segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

POR UM DIA SEM D.R.!!!


_Boa noite a todos, meu nome é Libanor e hoje eu completo quatro dias e dezesseis horas sem discutir a relação.

_Boa noite, Libanor.

(Responderam em uníssono os mais de 40 homens presentes na sala, todos cientes do problema em comum que partilhavam. Alguns tímidos, outros resignados, outros tantos até com alguma raiva, mas todos em busca do apoio na história do colega, da compreensão que nas suas casas lhes era negada)

_Não é fácil, vocês sabem que não é fácil...

(pequena pausa emocionada)

_Libanor, aqui todos nós enfrentamos esse mesmo problema, você não precisa se sentir constrangido, pode se abrir, pode ter certeza que partilhar suas auguras conosco vai fazer você se sentir melhor.

(nova pausa, Libanor respira fundo)

_Bem, amigos. Eu achava que quando me apaixonasse, viveria uma dessas histórias de amor de cinema, em que as pessoas se apaixonam perdidamente uma pela outra, e pronto, vivem felizes para sempre. Não consigo imaginar, por exemplo, a Julieta reclamando que Romeu não lhe dava atenção. E olha que ela tinha lá seus motivos para falar mal da sogra e de toda a família do Romeu, mas não me lembro disso. Não consigo imaginar a Mama Corleone reclamando para Don Vito que ele fica mais tempo entretido com seus negócios do que com ela. Não dá para imaginar uma cena dessas. Mas a vida real não é assim...

(pequeno cochicho generalizado, concordando com a última afirmação do Libanor. Todos ali sabiam: a vida real não era assim)

_Me apaixonei pela Clotilde e em pouco tempo começamos a namorar. Na primeira vez que saímos, a levei ao cinema. Eu perguntei o que ela queria assistir, ela disse: “qualquer coisa, meu bem, pode escolher, eu só quero estar perto de você!” Quando saímos do cinema ela estava com aquela tromba...

(novo cochicho generalizado de resignada compreensão coletiva)

_Eu perguntava o que tinha acontecido, ela dizia que não tinha sido nada. Eu insistia, ela olhava para o lado e repetia que não tinha sido nada. Deixei a Clotilde em casa e fui para o meu apartamento, mas antes de dormir liguei para dar boa noite. Foi nesse dia que ouvi ela falar pela primeira vez: “Libanor, a gente precisa conversar. Precisamos falar sobre a nossa relação.”
(o cochicho agora já tinha seu volume aumentado, todos ali sabiam o que essa frase significava)

_Eu quis ser gentil: “Claro Neném – eu chamo a Clotilde de Neném – vamos conversar o quanto você quiser, meu amor” só que eu não sabia que dar essa brecha ia gerar tudo o que gerou. Ela veio me acusando de não prestar atenção aos seus anseios, disse que só pensava em mim. Eu não entendi nada, perguntei por que ela estava falando aquilo, aí ela citou o filme, eu tentei argumentar: “mas você falou que eu podia escolher o filme que eu quisesse!” e ela: “MAS TINHA QUE SER JUSTO UM DO STEVEN SEAGAL???” Mas me digam meus amigos, me expliquem, ela não disse: “vamos ver qualquer filme que você quiser, exceto do Steven Seagal” Ela disse apenas: “vamos ver o filme que você quiser!” Por que ela ficou braba? Eu apenas fiz o que ela queria.

(a insatisfação coletiva era cada vez mais efusiva a cada pausa que Libanor fazia em sua narrativa)

_Essa foi a primeira vez, mas tudo bem, superamos. Dois dias depois saímos para lanchar, perguntei o que ela queria comer, ela disse: “qualquer coisa, Neném, pode escolher”. Eu fiquei com medo, juro que fiquei com medo, tentei insistir: “não, Môzinho, escolhe você, hoje eu quero fazer as suas vontades!” mas ela era irredutível: “não, Neném, escolhe você”. Eu escolhi.

(expressões apreensivas entre os ouvintes, o temor pelo desfecho era indisfarçável, apesar dele ser previsível)

_Meus amigos, ela passou o lanche inteiro emburrada, sem me olhar nos olhos. Tentei perguntar umas tantas vezes o que tinha se passado, ela só respondia dizendo: “você sabe!”. MAS EU NÃO SABIA, EU NÃO FAZIA A MÍNIMA IDEIA DO QUE ESTAVA ACONTECENDO!!!
(indignação coletiva generalizada, quase incontrolável)

_Depois, por telefone, ela me falou “Libanor, precisamos conversar sobre a nossa relação...”.

(consternação dos ouvintes)

_ “Diga, Neném”. Aí eu descobri que ela não estava com vontade de comer churrasquinho de gato aquela noite, MAS ELA NÃO ME DISSE QUE NÃO GOSTAVA DE CHURRASQUINHO DE GATO, ELA DISSE QUE EU PODERIA ESCOLHER A PORRA DO LANCHE QUE EU QUERIA COMER!!!
(pausa para, com as mãos trêmulas, tomar um gole d’água e se acalmar. Libanor estava visivelmente abalado)

_Quanto mais aniversários o nosso namoro fazia, mais freqüente era a frase: “Libanor, precisamos conversar sobre a nossa relação”. Discutimos a nossa relação por causa da novela, discutimos a nossa relação por causa do comercial, discutimos a nossa relação por causa da cor do carro novo que o tio dela iria comprar, discutimos a nossa relação por causa da nota baixa que o sobrinho dela tirou na escola, discutimos a nossa relação por que chamei o Dunga de burro quando ele convocou o Felipe Melo pela primeira vez, enfim, tudo era motivo para discutirmos a nossa relação.

(cabeças acenavam negativamente compreendendo empaticamente o martírio de Libanor. Todos ali também passavam por isso)

_No início era pessoalmente, depois por telefone, depois, quando não agüentávamos mais nos ver ou ouvir a voz um do outro, tivemos a nossa fase de discutir a relação através das frases do MSN. Depois passamos a discutir a nossa relação através do twitter, mas agora acho que cheguei ao fundo do poço. Praticamente não nos falamos mais, discutimos a relação através dos nossos blogs, ela posta algo hoje, eu respondo amanhã. Fingimos que estamos falando para todos os leitores dos nossos blogs, mas na verdade todos já perceberam que estamos apenas atacando um ao outro, apenas discutindo a relação em público.

(nesse momento, Libanor já não contém as lágrimas, mas mesmo assim completa seu depoimento entre soluços)

_Por isso, amigos, por isso que eu vim até aqui. Por que preciso acreditar que é possível, preciso encontrar exemplos de pessoas que conseguiram uma vida plena sem discutir a relação.

(todos ali estão visivelmente emocionados, alguns choram copiosamente, identificando-se na dor do colega. Libanor ergue sua mão direita com o punho cerrado, e grita para todos o bordão do grupo)

_POR UM DIA SEM D.R.!
(todos se erguem das suas cadeiras e, emocionados, repetem)

_POR UM DIA SEM D.R.!!!
(antes de deixar o púlpito, Libanor ainda completa)

_Só por hoje!