sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O mundo já não é mais tão bonito.


Caso leias este espaço com alguma freqüência, já deves ter percebido minha total aversão à religiões, seitas e crenças místicas transcendentais de qualquer natureza.

Sou cético.
Ou melhor, sou epicurista, e se você faltou às aulas de filosofia romana, sinto muito, estou com preguiça de explicar a diferença entre eles.
O certo é que deus não me convence.
Mas e daí, por que estou falando isso tudo?

Por que, apesar da minha postura anti-religião, tento, na medida que o meu humor negro permite, respeitar estas manifestações e, mais do que isso, reconheço a importância sociológica destas manifestações para a manutenção do pouco de ordem que faz com que as pessoas não se atirem coletivamente do alto dos seus edifícios e, mais ainda do que isso, reconheço que existem muitas, muitas, muitas pessoas muito boas que em nome das suas crenças, fazem coisas maravilhosas pela humanidade.

Para mim, não existem santos, mas sei que Madre Paulina foi uma mulher espetacular. Quem, ao invés de ficar acendendo velinha e comprando bugiganga quando vai à Nova Trento, interessar-se em conhecer a vida e obra desta mulher, vai certamente passar a admira-la de verdade, e não apenas como uma concessora de milagres e dádivas de toda ordem. E, muito mais ainda do que isso, vai ficar puto – como eu fico – com aquela feira livre da muamba sagrada que se tornou Nova Trento.

Como já disse num texto escrito há uns dois ou três anos, em outro espaço que não este, se Madre Paulina visse aquele circo que foi montado em seu nome, ficaria puta da cara! Se o dinheiro utilizado para a construção daquele mercado eclesiástico, daquela igreja fenomenal, fosse dado à ela, a sua obra teria um alcance muito maior do que o que de fato teve.
Estou usando a Madre Paulina como exemplo, mas iguais a ela existem vários outros, católicos, evangélicos, budistas, muçulmanos e ateus. Não é necessário uma bandeira de crenças específicas para se fazer o bem ao próximo, mas algumas pessoas precisam disso. Então, se é para o bem, que seja assim.

Mas repito a pergunta do início, e daí, por que estou falando isso tudo?

Por que esta semana a humanidade perdeu uma dessas pessoas raras que servem de exemplo de abnegação e dedicação irrestrita ao bem coletivo. A médica sanitarista Zilda Arns.

Estou triste de verdade.

De 2003 à 2007 fui contratado por uma ONG para coordenar alguns projetos na área social, e lá tive a oportunidade de aprender muito, provavelmente o maior aprendizado que tive e terei na minha vida. Aprendi que existem políticos muito sérios e comprometidos com a causa pública, empresários idem, e profissionais que também agem desta maneira. Dona Zilda era uma dessas pessoas.

Por mais avesso a religiões que eu seja, o trabalho social criado por ela, a Pastoral da Criança, tem um alcance e uma importância de valor incomensurável, incalculável. Essa instituição tem alcance mundial, são quase trinta países em que ela está presente, e em todos estes países sempre consegue contornar as dificuldades econômicas, barreiras políticas, resistências culturais, para levar as pessoas alvo dos seus trabalhos, o carinho e apoio que a vida lhes negara.
Se tiveres a oportunidade de conversar com uma mãe ou uma criança que tenha sido atendida por essa instituição, pelo ideal de solidariedade de Dona Zilda, você perceberá na hora o valor dessa obra.

Em duas oportunidades o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso indicou o nome de Dona Zilda Arns para o Nobel da paz. Em nenhuma delas ela ganhou. Não que isso diminua o valor dela ou de sua obra, o Nobel, seja ele da paz, da ciência ou da literatura, é um prêmio muito mais político do que qualquer outra coisa, mas ela merecia a comenda.

No último ano o presidente norte-americano Barack Obama recebeu o prêmio. Não vou entrar em julgamento de valor para dizer se ele merecia ou não. Acho a sua eleição para presidente um marco realmente importante para a história da humanidade, se ele fará disso um legado é outra história. Mas quando ele ganhou o prêmio, fiquei com a sensação ainda mais forte do cunho político desta comenda, afinal de contas deram o prêmio por acreditar que ele tenha potencial para fazer muito, e não pelo fato de ter realmente feito alguma coisa.

Dona Zilda fez, e muito!

Quero deixar claro que não sou um anti-americano como esses que existem aos montes, desses que fazem questão de chamá-los de “estado-unidensses” ao invés de “americanos” (puta merda, que idiotice panfletária...). Não tenho nada contra eles. Possuem erros e falhas como qualquer outro povo de qualquer outro canto do mundo, na verdade possuem muito mais coisas boas do que ruins. A Harley-Davidson, o Frank Sinatra e a Pamela Anderson, por exemplo. Mas ficou a sensação que seu poder político determinou o endereço do Nobel.

Não digo que o Nobel tenha sido injusto, mas acho que pela relevância que este prêmio tem, outras mãos seriam mais merecedoras.

Por minhas crenças, não acho que agora ela esteja em algum outro plano astral. Mas acho sim que ela, como algumas poucas pessoas, se tornou eterna. Ela já havia se tornado eterna muito antes de ter morrido.
Nossa eternidade dura a exata medida do alcance, relevância e perecibilidade do nosso legado, e o legado de Dona Zilda Arns, estará para sempre registrado nas poucas coisas boas que a espécie humana foi capaz de realizar pela sua auto-preservação e bem-estar.
Por isso que este espaço, que majoritariamente é dedicado ao humor, hoje se presta a merecida reverência.

Muito obrigado, Dona Zilda.
Muito obrigado!

2 comentários:

Mai disse...

Clap! clap! Clap!

Shuzy disse...

Estive em Nova Trento não faz tempo... Além dos trocentos ca-me-lôs [todos vendendo as mesmas coisas] todo mundo vai lá pra comprar queijo, uva e vinho... E voltam pra casa trazendo dúzias daquelas fitinhas, distribuem pros parentes e acham que fizeram alguma coisa de bom...