sábado, 7 de maio de 2011

"União homo-afetiva é coisa de bicha!"


Às vezes morro de vergonha de pertencer à espécie humana.

Já escrevi algumas vezes que sou antissocial, que prefiro a companhia dos meus três gatos do que da maior parte dos exemplares homo sapiens que rodeiam meu cotidiano, mas mesmo alimentando esse rancorzinha contra a minha matilha, às vezes me acostumo, e quase me torno simpático. Quase.

Contudo, entretanto, porém e todavia, vez ou outra, esta espécie a qual pertenço faz questão de renovar meus laços de insatisfação com ela através de alguma atitude camuflada sob a égide da civilidade, mas que na verdade não passa de regurgitar nossos valores que, a despeito dos avanços tecnológicos, ainda são neardenthais.

É raro abrir mão dos meus contos para mandar um texto opinativo, mas esta semana não deu para fugir. Tentei, mas o mundo insistiu e eu vou abrir esta exceção. É raro também eu publicar algo no sábado, procuro sempre ater-me as segundas, quartas e sextas, mas ontem entrei de férias e, desde ontem as 18:00, meu ritmo mudou, desacelerou, até o fim de maio vou publicar quando der na telha, se tiver posts diários, eles serão diários, se só escrever mais um até o fim do mês, talvez este seja o último e o próximo venha só na primeira segunda de junho. Voltemos ao texto.

No início da semana estava com um texto quase pronto sobre a morte do Osama, mas gente melhor habilitada para argumentações geo-políticas do que eu, o fizeram e fizeram muito bem, gente como meu grande amigo Jean Mafra, leia aqui.

A morte de Osama virou uma espécie de malhação do Judas moderno. Não sei se aí na sua cidade existe isso, mas aqui na terra que me pariu, com seus ranços da colonização açoriana, toda santa quinta-feira santa, faz-se farra do boi, uma barbárie onde um amontoado de débeis-mentais (no sentido pejorativo da expressão, não no da doença de fato) acuam um pobre boi, perseguindo-o pelas ruas dos bairros do interior, maltratando-o até matá-lo de cansaço e agressões. Depois disso, voltam para suas casas para arrumarem-se para a missa de sexta-feira santa, comerem canjica e peixe, por que comer carne vermelha na sexta-feira santa é pecado.

Além disso, malha-se o Judas. Aquele que traiu o magrão cabeludo e de barba com cara de cantor inglês, é personificado num boneco de pano, pendurado no poste, e vários dos mesmos débeis-mentais revezam-se em desferir pauladas e golpes no boneco Judas de pano, até que por fim ateiam fogo no pobrezinho e, finalmente, vingam a morte do nosso senhor Jesus Cristo, filho mais velho de deus. Ah, como é lindo ter a prova de que, sim, deus é amor! Aqueles que são sua imagem e semelhança que o digam.

O mundo todo se tornou açoriano e vibrou eufórico com a malhação do Judas afegão. Não entendo por que cargas d’água o senhor Obama abriu mão de fazer a diferença de verdade na condenada postura imperialista norte-americana, mostrando ao mundo que podemos ser melhores do que aqueles que não nos deram opção, e ao invés de capturar o maior terrorista de todos os tempos e levá-lo a julgamento, optou por executá-lo sumariamente como um justiceiro que quer limpar a sujeira com as próprias mãos. As próprias, não, as de terceiros, mas a ordem partiu dele. Não defendo Osama, ataco Obama. Condenamos Bin-Laden por suas atrocidades com mais atrocidade. No fim da conta, entre um e outro só muda uma consoante, nada de muito diferente. Na verdade, entendo sim por que ele fez isso, ano que vem tem eleições, e agora está garantido mais quatro anos de moradia grátis na Casa Branca. Ao invés de agir com justiça e inteligência, provando ao mundo que somos diferentes de terroristas, fomos terroristas também e, mais do que isso, provavelmente depois deste assassinato pop-star, foi deflagrada a maior crise entre ocidente e oriente de todos os tempos, as semanas vindouras nos mostrarão o impacto desta atitude.

Mas não é disso que eu quero falar, disso o Jean já falou melhor do que eu. Disso e do papa santo. O papa ainda é pop! O antigo, o santo, não este que aí está que tem cara de mau.

Toda essa divagação é para falar da lei aprovada ontem, que me mata de vergonha: a aprovação da “União Homo-afetiva”. Calma, calma, calma, deixa eu continuar.

O que me mata de vergonha é que, em pleno 2011, ainda estejamos discutindo um assunto como este, é ridículo! Uma prova linda da nossa estupidez hipócrita!

A lei, que deveria garantir direitos iguais a todos, exclui da proteção das suas asas pessoas que optam por uma orientação sexual diferente daquela escolhida pelos senhores (será?) que, há dois séculos, escreveram nossas constituições.

É sério, eu fico assustado quando penso que isso é discutido, que algumas pessoas revoltam-se contra a decisão tomada. Caralho, estas pessoas, tão pessoas quanto eu, você, ele, ela, você e ele, você e ela, ele e ele, ela e ela, merecem respeito. O que fazem nas suas vidas privadas não pode servir de argumento para cercear seus direitos civis.

Preâmbulo da nossa constituição federal vigente:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

E lá nas entrelinhas, nas letrinhas pequenas que ninguém lê, deve estar escrito:

“Desde que você não de ré no quibe ou cole o velcro!”

Artigo terceiro, inciso primeiro:

“I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;”

Entrelinhas: “Desde que você não morda a fronha!”

Artigo terceiro, inciso quarto:

“IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

NÃO PODE HAVER ENTRELINHAS!

Gente é gente, não interessa o que ela faz na cama! Não interessa com quem ela faz na cama!

Se o Brasil fosse um país sério, deveria pagar indenizações milionárias a toda e qualquer pessoa homossexual que alguma vez tentou valer-se dos benefícios que a constituição diz assegurar aos por ela protegidos, mas que foram impedidos em função da sua opção sexual!

Mas este não é um país sério, e os puritanos malhadores de bois e Judas, justiceiros matadores de Osamas, alegam que esta não é a vontade de deus, que não foi para isso que deus criou o homem e a mulher.

Artigo cinco, inciso sexto:

“VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”

E se minha religião não tiver nada contra a união de pessoas do mesmo sexo, a lei me garante o direito ao casamento civil? Qual lei vale mais? E seu eu for ateu, também tenho direito a lei?

Porra, o filho do homem, como todos sabemos, morreu solteiro aos 33 cercado por doze amiguinhos que o seguiam aonde quer que ele fosse! E se Jesus fosse gay? E se Jesus FOR gay? Qual o problema? Talvez, neste caso, a maior parte das pessoas passem a achar justa a sua crucificação.

Uma amiga minha, que já pegou mais mulher do que eu e todos os meus amigos héteros juntos, me disse essa semana: “União homo-afetiva é coisa de bicha! Gay quer é casar! Queremos ser marido e marido, mulher e mulher, e não homo-afetivo e home-afetivo! Sou cidadã, quero ser tratada como uma!”

O supremo tribunal decretou que, agora, gays também podem ser tratados como cidadãos. Grande avanço! Atrasado, tardio, neardenthal, mas não deixa de ser um avanço. Algo como ganhar um walkmann, quando o seu sobrinho já tem há tempos um MP5 e o considera obsoleto. Mas, não deixa de ser um avanço.

Mas estamos no Brasil, e este não é um país sério. Aliás, não existem países sérios.

No fim das contas, sejamos nós gays ou não, todo mundo acaba tomando no rabo.

6 comentários:

Unknown disse...

Estou quase me convidando pra tomar uma cerveja contigo. Sério, o texto ficou muito bom. Só faltou falar da "Penca do Ribeirão".

Parabéns!

jean mafra em minúsculas disse...

arrazô, beeee!

beijo grande.

Thiago da Hora disse...

Direto, simples e certeiro. Ótimo comentário! Ótima visão!

Shuzy disse...

É... Esse não é um país sério. Jamais será, você sabe.

Bruna Rafaella disse...

Fins dos tempos ou da linguagem literária???
que texto foda é esse??
puta cidade que te pariu!!!

adorei!!!!!!!!!!!!!!!

Anônimo disse...

Tamo junto Cazuza, tamo junto...

Meu sentimento é o mesmo que o seu, principalmente na questão de "SÉRIOQUEAGENTEAINDATÁDISCUTINDOISSOEMPLENOSÉCULOVINTEEUM?!"

Também não consigo entender como esse assunto pode ser polêmico.

De qualquer forma, fiquei MUITO feliz.

Vamos caminhando. Devagar ainda, mas cada vez mais rápido e, acredito eu, sempre.

:}

Beijos otimistas,

Bia