terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Reeditando: Conto de Sapas


Era uma vez um reino encantado, em uma terra muito, muito distante.

Neste reino, onde as flores primaveris emprestavam aos ares seus aromas suaves e refrescantes, quase todas as pessoas viviam felizes e em plena harmonia.
Quase todas...

A única família que não conseguia ostentar uma felicidade plena, era justamente a família imperial, já que a filha do casal real ainda não havia se decidido por algum dos vários pretendentes que já haviam lhe cortejado. A idade já lhe avançava, e nenhum cavalheiro lhe parecia bom o suficiente. Aquela situação incomodava e preocupava o Rei, um velho homem bom, justo e generoso. Não foram poucos os pretendentes, de príncipes a sapos, opções não faltaram para a doce donzela. Dos príncipes, a dama esquivava-se, dizendo não aceitar compactuar com a classe dominante e opressora que, segundo ela, construíram suas fortunas na base da exploração do proletariado. Não adiantava jurar para ela uma vida de conforto, luxo, riqueza e qualquer bem material que uma dama pudesse desejar. Isso não lhe bastava.

Surgiram também alguns sapos que diziam-se amaldiçoados, cujo feitiço que lhes servia de suplício só seria quebrado quando o toque leve dos lábios de uma donzela, tocasse os lábios viscosos do anfíbio enfeitiçado. Os sapos chegavam, mas do retorno deles nunca se soube. Uma única estranha coincidência é que, nestes dias, os jantares sempre eram saborosas rãs ao molho pardo, sempre preparadas pela própria princesa.

Os anos se passavam e a preocupação dos patriarcas reais só aumentava. A donzela, outrora bela e frondosa, estava com uma imagem um tanto quanto diferente da filha que o velho rei carregara no colo. Nas axilas, onde nos anos passados havia apenas uma fina e clara penugem, agora havia uma concentração generosa de pelos grossos e volumosos, tal qual uma moita. Os seios virgens, outrora firmes e rosados, realçados pelos corpetes escarlates que suas amas tão carinhosamente confeccionavam para a bela donzela, agora apresentavam-se profundamente tocados pela implacável ação da lei da gravidade, somando-se a isso a recusa da donzela em usar sutiã. Os sutiãs de outrora, a donzela queimara no quintal de casa, pois julgara que a imposição estética que lhe fora doutrinada desde a tenra idade, era também um sinal da opressão das oligarquias burguesas.

Um belo dia a princesa (que já não podia ser chamada de bela) , percebera que os príncipes já não apareciam há alguns anos. As princesas vizinhas a ela, que durante anos se recusaram em montar um time de rugby com a monarca rebelde, estavam todas casadas, algumas já com filhos e, certamente, viveriam felizes para sempre, mesmo que seus maridos se reunissem todas as quartas para bater uma bolinha.
Eis que por esses dias, surgiu um sapo diferente. Um pouquinho mais gordo do que os outros, cigarro na boca e andar cambaleante, parecendo estar levemente embriagado. Os olhos da princesa marejaram, seria aquele anuro uma nova chance? Sem pestanejar, ela interpelou-o:

_Olá formoso sapo, será você um príncipe enfeitiçado, cujo destino será desposar-me após um beijo meu?

_Como é que é?

_Deixe-me adivinhar, você é o herdeiro de um belo condado nas divisas das terras do meu pai, e veio até aqui para encontrar uma mulher com quem você possa constituir uma bela e feliz família.

_Não, não sou eu não. Acho que a senhora deve ter se enganado, dona.

_Mas vem cá, você não foi enfeitiçado, e por isso está na forma de sapo? Afinal de contas sapo não fala.

_É, enfeitiçado eu fui, mas não por ser um príncipe. Eu fui enfeitiçado por que galinhava demais. Andei por essas redondezas uns tempos atrás, cortejei uma dama que morava aqui nesse castelo mas ela me esnobou me chamando de facínora burguês. Nunca descobri o que isso significava isso, mas achei chique. Voltei para o meu condado mas, no meio do caminho, encontrei uma bruxa. A bruxa se chamava Raimunda, era feinha de cara, mas tinha suas compensações. Pois bem, casei com ela, tivemos alguns filhinhos, tínhamos nossas briguinhas, coisa normal que todo casal tem, mas o que pegou foi quando ela descobriu que eu pegava a varinha dela escondido, para ficar transformando as rãs do brejo onde morávamos em belas dançarinas de axé music. Ela me flagrou no meio de uma dança do maxixe com duas rãs/dançarinas maravilhosas, uma mulata e uma loira, coisa de louco, mas ela não achou muito divertido. A Raimunda transformou as rãs/dançarinas em patê, e me transformou nesse sapo gordo que agora fala com você.

_Nossa, mas você também passou dos limites. Onde já se viu aprontar desse jeito, bem que mereceu ter virado essa coisa gorda e feia em que ela te transformou.

_É verdade, eu aprontei demais. Mas sabe que às vezes eu até acho que valeu a pena. Virei esse bicho gordo e feio, mas me diverti pra caramba. A maldição teve suas compensações. Mas vem cá, diz aí, a minha arte deve ter sido fichinha perto da tua, fala sério, o que foi que você aprontou para ter virado isso aí?

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