sexta-feira, 14 de maio de 2010

Não é o que parece


Eu gostava tanto dela...

Parecia doença, mas era só bem-querer.

Ela sempre gostou daquele cantor.
Aquele baiano, que fala fino, jeitinho de baitola.

Parecia frutinha, mas sei não.

O negócio é que ele fez uma apresentação numa cadadezinha aqui perto, viagem rápida. Eu levei ela.
Ela chorou de contenamento, ficou que só ela. Pediu pro segurança pra falar com o artista, chegar um pouco perto que fosse, mas deixaram não.
Ficou tão chororô, pobrezinha.

Parecia amargura, mas era só tristeza.

Dei meu jeito. Contornei os segurança, dei balão em todo mundo. Cheguei perto do artista, ele ficou assustado. Disse que ela gostava muito dele. Pedi pra que ele tirasse um retrato com ela, falasse um pouquinho, um minutinho que fosse, qualquer coisa. Pedi com educação, ele me tratou muito mal.

Parecia intromissão, mas era só carinho de admiradora.

Pra tentar se livrar de mim, chamou o segurança. Mas eu expliquei de novo, disse que ela gostava muito dele, que só precisava de um retrato, um minutinho que fosse, ela já ia ficar feliz. Talvez ele precisasse de muito pra ser feliz, ela não, um retratinho simples bastava, só aquilo já tava de bom tamanho.

Parecia invasão minha, mas era só meu amor por ela.

Ele deixou. Fui chamar ela pra tirar um retrato, a bonita ficou contente de dar gosto, feliz que só vendo. Fiquei mais satisfeito ainda de ver ela assim, toda boba de contente. Ela dizia que nem sabia como dizer o tanto que tava agradecida, ficou que não dava conta. Eu também fiquei todo faceiro, só de ver ela daquele jeito.
Quando ela chegou, o cantor ficou admirado.

Eu parecia povinho, ela parecia princesa.

E deu toda atenção pra ela, convidou pra sair com ele e tudo, esqueceu que eu tava do lado.

Parecia o cantor querido que aparecia na televisão, mas era o mesmo safado que há pouquinho não queria ver ninguém.

E conversaram bastante, como se não tivesse ninguém mais. Nem notaram eu ali do lado. Tomaram água, ele deu bebida pra ela, uma amarela com bolhinha. Ela ficou alegre, rindo que nem besta.

Parecia atenção, mas cheirava safadeza.

Ela ficou toda faceirinha, ria alto, mexia a barra da saia com a mão livre do copo.

Parecia alegria, mas era desfrute.

Quando ela pediu mais um pouco da bebida, ele puxou ela pra bem perto e deu um beijo. Ela deixou. Eu fiquei muito danado da vida.
Fiquei comido de raiva, virado no capeta. Puxei meu revólver e descarreguei tudo nos dois. Caíram na hora, mortinhos, mortinhos, os desavergonhados.

Parecia ciúme, mas era justiça.

Vim pra cadeia pagar pela safadeza dos outros. Aqui, honra de corno lavada no sangue é pena que merece respeito. E lençol no pescoço é direito que não se nega.
Pros outros é até bom, o furdunço que dá na cadeia abre brecha pro escape.
Lençol no pescoço é direito que não se nega.

Parece arrependimento, mas é só saudade.

3 comentários:

Lamaringoni disse...

tu andas inspirado, né?

muito bom, como os últimos.

saudade de ti, fio!

beijim

Clarice disse...

Cada vez melhor.

jean mafra em minúsculas disse...

olha, seu david,
o senhor está se mostrando um bom vinho... (se que é que me entendes).

parabéns!