quarta-feira, 21 de novembro de 2012

E se for Down?


Ontem, num momento de descontração no trabalho, comentei que estava ansioso, pois faltava apenas nove dias para o nosso primeiro ultrassom. Um colega de trabalho que também está grávido, cuja filha nascerá provavelmente já em janeiro, ficou assustado quando soube que apenas ao completar 3 meses é que faríamos o primeiro ultrassom, quando na maior parte dos casos ele já é feito assim que se confirma a gravidez, ainda que não seja possível enxergar muita coisa.
Escolhemos fazer apenas agora, pois, só neste período, é possível sabermos o sexo do bebê. Com a orientação do nosso obstetra, e leitura de alguns artigos, descobrimos que uma série de estudos realizados em diferentes gestações aponta um indicativo de relação entre a quantidade de ultrassons realizados e a presença de autismo nos bebês. Os estudos não são conclusivos, mas as tendências são grandes. Ainda que não tenha o impacto de um raio X, é importante levar em consideração que o exame envia uma série de ondas para um serzinho em formação, o que realmente pode acarretar em alguma interferência no seu desenvolvimento. Em função disto, optamos por fazermos no máximo 3 ultrassons ao longo da gestação.

Ao explicar estes motivos para o meu colega que em breve terá sua filhinha nos braços, ele me perguntou: “Tá, e se tiver Down?”.
Primeiro, a resposta óbvia: “Bom, se tiver Down, o ultrassom não terá o poder de alterar este fato, apenas me dirá se o bebê tem ou não a síndrome. E sabermos disso no segundo ou terceiro mês, não fará absolutamente nenhuma diferença.”.

Respondi com tanta naturalidade e pouca preocupação com a possibilidade, que ele perguntou meio assustado: “Mas tu não ficas preocupado com a chance de ter?”. E, passadas as linhas iniciais, é aqui que o texto realmente começa.
Não, meus amigos, eu não me importo nem um pouco se eventualmente tiver um filho ou filha com Síndrome de Down.

E não digo isso por um eventual medo e justificativa antecipada pela possibilidade que todos os que concebem crianças têm. Digo com a mais absoluta sinceridade do mundo, adoraria ter um filho Down. Tanto quanto adoraria ter um que não tivesse. Não faz absolutamente nenhuma diferença no amor que tanto eu ou a mamãe sentiremos, muda algumas coisinhas práticas, evidentemente, mas não impacta no nosso sentimento em relação a criança.
E essa minha certeza, convicção de que uma eventual Síndrome de Down que pudesse acompanhar um filho meu não afetaria no meu amor por ele, não veio agora com a nossa gestação, ela tem aproximadamente 9 anos.

Em 2003 trabalhei numa instituição chamada Associação Horizontes. Trabalhei lá até 2007, mas o momento mais marcante da minha passagem foi ainda no primeiro ano. Comecei como estagiário, fui recepcionista, auxiliar administrativo, instrutor, coordenador regional, coordenador nacional, enfim, fiz de tudo um pouco, mas o fato mais marcante se deu na primeira turma para a qual fui escolhido para lecionar os cursos de preparação para o para o mercado de trabalho que a instituição oferecia. Fui escolhido para ministrar duas semanas de aulas na Fundação Catarinense de Educação Especial, para uma turma com 20 pessoas portadoras de deficiência mental leve, diferentes deficiências, síndromes, mas todas que afetavam o normal desenvolvimento cognitivo daquelas pessoas. Foi ali, com 24 anos, que tive contato pela primeira vez com alguém com síndrome de down.
Fiquei encantado com eles. Fiquei encantado com a alegria, com a pureza, com a vontade de ser e fazer os outros felizes que eles têm. Ali, depois de ter conhecido um rapaz que se chamava Cláudio e imitava com perfeição o Romário. Mais do que isso, ele ainda dizia: “Professor, agora eu vou imitar o Eri Jhonson imitando o Romário” e, sim, ele conseguia imitar o ator imitando o jogador, e se percebia claramente a diferença entre um e outro. Ele imitava o Xande do Harmonia do Samba, era um sarro. As meninas da FCEE eram loucas por ele, pelo seu bom humor, pelo seu sorriso fácil. Cláudio foi, sem sombra de dúvidas, um dos mais marcantes alunos que tive ao longo de quatro anos lecionando, e olha que não foram poucos os alunos que me emocionaram com suas histórias de vida, mas Cláudio me marcou não por vir de uma história triste – e ele de fato vinha – mas por estar sempre feliz, apesar de tudo.

Aquele menino que sempre sorria e gostava de brincar de ator, vinha de uma família pobre, pobre mesmo. Ele é o terceiro de cinco irmãos, e durante praticamente toda a sua infância, viveu separado dos irmãos, num quartinho no fundo do quintal, pois sua mãe tinha vergonha do filho “mongoloide”. Era uma espécie de bicho que vivia dos restos dos filhos ditos normais. A FCEE chegou até ele através de uma denúncia feita por um vizinho da família. A psicóloga demorou um bom tempo a convencer a família de que ele era uma criança normal, mas com uma deficiência, e merecia uma escola adaptada às necessidades dele, mas que poderia crescer e se desenvolver como qualquer um de nós.
Por toda sua capacidade e competência, a psicóloga convenceu a família e Cláudio passou a frequentar as atividades da FCEE. Mas boa parte do convencimento se deu a partir do fato de que o Cláudio poderia, quando atingisse idade profissional, ser aposentado por invalidez e a família passaria a receber um valor do governo federal todos os meses. Foi o que encantou a família. E não, não a condeno, eles não tiveram instrução, não tiveram informação, e nenhum de nós sabe das necessidades que aquela mulher solteira com cinco filhos, um down, enfrentou para chegar até aquele momento. O segundo trabalho de convencimento, foi mostrar para a mãe que o rapaz tinha totais condições de trabalhar, e esse é um momento muito delicado, pois a família tem que ser convencida do quão bem fará ao parente ser inserido no convívio profissional, ao mesmo tempo que para isso, terá que abrir mão da aposentadoria e se enquadrar no regime CLT que a maior parte de nós faz parte. As famílias acham lindo o que falam os professores e psicólogos das instituições desta natureza, mas não acreditam que seus filhos, irmãos, tios sejam realmente capazes de produzir. E, quando aceitam, são os que mais se surpreendem com a evolução que estas pessoas tem, e com o quanto são capazes. Foi neste momento, que conheci Cláudio. Ele veio até mim para se preparar para trabalhar num grande frigorífico de Santa Catarina.

Foi depois de conhecer Cláudio, que concluí que seria lindo ter um filho Down. Até por que, dado o tanto que ele me ensinou, eu com certeza terei mais e melhores condições de dar suporte a uma criança com esta deficiência, do que teve a mãe de Cláudio. Ela não fez o que fez por mal, disso eu tenho convicção. Fez por ignorância, por desinformação.
Quando me casei com Maittê, minha primeira esposa, certa vez conversávamos sobre possíveis filhos e o assunto Down veio nos fazer companhia na mesa de jantar. Ela me contou que tinha um tio que era Down e o quanto o amava, embora fosse pequeno o contato que tinham. Ambos concordamos que se tivéssemos o poder de escolha, que nascesse conosco uma criança Down, pois ambos saberíamos bem o quanto são especiais e capazes.

A mesma conversa, tive com Priscilla antes mesmo de começarmos a tentar engravidar, e a reação dela foi exatamente a mesma. Em nada afetaria, afeta ou afetará o que sentiremos, se o bebê que nascer em junho de 2013 tiver Síndrome de Down. Não só Down, qualquer outra espécie de limitação, não será para nós um obstáculo entre o bebê e o que estamos dispostos a fazer por ele. Não projetamos um modelo de criança, projetamos os pais que queremos ser para o bebê que está por vir.
Se for Down, não mudará o nosso amor.

Se for Down, o que mudará é o tipo de escola.
Se for Down, o que mudará é que dependendo do grau, talvez ele nunca venha a se alfabetizar, o que só significa que passarei mais tempo contando estorinhas para ele ou ela. Que pai não adora contar estorinhas para seus filhos?

Se for Down, o que mudará é que ele não poderá ser camisa 10 do Figueira, mas não por um erro dele, e sim do Figueira que não investe no esporte para-olímpico. Mas, azar do Figueira, ele poderá ser o 10 da seleção brasileira para-olímpica!
Se for Down, não mudará o que ensinarei para meu filho, mas certamente ele me ensinará coisas muito especiais.

Se for Down, não mudará o amor que eu sentiremos por ele, pois isso, seja menino ou menina, Down, X Frágil ou nenhuma síndrome qualquer, o nosso bebê já nos ensinou, e não há força no mundo que seja capaz de alterar o que já sentimos pelo nosso filhote.

2 comentários:

Shuzy disse...

Faz tempo que não venho, e como o clima mudou por aqui! Tudo tão doce e inspirador!

jean mafra em minúsculas disse...

muito bonito o texto, david, mas o assunto, de fato, é bastante complexo...

aliás, tu já leu o livro o filho eterno do cristovão tezza?!