terça-feira, 11 de maio de 2010

Vermelho


Com o semblante frio e impassível, ouviu a advertência do escrivão de que, por tratar-se de um recinto fechado, não poderia fumar ali. Fora presa em flagrante após ter assassinado o próprio marido a facadas, dezessete no total, a maior parte delas na altura dos órgãos genitais.

Mal o delegado posicionara-se na cadeira giratória, ela começou a falar com raiva, com o dedo em riste apontado para a autoridade policial como se estivesse acusando, e não sendo acusada, Quando apareceu aquela empregada gostosinha da novela, aquela que dança rumba, tchá-tchá-tchá, salsa, sei-lá-o-quê, o desgraçado fez que não viu, mas deu um sorrisinho com o canto da boca que me fez entender tudo, disse ela. Pedi para ele ir à farmácia, o puto não quis, disse que iria amanhã. Mais tarde veio com aquela mão nojenta, grande, peluda nas minhas coxas, afastei ele, ‘vai bater uma para a empregadinha’, falei. Ele fez que não entendeu, fez cara de susto, mas aquela cara de susto fingida, que só homem com culpa no cartório sabe fazer. Virou para o lado e nem deu cinco minutos já estava roncando feito um porco. Não consegui dormir. Meia hora depois olhei para o lado e vi aquela careca sebosa, um braço embaixo do lençol, o outro para fora, deu para perceber que o puto estava de pau duro, desgraçado. Levantei devagar para não interromper o sonho que ele devia estar tendo com a empregadinha sem-vergonha dançarina de rumba, tchá-tchá-tchá, salsa, sei-lá-o-quê, fui na cozinha, afiei bem a faca que ele usava para cortar a carne de churrasco, voltei para o quarto e fui direto naquele pau nojento, naquele puto nojento, furei ele todo, ele começou a gritar, tentou me segurar, mas já estava todo furado, desgraçado. Ah, se os vizinhos não tivessem vindo...
Falou ao delegado que faria de novo, faria tantas vezes quantas fossem necessárias, faria pior, Se aquele merda não tivesse gritado tanto, ainda teria jogado água fervente em cima do pau ensangüentado, filho de uma puta, cão sarnento, disse ela.

Passou a noite numa cela com mais dezoito mulheres, ladras, arruaceiras, estelionatárias, presas por engano, ficou deitada no chão frio da cela, junto à um bacio sujo, transbordando fálicos dejetos amontoados ali há mais de semana. A raiva não passava, Só pedi para ir comprar o anticoncepcional, queria emendar a porra do anticoncepcional, mas o puto não podia fazer a gentileza de ir à farmácia para mim, era muito trabalho para o puto do cão sarnento, resmungava para si mesma. E assim, remoendo o ódio do marido esfaqueado, ela adormeceu com a cabeça recostada no braço que se apoiava na borda do bacio imundo.

No dia seguinte, quando vieram as cólicas e a enxurrada vermelha da menstruação, com sincero arrependimento ela chorou.

3 comentários:

Lamaringoni disse...

David querido,

uau!

cruel, pero brilhante.

Clarice disse...

Adoro vir aqui no teu blog todos os dias e me deparar (quase) sempre com textos tão bons!

Mai disse...

Alguém ainda duvida do poder da TPM?
Muito, muito bom!