domingo, 15 de maio de 2011

Auto-ajuda


Apesar de ter se tornado quase que instantaneamente um sucesso colossal de vendas, não poderia ser chamado exatamente de escritor. Autor, talvez fosse mais apropriado.

Seus três primeiros livros, “A vitória está dentro de você”, “Vencer é uma questão de querer” e “Superando os limites da própria vitória!” caíram de imediato no gosto dos leitores daquele tipo de obra. Contudo, foi no seu quarto livro que se tornou uma verdadeira celebridade da auto-ajuda. Mesmo sendo baixinho, careca, estrábico, magro, mas barrigudo, ainda assim, com o sucesso do seu quarto livro passara a ser admirado pelos homens e desejado pelas mulheres, já que viam nele alguém que era capaz não só de entender a vida e suas dificuldades, como de superá-las com a simples conjugação do verbo querer, isso tudo além de também passar a ser um homem que, notoriamente, tanto conhecia as mais íntimas necessidades femininas, quanto era capaz de dar a receita para que, qualquer homem, chegasse até elas e as satisfizessem por completo.

Quando lançou “A vitória conjugal – vencendo a dois, da cama aos negócios”, nem ele imaginava o impacto que causaria. Tornou-se o palestrante mais requisitado do país, cobrava por duas horas de discurso motivacional uma quantia indecente de reais, os quais as pessoas pagavam entusiasmadas, certas de que depois daqueles cento e vinte minutos suas vidas estariam completamente transformadas.

Quando Alice mostrou o panfleto da palestra para Fábio, seu marido, ele caiu na gargalhada. Nosso negócio está uma maravilha, Alice, nunca nossa padaria esteve tão bem, o que você quer com uma palestra dessas? Os negócios vão uma maravilha, Fábio, não a nossa vida, não o nosso casamento... Não a nossa intimidade.

Fábio gelou, ficou em silêncio olhando-a assustado.

Ambos sabiam que, mesmo com o grande sucesso que tinham nos negócios, na intimidade eram um fracasso retumbante. Por mais que amasse o marido, ele nunca fora capaz de satisfazê-la na cama. Não bastasse o fato de Fábio ter vindo ao mundo com o seu membro ostentando proporções bastante acanhadas, diminutas, o coitado ainda sofria de ejaculação precoce. Bastava sua esposa tirar a roupa, deitar-se ao lado dele, que no terceiro ou quarto beijo, antes mesmo de ensaiar uma leve penetração que, dadas as dimensões reservadas de Fábio, não haveria jeito de ser muito profunda, o lençol da cama do casal já exibia a mancha melada de mais um insucesso do pobre cônjuge.

Contudo, nunca conversaram abertamente sobre o assunto. Dada a educação cristã extremamente conservadora que tiveram, ficavam encabulados a cada nova tentativa, ela beijava a testa do marido com ar de resignada compreensão, e ligavam a televisão para esperar o sono juntar-se a eles na cama king size. Fábio tentava compensar sua incapacidade sexual com toda espécie de agrados, enchia a mulher de mimos e presentes dos mais variados preços. Excetuando-se o desempenho enquanto amante, era de fato um marido exemplar. Alice procurava relevar sua frustração sexual, substituindo o desejo ardente que sentia todas as noites pelo carinho terno que recebia do marido. Era um bom homem, oras, sexo não é tão importante assim, tentava iludir a si mesma.

Alice já tinha ouvido falar no tal palestrante milagroso, algumas amigas suas tinham depoimentos calorosos sobre como suas vidas conjugais haviam mudado da água para o vinho após a palestra do guru do sucesso infalível. Quando viu o panfleto da palestra no pára-brisa do seu carro, não hesitou nem um segundo. Por mais constrangedor que fosse admitir a ineficiência sexual do marido, precisavam dar um jeito naquilo. Eram muito jovens ainda para aceitarem tão passivamente aquela situação. Não era justo que até a mocreia da Fernanda soubesse o que é um orgasmo, e ela, que além de muito competente profissionalmente era também linda, nunca tivesse experimentado a tal descarga de energia que deixa as pernas bambas de saciedade. Já que Fábio recusava-se a ir procurar um médico, que resolvesse seu problema apelando para o psicológico-motivacional.

Mesmo que a contragosto, Fábio aceitou ir a tal palestra e, a cada nova frase de impacto que o palestrante dizia, com uma entonação tão contundente que tornava o óbvio em espetacular, os olhos do casal brilhavam como se estivessem escutando a grande revelação das suas vidas.

A certa altura da palestra, as luzes do auditório foram diminuídas, uma música erótica começou a tocar no recinto e, no telão onde o palestrante exibia os slides em PowerPoint da sua apresentação, imagens sensuais surgiram diante do público atônito e excitado. Mulheres com roupas sensuais, homens másculos e fortes tirando a camisa, lingeries, jantares a luz de velas, rosas vermelhas, taças com vinhos apetitosos. Alice sentiu um calor úmido entre as pernas, Fábio sentiu-se capaz de satisfazer a mais insaciável das mulheres. Com o auditório ainda a meia luz, Fábio pegou na mão da esposa e disse baixinho, ao pé do ouvido, Hoje vai ser diferente...Gostosa!

Alice gelou! Dadas as consecutivas falhas do marido, ele nunca ousara provocá-la daquele jeito, nunca a havia chamado de “Gostosa”. Ficou com vontade de erguer o vestido e sentar no colo do seu amado ali mesmo, na frente de todo mundo, mas controlou seus impulsos para o pós-palestra, para quando chegassem em casa.

Na saída do hotel onde havia sido realizada a palestra, Fábio posicionou-se para abrir a porta do carro para Alice. Desde os tempos de namoro que ele não abria a porta do carro. Antes de abri-la, contudo, Fábio empurrou a esposa contra a lateral do carro e beijou-lhe na boca, com uma vontade, uma volúpia que, nem nos tempos de namoro, ele havia demonstrado. Escorregou a mão pelo corpo da mulher, e apertou-lhe a bunda com vontade. Ela adorou!

Vamos logo pra casa, disse Alice, Não, respondeu Fábio, hoje nós não vamos para casa. Alice ferveu. Foram à melhor suíte do melhor motel da cidade, entraram no quarto se beijando com vontade, com força, Fábio percorria com as mãos cada menor pedacinho do corpo lindo de Alice. Pegou a mulher nos braços e levou-a à cama redonda, ela ficou deitada se admirando no espelho do teto, enquanto ele abria a garrafa de champagne. Serviu a esposa, colocou sua taça na mesa de vidro no centro do quarto e começou a desabotoar devagar a sua camisa, fazendo uma espécie de strip-tease desajeitado para a esposa que assistia a tudo maravilhada.

Aproximou-se de joelhos da esposa deitada, beijou-lhe as canelas, foi erguendo o vestido devagar, beijou-lhe as coxas, tirou devagar a calcinha da esposa e, pela primeira vez desde que haviam se casado, há mais de dez anos, experimentou nos lábios o sabor mais recluso e intenso da sua esposa. Ela contorcia-se de prazer, por que demoraram tanto para ir àquela palestra, pensava enquanto apertava os lençóis com ambas as mãos ao ver o marido entre suas coxas.

Fábio tirou toda a roupa da esposa e, muito lentamente, derramou champagne sobre os seios da mulher amada, para depois, com a língua, beber lentamente a bebida que naquela pele perfeita, ficava muito mais saborosa do que na taça de cristal.

Alice trocou de posição com o marido, ele agora deitado, ela sentada em cima dele, de olhos fechados, movia os quadris lentamente enquanto apertava os seios ainda úmidos de champagne e saliva. Fábio estava maravilhado, ora olhava para a esposa, ora para o espelho do teto, experimentando aquela visão tão linda sob uma nova perspectiva.

Na intenção de retribuir as carícias iniciais do marido, foi até os pés da cama e começou a beijar-lhe devagar, a partir dos pés, subindo pelas pernas, desabotoou lentamente a calça de Fábio e, no exato momento em que posicionou-se para tirar a cueca do homem amado, ele, mais uma vez, não teve forças para conter sua disfunção sexual e seu pequeno membro lambuzou todo o tecido da cueca ainda vestida.

Alice levantou-se com os olhos marejados e trancou-se no banheiro do quarto do motel. Do outro lado da porta, Fábio pedia-lhe desculpas morrendo de vergonha, tentou de fato tornar-se o amante que a esposa tanto desejava ter em seus lençóis, mas seu problema era orgânico, até que tentava, mas não tinha domínio sobre ele.

Ela ligou o chuveiro e sentou-se encolhida no chão, na espera que aquela água levasse, além da imensa frustração, o calor que não arrefecia no seu corpo. Chorando e fervendo com os braços abraçando as pernas encolhidas, resolveu levantar-se, tomar o banho direito e poderem, depois de mais uma tentativa frustrada, voltarem para casa. Pegou o sabonete e passou a se alisar. O calor não passava. Lavou os seios com mais demora do que lavava habitualmente, o sabonete deixava aquela fina película cremosa na pele, aquilo era bom, muito bom. O calor não passava. Desceu o sabonete às coxas, sem pressa, e num resvalo, tocou-se de um jeito que nunca havia feito. Sua mãe convenceu-a desde muito pequena que fazer aquilo era pecado, pecado mortal. Como é bom o pecado, pensava enquanto descobria os movimentos certos a serem feitos, Meu Deus, como é bom esse pecado, e acelerava os movimentos, e o calor não passava. Apoiou-se com a mão esquerda numa das paredes, e com a direita aumentava a freqüência dos movimentos circulares que fazia com dois dos seus dedos.

Sentado e chorando do outro lado da porta, como uma criança arrependida por ter feito algo muito errado, mas que não tinha condições de fazer diferente, de repente Fábio ouviu a mulher gritar na parte de dentro do banheiro. Ficou preocupado, ela poderia ter caído, poderia ter feito uma besteira qualquer. Com um chute, colocou a porta do banheiro abaixo e viu a mulher sentada no chão do banheiro, sorrindo um sorriso diferente, com os olhos fechados. Alice levantou devagar os olhos na direção do marido assustado, sorriu e disse, Ai, ai, Fábio, eu te amo!

Ele não entendeu nada, mas, a partir daquele dia, ainda que jamais tivesse conseguido manter uma ereção por mais de alguns mínimos minutos, a vida deles melhorou muito, além de bem sucedidos profissionalmente, Alice já não parecia descontente com a intimidade do casal.

Quando uma amiga perguntou a Alice se tinha gostado da palestra, ela sorriu e respondeu realizada, É, por mais que desmereçam, sou obrigada a concordar, auto-ajuda funciona mesmo!

3 comentários:

Letícia Palmeira disse...

Santa palestra. Alice agora está feliz da vida com seu marido bem sucedido.

Na vida real, Alice não teria esperando 10 anos. Ou teria?

Don Mattos disse...

Na vida real, muitas Alices não chegam sequer a esperar, aceitam.

E, assim, a vida real das pobrezinhas passa, sem uma palestrazinha sequer pra lhes apontar a luz no fim dos dedos.

Don Mattos disse...

Na vida real, muitas Alices não chegam sequer a esperar, aceitam.

E, assim, a vida real das pobrezinhas passa, sem uma palestrazinha sequer pra lhes apontar a luz no fim dos dedos.