condenar o outro por isso.

Deveres, temos muitos, mas acredito que direito, só este.

Então, de quem é a vida? Minha, não é?

Então, tenho o direito de fazer dela o que bem entender, e isso inclui desfazê-la, se assim me parecer conveniente.

Como agora me parece.

Fiz exatamente o que você me pediu, não te liguei mais, nem emails eu mandei. Não que não tenha tido vontade de fazer isso em cada um dos segundos que se arrastaram desde que você partiu.

Agora, quem vai partir sou eu.

Só não pense que eu escondi algo de você, que omiti informações, que menti. Não fiz nada disso, não dessa vez. Só não tenho como explicar algo que não entendo.

Se ainda te amo? Muito!

Tanto que, por mais que esteja sofrendo, escolhi te libertar de mim. E como é dilacerante ficar longe de você, como é corrosivo não ouvir tua voz todos os dias, privar minhas vinte e quatro horas de cada dia das nossas brincadeirinhas tão cheias de carinho. Arde ficar longe de você. Queima.

Sei que você gostaria de saber por quê. Mas não sei, me desculpe. Só penso naquela música da banda do vocalista tortinho: “I want you to notice / When I’m not around / You’re so fucking special / I wish I was special / But I’m a creep / I’m a weirdo / What the hell am I doing here? / I don’t belong here / I don’t belong me”

Estou cansado, muito cansado. Perdi o controle sobre as minhas neuroses, se é que um dia já o tive.

Sei que minha inconstância te sangra, mas, acredite, ela dói mais em mim. Você viveu com ela por opção, eu não tive essa escolha.

Acabei me tornando frio como cano de revólver, acho que por isso estamos nos entendendo tão bem, eu e o trinta e oito cano curto que arranjei. Mais fácil do que comprar cocaína. Não, minha querida, não estou cheirando. Nem injetando. Nem nada do gênero, meus vícios continuam os mesmos. Eles são muito ciumentos, não aceitariam vícios novos. Sou fiel a eles. Tá vendo? Posso não ser muito fidedigno, mas até que tenho alguma fidelidade.

Engraçado, quando adolescente deprimido que fui, me entendia bem com meu all star cano longo, agora, adulto e ainda deprimido, mudei a moda, escolhi o trinta e oito cano curto.

Meu amor, você é tão especial, e eu só um verme.

Que fique claro, isso não é ironia.

Coisas da vida, vida que segue.

A sua, claro.